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Melhores cidades têm um emaranhado de prédios pequenos

Na visão do arquiteto americano Donald Bates, a preferência por  edifícios de até oito andares pode tornar as cidades mais eficientes

Donald Bates, diretor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Melbourne, na Austrália (Divulgação/Exame)

Donald Bates, diretor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Melbourne, na Austrália (Divulgação/Exame)

LB

Leo Branco

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 05h59.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 05h59.

São Paulo – O arquiteto americano Donald Bates, diretor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Melbourne, na Austrália, é uma das maiores autoridades em planejamento urbano do mundo. Ao lado do renomado arquiteto Daniel Libeskind, Bates foi um dos autores do Museu Judaico de Berlim, inaugurado em 2001 e hoje um dos pontos de referência da cidade — de lá para cá, os mais de 11 milhões de visitantes do museu contribuíram para revitalizar a região de Kreuzberg, então uma área degradada da capital alemã.

Depois de morar em seis cidades, Bates é enfático: “O modelo mais eficiente de urbanização tem poucos arranha-céus e um emaranhado de prédios de até oito andares”. Para ele, esse tipo de mancha urbana é mais adequado na prestação de serviços e oferece melhores resultados econômicos. E é o modelo que sugere a Melbourne, cidade que deve quase dobrar a população até 2051. Bates deu a entrevista a seguir em seu escritório na universidade local.

EXAME – Qual é o modelo mais eficiente de planejamento urbano?

Donald Bates – Já morei em seis cidades [Londres, Paris, Milão, Houston, Nova York e Melbourne] e há algo interessante sobre o zoneamento de Paris: há poucos arranha-céus e um emaranhado de prédios de até oito andares. O zoneamento de prédios baixos permite que muita gente more numa cidade sem que ela se espalhe. Isso cria a possibilidade de uma pessoa encontrar todo tipo de utilidade a pé, em 20 minutos, e 24 horas por dia. É mais eficiente. E é o tipo de consolidação que vejo como o futuro das cidades.

EXAME – Qual o benefício econômico desse modelo?

Donald Bates – Ele faz sentido do ponto de vista econômico. O preço de uma casa não é só o que se paga pelo terreno e pela construção do imóvel. Ele inclui os serviços que precisam ser prestados a quem for morar naquele local ao longo do tempo, como postos de saúde, escolas, transporte e restaurantes.

EXAME – A tecnologia ajuda no planejamento urbano?

Donald Bates – Os dados gerados pelos cidadãos nas redes sociais ajudam a entender uma cidade de maneira completa. É possível relacionar, por exemplo, a quantidade de restaurantes fast-food de uma região com o nível de obesidade e traçar políticas públicas. O planejamento urbano era feito por diversas fontes sem cruzamento. O resultado era um planejamento por partes: uma hora se pensa na habitação; em outra, na saúde.

EXAME – O senhor vive em Melbourne. Qual é o maior desafio da cidade?

Donald Bates – Dispor de residências para uma população crescente. Algumas pessoas defendem ampliar as fronteiras, para onde será possível construir casas de baixo custo em terras mais baratas. Mas isso vai implicar mais gastos no longo prazo com transporte público, postos de saúde e escolas. A receita é permitir um adensamento maior em regiões onde já exista essa estrutura de serviços montada.

EXAME – Como foi o planejamento da cidade?

Donald Bates – Os bairros criados nos anos 50 e 60 foram abertos nos corredores de transporte público. As pessoas estavam a uma distância a pé de uma linha de trem, bonde ou ônibus. Mas, devido ao uso do carro, começou a construção de bairros mais distantes. Hoje, no entanto, vemos cada vez mais pessoas mudando para o centro. O número de pessoas no centro cresceu de 1.000, em 1997, para 38 000, neste ano. Por isso, cada vez mais pessoas estão usando o transporte público.

EXAME – Muitas cidades mundo afora tentam revitalizar as regiões centrais. Como Melbourne conseguiu isso?

Donald Bates – Na década de 90, Melbourne foi a primeira cidade a permitir que bares pequenos funcionassem até 1 hora da manhã. Pequenos negócios foram liberados para utilizar espaços abandonados por grandes empresas. Isso possibilitou que as pessoas voltassem à noite para curtir o centro. E, assim, o transporte público ficou mais eficiente, porque as pessoas começaram a usá-lo o dia inteiro, gerando novas receitas. O fluxo de pessoas deixou as ruas mais seguras e trouxe novos moradores. Ao contrário de cidades como Houston ou Los Angeles, em que há uma descentralização dos negócios conectados por autoestradas, em Melbourne, eles querem ficar no centro.

EXAME – Como o setor privado participou do planejamento da cidade?

Donald Bates – Foram feitas parcerias para construir equipamentos esportivos e culturais — tradicionalmente, elas são feitas em projetos de infraestrutura, como o teatro de Melbourne ou a Arena de Críquete. Os projetos tornaram a cidade um polo de eventos de porte mundial. Foi uma postura bastante proativa do governo local com a iniciativa privada para mudar a economia da cidade. Esse tipo de política pública resistiu às mudanças de grupo político no poder local — os partidos Liberal e Trabalhista levaram adiante a agenda. O consenso foi importante para a cidade.

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