César Galdino Filho, veterano e advogado: “A formação militar exige alto investimento público. Se esses profissionais não se recolocam, a sociedade desperdiça dinheiro e talentos qualificados” (Pekic/Getty Images)
Repórter
Publicado em 6 de março de 2025 às 07h56.
Última atualização em 6 de março de 2025 às 07h59.
A transição do serviço militar para o mercado de trabalho civil pode ser um desafio para muitos ex-militares, especialmente devido à falta de networking e ao desconhecimento dos recrutadores sobre as competências desenvolvidas dentro das Forças Armadas. Foi ao perceber essa lacuna que o ex-tenente do Exército, César Galdino Filho, criou a ação social Contrate Veteranos, que auxilia militares temporários a se recolocarem no mercado de trabalho após o período de serviço.
Galdino, mais conhecido como Tenente Galdino, nasceu em São Paulo e seguiu os passos do pai ao ingressar no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). "Para quem tem interesse e curiosidade, o alistamento aos 18 anos é a porta de entrada para o trabalho limitar. Quis aproveitar a oportunidade, mesmo sabendo que não queria seguir carreira no futuro".
O serviço militar temporário tem um limite de oito anos. Os militares precisam estar cientes de que, ao fim desse período, terão que buscar uma nova carreira no mercado civil, a menos que consigam ingressar na carreira militar de longo prazo por meio de concursos. O mercado civil foi o destino de Galdino. Durante sua trajetória no Exército, ele se especializou na área de logística e, paralelamente, cursou Direito na USP, e após o prazo máximo de oito anos nas Forças Armadas decidiu sair do Exército - mal sabia ele a dificuldade que enfrentaria para se recolocar no mercado de trabalho.
“Eu mandava muitos currículos, mas nada acontecia. A grande maioria dos recrutadores não nos conhece. Eles olham para um perfil militar e não sabem como traduzir essa experiência para o mundo corporativo”, conta Galdino.
Foi essa experiência que o motivou a criar a iniciativa Contrate Veteranos, que começou de maneira informal em 2013 e se tornou uma plataforma online de apoio à transição de militares para carreiras civis.
A principal ferramenta do programa é a plataforma Plano de Chamadas, um banco de dados onde ex-militares pode se cadastrar informando suas áreas de interesse e formação. Diferente de sites tradicionais de vagas, como InfoJobs e LinkedIn, a plataforma não apenas disponibiliza perfis para empresas, mas também oferece um suporte estratégico para os veteranos, conectando-os diretamente a recrutadores interessados no perfil militar.
“Eu faço a ponte direta entre o candidato e o recrutador. Vou até as empresas, explico quem são os militares, quais são suas competências e o que eles podem oferecer para o mercado. O que mais falta para esses profissionais não é capacitação, mas sim conexões estratégicas”, diz Galdino.
A iniciativa já impactou mais de 50 ex-militares, garantindo que eles encontrassem vagas compatíveis com suas habilidades. Além disso, o programa também estende seu suporte a familiares dos militares, ajudando cônjuges e parentes próximos a se recolocarem no mercado de trabalho.
Para quem deseja se qualificar, as Forças Armadas oferecem capacitações internas dentro da carreira militar, mas a graduação acadêmica é de responsabilidade do próprio militar. "Se ele quiser cursar uma faculdade, precisará arcar com os custos ou buscar alternativas como universidades públicas ou bolsas de estudo", afirma.
Os salários dos militares temporários, segundo Galdino, variam de acordo com a patente, que podem ser de um salário mínimo para o soldado até R$ 9 mil para um tenente.
"Ao deixar o Exército, muitos militares enfrentam também um downgrade salarial, porque os salários do setor privado podem ser mais baixos para funções equivalentes", diz Galdino. Ele mesmo saiu de um salário de R$ 6 mil no Exército para ganhar R$ 3 mil no mercado civil até conseguir estabilidade no serviço público.
O aumento da demanda por profissionais comprometidos e disciplinados fez com que grandes empresas brasileiras começassem a olhar para os veteranos como uma alternativa valiosa para preencher vagas operacionais e administrativas. JBS, Azul Linhas Aéreas e Suzano são algumas das empresas que já criaram programas internos para contratar militares.
“As empresas começaram a enxergar os veteranos como uma fonte de talentos com soft skills valiosas, como resiliência, pontualidade e espírito de equipe. Hoje, muitas empresas me pedem para indicar candidatos que tenham comprometimento e valores sólidos. Elas estão mais dispostas a treinar um bom profissional do que encontrar alguém pronto, sem essas características”, afirma Galdino.
Outro fator que impulsiona a ação social é a alta rotatividade no mercado de trabalho. Além disso, há um aspecto social relevante: os militares temporários são, em sua maioria, jovens de baixa renda, vindos de comunidades carentes, que encontram no serviço militar uma oportunidade de aprendizado e desenvolvimento.
As mulheres têm conquistado cada vez mais espaço nas Forças Armadas. Segundo Galdino, há mais de 20 anos elas já atuam no Exército, mas a presença feminina tem crescido significativamente nos últimos anos. "Em 2024, por exemplo, o alistamento voluntário para mulheres registrou mais de 21 mil inscrições, um marco importante para a inclusão de gênero na carreira militar", afirma.
Além disso, o perfil das mulheres militares tem chamado a atenção das empresas parceiras do Contrate Veteranos. Muitas recrutadoras enxergam nesse público uma oportunidade de promover diversidade e inclusão dentro de suas corporações, afirma Galdino. “Além de serem veteranas, muitas dessas mulheres são mães ou vieram de comunidades carentes. As empresas veem nelas não apenas a experiência militar, mas também um potencial para ocupar posições estratégicas e operacionais”.
Atualmente, cerca de 70 mil militares deixam as Forças Armadas todos os anos no Brasil. A maior parte dessas saídas ocorre entre janeiro e março, tornando esse o período de maior demanda pelo serviço prestado pelo Contrate Veteranos. Para preparar os ex-militares, Galdino realiza palestras dentro dos quartéis sobre currículos, LinkedIn e soft skills.
A busca por reconhecimento para esses profissionais também tem um viés econômico e social. “A formação militar não é barata. São anos de investimento público para treinar esses jovens. Se, ao saírem, eles não conseguirem se recolocar no mercado, isso representa um desperdício de recursos para a sociedade”, conta.
Segundo o Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União, o total de despesas destinadas para a defesa nacional é de R$ 73,21 bilhões.
César Galdino Filho palestrando para militares (César Galdino Filho/Divulgação)
Atualmente, Galdino mantém o projeto sem patrocínio oficial, dedicando seu tempo livre para fazer as conexões entre militares e empresas. Entretanto, ele busca apoio de empresas interessadas em contribuir com a expansão da iniciativa.
“O meu sonho é cadastrar anualmente esses 70 mil militares e conectá-los às empresas que precisam de profissionais qualificados. Mas, para isso, eu preciso de apoio para ampliar a estrutura e a divulgação”, afirma.
Com a crescente adesão de empresas ao programa, o objetivo de fortalecer a inclusão de veteranos no mercado parece cada vez mais próximo. Afinal, como Galdino bem resume: “As empresas só precisam conhecer melhor esses profissionais para perceberem o valor que eles trazem”.