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Embraer gastou R$ 485 mi para virar duas. Sem Boeing, como juntar de novo?

Boeing anunciou ontem que não concretizaria a compra da unidade de aviação comercial regional da Embraer

Embraer: na maior exportadora brasileira de tecnologia, o clima passou da estupefação à raiva e ao medo (Paulo Whitaker/Reuters)

Embraer: na maior exportadora brasileira de tecnologia, o clima passou da estupefação à raiva e ao medo (Paulo Whitaker/Reuters)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 26 de abril de 2020 às 14h53.

Última atualização em 27 de abril de 2020 às 08h48.

O clima na fabricante de aeronaves Embraer, a maior exportadora de tecnologia brasileira, foi da estupefação ao medo e à raiva na última semana, conforme foi ficando mais claro que o acordo para vender sua unidade de jatos comerciais regionais para a Boeing não seria concretizado.

A brasileira foi rápida em fazer a cisão dos ativos que seriam transferidos à joint-venture com a Boeing, chamada Yaborã. Anunciada em janeiro, a criação de uma nova empresa era uma das principais condições precedentes para o fechamento do negócio, que foi cancelado na manhã de ontem pela  Boeing – após a empresa amricana alegar que não houve cumprimento de todas as exigências do acordo feito entre elas.

A Embraer gastou 100 milhões de reais só para transferir a sua sede da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São José dos Campos, no interior paulista, onde nasceu, para o bairro Eugênio de Melo, na mesma cidade, a 20 quilômetros de distância. No total, as despesas somaram 485 milhões de reais. Mas ainda não está claro o que a Embraer terá de fazer a respeito da separação de operações, realizada única e exclusivamente em razão da operação com a Boeing.

Os investidores aguardam ansiosamente uma teleconferência que a Embraer vai realizar às 9h desta segunda-feira, dia 27. Terminou na sexta-feira o prazo para o fechamento da operação, um negócio de 5,2 bilhões de dólares. Com a conclusão, a empresa americana teria de pagar 4,2 bilhões de dólares à Embraer e passaria a ter 80% da companhia. A participação minoritária restante, de 20%, permaneceria sendo da Embraer.

A companhia brasileira reagiu fortemente às alegações da Boeing para sair do negócio da data de seu prazo final. Afirmou que a companhia americana, que vem sofrendo desde os problemas com o modelo 737 Max, fabricou falsas alegações para justificar o cancelamento. Mas não informou se pretende transformar a frustração em um processo judicial por danos.

O sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, que desde o início se colocou contra a aliança com a Boeing, está pedindo que a Embraer seja reestatizada e que garanta os empregos dos trabalhadores, altamente especializados. Em maior ou menor grau, especialistas dizem acreditar que a companhia brasileira vai precisar de ajuda do governo para corrigir o rumo a partir de agora. A venda do negócio para outra empresa também está sendo considerada. Mas a crise mundial da aviação por causa da pandemia da covid-19 deve atrapalhar qualquer negócios neste momento.

A despesa extra com Yaborã pesou nas contas totais da Embraer em 2019. Apesar de registrar um aumento superior a 16% na receita líquida, para 21,8 bilhões de reais, a companhia teve prejuízo operacional antes mesmo das contas financeiras. Essa linha do balanço ficou negativa em 310 milhões de reais, na comparação com um saldo positivo de 103 milhões de reais, em 2018.

Além disso, a Embraer amargou um prejuízo de 1,3 bilhão de reais no ano passado, ante perda de 644 milhões de reais no ano anterior.

No balanço anual de 2019, a companhia apresentou toda a atividade de aviação comercial separada, como “operação descontinuada”, com ativos e passivos compartimentados. Segundo a companhia, os dados estão sendo assim organizados desde fevereiro do ano passado, quando os acionistas aprovaram a transação com a Boeing.

A união com a Boeing começou a ser desenhada ainda em 2017. A notícia de que as empresas planejavam uma grande transação se tornou pública, pela imprensa internacional, às vésperas do Natal daquele ano. O memorando entre a companhia americana e a brasileira só foi assinado em julho de 2018 e as condições foram alteradas mais tarde.

Durante esse período de preparo para a combinação com a Boeing a carteira de pedidos da Embraer teve ligeiro recuo: somava 18,3 bilhões de dólares em dezembro de 2017 e caiu para 16,8 bilhões ao fim do ano passado.

Jatos militares e satélites

Com a venda da unidade de aviões comerciais para a Boeing, a Embraer planejava dar novo impulso às divisões que ficaram de fora da parceria — a de jatos executivos e a de defesa —, aumentar a aposta na prestação de assistência técnica a aeronaves e em negócios disruptivos, que vão de satélites e carros voadores a aplicativos que conectam fornecedores às companhias aéreas.

Na transação com a Boeing, a divisão de jatos comerciais — englobando o complexo da Faria Lima, o centro logístico de Taubaté, a subsidiária de equipamentos Eleb e a fábrica de peças em Évora, Portugal — seria transferida para a Yaborã. Outra sociedade seria estabelecida para a comercialização do cargueiro militar KC-390, lançado neste ano, com participação de 51% da brasileira e 49% da Boeing.

A transação com a Boeing foi justificada pela Embraer como essencial para a sua sobrevivência. Nos últimos dez anos, a receita da brasileira cresceu, porém, uma série de mudanças no mercado global de aviação fez a empresa estudar uma guinada estratégica.

Uma parceria com a Boeing era discutida nos corredores da Embraer havia anos, de olho numa concentração crescente do mercado. Diversas empresas foram saindo do jogo, como a holandesa Fokker, que faliu em 1996. Na aviação comercial, a competição passou a se resumir a Embraer e Bombardier no segmento de jatos médios (de 50 a 150 lugares) e a Boeing e Airbus no de grandes aviões (com mais de 150 lugares). Entretanto, cada vez mais a Boeing e a Airbus convenciam as companhias aéreas regionais a comprar seus modelos menores, apelando para os sonhos de crescimento dessas empresas.

Em outubro de 2017, a Airbus anunciou a compra por 1 dólar da linha C Series de aviões de médio porte da Bombardier, que estava na corda bamba com a competição crescente. A Embraer, com margem em queda, não viu saída a não ser unir forças com a Boeing, com a qual mantinha parcerias comerciais havia muitos anos.

Enquanto um acordo era costurado, a Boeing desceu ao inferno das fabricantes de avião. Dois exemplares de um lançamento, o 737 Max, caíram na Indonésia e na Etiópia, matando todos os 346 passageiros a bordo. O regulador americano do setor proibiu a aeronave de voar. A Boeing começou a fazer testes com uma nova versão do 737 Max, segundo ela com as falhas corrigidas, mas não há previsão de quando vai voltar a voar. A pandemia do novo coronavírus acabou degringolando de vez as finanças da americana e fazendo-a abandonar a parceria com a Embraer.

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