Revista Exame

“Nós, da Procter&Gamble, chegamos atrasados”

Sob o comando de Bob McDonald, a P&G tenta recuperar o tempo perdido nos mercados emergentes­ — e cria estratégias para vender em países como o Brasil

Bob McDonald, presidente mundial da Procter&Gamble (Germano Lüders/EXAME.com)

Bob McDonald, presidente mundial da Procter&Gamble (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2011 às 20h22.

Nos anos 70, o americano Bob McDonald, então um jovem militar do exército americano, teve de salvar a própria pele num treinamento de paraquedas. Durante o salto, um colega acidentalmente se posicionou abaixo dele, bloqueando o fluxo de ar e impedindo a abertura de seu equipamento.

Para se safar, McDonald teve de fazer uma ma­nobra arriscada, agarrando-se às cordas do paraquedas do vizinho e pousando praticamente “na carona” do amigo.

Passadas quase três décadas — e guardadas todas as devidas proporções —, McDonald tem usado o mesmo sangue-frio para lidar com as adversidades ­desde que assumiu, em julho de 2009, o comando mundial da Procter&Gamble, maior empresa de bens de consumo do mundo, com um faturamento de 79 bilhões de dólares.

Quase metade das receitas da companhia vem dos Estados Unidos, país ainda afetado pela crise — enquanto emergentes como China, Brasil e Índia representam hoje cerca de 35% de seus negócios. Para concorrentes como a Unilever, essa participação já é de cerca de 50%.

“Nosso centro de gravidade precisa mudar”, afirmou McDonald, em entrevista exclusiva a EXAME, realizada durante uma visita de menos de 24 horas ao Brasil em meados de março.

A operação brasileira da P&G simboliza esse esforço de que fala o executivo. Em 2010, a subsidiária praticamente triplicou os investimentos em publicidade — posicionando-se, pela primeira vez, entre os dez maiores anunciantes do país — e, após um hiato de mais de uma década, lançou três novas marcas no mercado brasileiro. A seguir, os principais trechos da entrevista.

EXAME - Assim que se tornou presidente da Procter&Gamble, o senhor definiu como meta conquistar 1 bilhão de novos consumidores até 2015. Quantos já conseguiu?

Bob McDonald - Em 2009, tínhamos 3,8 bilhões de consumidores de produtos P&G no mundo. Hoje, temos 4,2 bilhões, e até 2015 queremos chegar a 5 bilhões. 


EXAME - Qual o papel do Brasil nessa estratégia?

Bob McDonald - Queremos atingir a totalidade da população. Hoje estimamos que já vendemos para 135 milhões de pessoas no país. Acredito que, em breve, o Brasil será um de nossos cinco principais mercados (hoje ocupa a 12ª posição).

EXAME - Como o senhor pretende fazer isso?

Bob McDonald - Competimos em 38 categorias de produtos globalmente. No Brasil, porém, estamos em apenas 14 delas. Só no ano passado, estreamos em duas novas — absorventes e cosméticos. Temos planos de entrar em várias outras e chegar ao ponto em que o brasileiro gaste 20 dólares por ano em produtos da P&G — hoje, esse valor é de 10 dólares. Nos Estados Unidos, nosso mercado mais desenvolvido, o gasto anual é de 90 dólares. Além de ampliar o portfólio, vamos estender nosso alcance pelo país. Isso não significa apenas ir mais fundo na distribuição, entrando em mais lojas, mas também criar formas alternativas de entregar nossos produtos. Estamos estudando trazer para o Brasil um projeto criado na Ásia que transforma consumidores em subdistribuidores em áreas rurais. Queremos fazer a economia girar em localidades remotas.

EXAME - Para chegar a mais consumidores, a P&G terá de abrir mão de seu posicionamento de marca histórico, que sempre se baseou num portfólio com produtos mais caros. Como fazer isso?

Bob McDonald - Não podemos simplesmente trazer todos os produtos americanos para o Brasil e achar que serão atraentes para os consumidores de baixa renda. Precisamos descobrir o que eles realmente querem. Parte da estratégia de “atingir mais vidas em mais partes do mundo” definida por nós inclui levar a esses consumidores marcas de diferentes faixas de preço. Queremos ter um port­fólio completo. Também devemos estender a outros países algo que já fa­zemos na Ásia: oferecer um produto premium, como o xampu Pantene, em pequenos sachês. Com isso, mais gente poderá comprá-lo.

EXAME - Esse é um exemplo de adaptação de um portfólio já existente. Os consumidores de mercados emergentes não precisam de produtos específicos?

Bob McDonald - Sim. Estamos desenvolvendo em países como China e Brasil um projeto para os chamados “consumidores de 2 dólares por dia”. Temos um time de pesquisadores olhando exclusivamente para os hábitos das pessoas com baixíssima renda, visitando suas casas em bairros e municípios remotos do mundo inteiro. Desse trabalho, vão surgir novos produtos, não apenas adaptações. Muito em breve os resultados poderão ser notados.


EXAME - A subsidiária brasileira da P&G foi criada em 1988. Competidores diretos, como a Unilever, chegaram pelo menos 50 anos antes. Isso é uma desvantagem para vocês?

Bob McDonald - De fato, chegamos quando o Brasil já era um mercado relevante para muitos de nossos competidores. Largamos atrás nessa corrida. Mas isso também nos trouxe vantagens. A principal delas é que podemos construir uma infraestrutura para nosso negócio que é mais atual do que as criadas por nossos concorrentes. Além disso, investimos aproximadamente 2 bilhões de dólares por ano em pesquisa e desenvolvimento e outros 2 bilhões de dólares em pesquisas com consumidores. Nossos principais competidores gastam metade disso. O objetivo desse esforço é encontrar formas de inovar, de levar a nossos consumidores o que eles precisam. Se você já tem um negócio estabelecido num país, é muito difícil mudá-lo. Nesse sentido, estar atrasado pode até se tornar uma vantagem.

EXAME - Como tornar uma empresa relativamente jovem no país — caso da Procter&Gamble — mais conhecida?

Bob McDonald - Cada vez mais os consumidores querem conhecer a empresa por trás da marca que compram, seus propósitos, seus valores. Essa é uma das razões pelas quais, no início de 2010, começamos a divulgar a P&G como marca corporativa. Foi por isso também que decidimos nos tornar patrocinadores da Olimpíada. Com esse patrocínio, acredito que mais e mais pessoas no mundo vão se familiarizar com nossa companhia. No Brasil, patrocinaremos todos os atletas da equipe olímpica brasileira.

EXAME - O que o senhor já aprendeu sobre os hábitos de consumo dos brasileiros?

Aprendi que as mulheres brasileiras são apaixonadas por beleza. Fui à casa de algumas delas e fiquei surpreso com a quantidade de produtos em seus banheiros. É quase como uma loja! Não é à toa que o Brasil é o maior mercado de condicionador de cabelo no mundo. As brasileiras querem experimentar tudo que é novidade. Outra coisa que aprendi é que o consumidor brasileiro está se tornando cada vez mais exigente. Precisamos acompanhar essa demanda.

EXAME - De acordo com seus planos, como a P&G será daqui a cinco anos?

Bob McDonald - O centro de gravidade de nossa companhia está mudando. Com isso, quero dizer que, cada vez mais, nosso negócio será feito em mercados em desenvolvimento. Quando entrei na P&G, em 1980, apenas 35% de nossos negócios estavam fora dos Estados Unidos. Atualmente, esse percentual é de 60%. Há poucos anos, apenas 20% de nossa receita vinha de países em desenvolvimento. Hoje, essa participação é de 35%. Esse é um movimento que vai continuar.


EXAME - O senhor já reduziu de sete para cinco o número de níveis hierárquicos na estrutura da matriz desde que assumiu. Qual o objetivo dessa mudança?

Bob McDonald - Estamos trabalhando para simplificar e digitalizar a companhia. Na minha mesa, não tenho nenhum papel, apenas meu computador. Queremos tomar as decisões de negócios o mais rápido possível e tocar a empresa em tempo real, porque isso é uma vantagem competitiva no mundo de hoje, que eu descrevo como “vuca” (na sigla em inglês): “v” de volúvel, “u” de incerto (uncertain), “c” de complexo e “a” de ambíguo. Nessa realidade, você precisa ser capaz de reagir muito rapidamente às mudanças.

EXAME - Como sua experiência no Exército e os estudos na academia militar de West Point influenciam seu estilo de liderança?

Bob McDonald - No Exército, você aprende muito rapidamente que não pode fazer nada sozinho. E que, por isso, precisa confiar nas pessoas. Muitas vezes, minha vida dependeu da vida de outra pessoa, e a vida de outra pessoa dependeu de mim. Uso o episódio em que precisei me desfazer de meu paraquedas, em pleno salto, para lembrar às pessoas na P&G de que não devemos nos deixar abater pelas más notícias. Como fazer isso? Lembrando sempre as situações mais dramáticas ou perigosas que você já passou na vida. Você verá que a notícia de hoje não é tão ruim assim.

EXAME - À frente de uma companhia com operações em 80 países diferentes, como é sua rotina?

Bob McDonald - Viajo 70% de meu tempo. Acordo por volta das 4 e meia da manhã, me exercito por algumas horas e vou para o escritório. Às 7h15 já estou na minha mesa. Trabalho o dia todo e geralmente vou para casa tarde. Quando viajo, faço dos hotéis e dos aviões uma extensão do escritório. Amanhã mesmo, no voo entre o Brasil e o México, meu próximo destino, farei a reunião anual de revisão estratégica para a América Latina. Ninguém me deixa descansar.

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