Abilio Diniz: “Eu quero ser hoje melhor do que eu era ontem" (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 18 de fevereiro de 2024 às 21h46.
Última atualização em 19 de fevereiro de 2024 às 15h45.
“Eu quero ser hoje melhor do que eu era ontem e amanhã vou querer ser melhor do que sou hoje. Isso requer aprendizado contínuo, uma forma de a gente consiga caminhar em direção ao maior objetivo da vida, que é ser feliz”. A frase foi dita por Abilio Diniz em uma de suas últimas entrevistas à EXAME, há cerca de dois anos, e serve como um guia para entender a mente de um dos empresários mais admirados do Brasil.
Abilio morreu neste domingo, 18, em decorrência de uma insuficiência respiratória por pneumonite. O empresário estava hospitalizado há algumas semanas. Ele começou a passar mal em Aspen e teve de voltar às pressas ao Brasil num avião com uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
“O empresário deixa cinco filhos, esposa, netos e bisnetos, e irá ao encontro do seu filho João Paulo, falecido em 2022. Desde já, a família agradece a todas as mensagens de apoio e carinho”, diz a nota enviada pela família.
Abilio não fazia parte do showbiz da forma tradicional, mas se tornou uma celebridade ao misturar a própria trajetória de vida com a história do varejo no Brasil. Da primeira loja do Pão de Açúcar à Península Investimentos — sem jamais se afastar do setor que ajudou a consolidar —, o empresário construiu uma das maiores fortunas do país aos olhos do público nacional. Com uma fortuna de US$ 2 bilhões, segundo a Forbes, Abilio ocupava o 1526º lugar no ranking mundial.
Abilio Diniz nasceu em 28 de dezembro de 1936. O primeiro dos seis filhos de Floripes Pires e de Valentim Diniz. Se formou em 1956 pela Escola de Administração de Empresas da FGV e, ao terminar a graduação, aceitou a proposta de seu pai para começar a trabalhar em um novo empreendimento da família, o Supermercado Pão de Açúcar.
Antes disso, Valentim havia fundado a Doceria Pão de Açúcar, inaugurada em 1948 e na qual Abilio havia trabalhado desde menino. Por isso, principalmente, Abilio recusava o título de fundador do Pão de Açúcar, sem jamais tirar de si o mérito da expansão do grupo. No fim dos anos 1950, nascia a primeira loja do mercado, na Av. Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo.
Não foi uma decisão tomada de bate-pronto. Depois de se formar em administração, Abilio queria fazer uma pós-graduação em Michigan e ser professor. Tocar a padaria de seu pai era pouco perto de suas ambições. Então, o pai apresentou-lhe as redes Peg-Pag e Sirva-se, primeiros supermercados do país — algo que conquistou Abilio de cara. “Aquilo virou minha cabeça. Percebi que daquele jeito seria possível fazer uma empresa grande”, disse.
Logo no começo, o apetite para o pioneirismo já havia ficado claro. Nos anos 1960 e 1970, o Pão de Açúcar acumulou uma série de “primeiras vezes”. Foi a primeira rede do setor a ter uma loja em Shopping Center, a ter uma farmácia dentro do estabelecimento e a funcionar 24 horas.
Também nesse período, Abilio trouxe para o Brasil o conceito de hipermercados por meio da bandeira Jumbo, um empreendimento que copiava o modelo do Carrefour, cuja ideia veio depois de uma viagem do empresário à Europa de olho em tendências do setor. Depois disso, adquiriu ainda as duas pioneiras Peg-Pag e Sirva-se.
Todos os avanços vêm recheados de desafios e, para Abilio, uma boa parte deles parece ter se concentrado nos anos 1980. Nessa década, se afastou dos negócios por desentendimentos familiares, regressando perto dos anos 1990, tendo de reerguer o negócio depois do Plano Collor. Foi nessa época que surgiu o mantra “corte, concentre e simplifique”, de olho em recuperar os negócios.
Na época, Abilio cortou dezenas de diretores. O número de funcionários caiu de 45 mil em 1990 para 17 mil em 1991. A frota de carros, benefício dos executivos, foi vendida. O número de lojas foi de 626 para 262.
“Sofri muito com a empresa familiar. Há sempre uma tendência de misturar os assuntos corporativos com os de casa, o que atrapalha o andamento da companhia”, afirmou à EXAME em 2011. A relação ficou estremecida principalmente depois que o pai de Abilio, Valentim, dividiu o grupo Pão de Açúcar e deixou a maior parte das ações com o filho.
Na mesma década, também acontecia um evento que marcaria a vida de Abilio para sempre. Em 1989, no meio das dificuldades pelas quais o negócio passava, o executivo foi sequestrado e passou seis dias em um cativeiro na zona sul da capital paulista.
O executivo já tinha certa visibilidade na mídia, mas por lutar artes marciais e por saber atirar, julgava que estava protegido. “Ele se sentia humilhado, amedrontado e furioso por não ter sido capaz de se defender”, conta a autora Cristiane Correa no livro Abilio: Determinado, ambicioso, polêmico. Depois de 36 horas de negociação, o empresário foi libertado. Tomou banho, dormiu com a ajuda de remédios e foi trabalhar no dia seguinte.
Em 1995, Abilio foi peça fundamental para a abertura de capital do Grupo Pão de Açúcar e, em 1997, passou a negociar as ações da empresa em Nova York, marcando mais uma vez a trajetória de pioneirismo. Foi a primeira empresa de controle 100% nacional a fazer uma emissão global de ações.
Os anos seguintes foram marcados pelo crescimento vertiginoso da companhia e pelo apetite de Abilio por aquisições. Sem esquecer de seu jeito intempestivo. Em 2006, o executivo negociou a compra do Atacadão, rede de atacarejo voltada às classes C e D. Mesmo com o faturamento na casa do bilhão, a diretoria do GPA não aprovou — e ele comprou pouco tempo depois a rede Assaí.
Ainda no apetite por consolidação, três anos depois, Abilio comprou a Casas Bahia e o Ponto Frio, formando a maior rede de eletroeletrônicos do Brasil. A aquisição foi feita em bons termos, mas a família Klein se arrependeu do contrato, numa briga que só acabou quando Abilio saiu da empresa.
Na década de 2010, Abilio travou uma das maiores batalhas de sua vida: a tomada do poder do Pão de Açúcar pelo grupo francês Casino. Emocionalmente e financeiramente: a briga custou cerca de R$ 500 milhões aos sócios, segundo o livro Abilio: Determinado, ambicioso, polêmico, da autora Cristiane Correa.
A relação entre Casino e Diniz começou em 1999, quando o grupo comprou 24,5% do Pão de Açúcar por US$ 854 milhões. A entrada dos recursos veio por uma necessidade de injeção de capital na companhia, levantada por Abilio (antes do Casino, a Galeazzi já havia sido uma fonte de recursos).
Em 2005, o grupo francês aumentou sua participação na empresa brasileira e firmou um contrato que previa que Abilio deveria deixar o controle total em 2012. O empresário brasileiro se arrependeu, na data, mesmo já com mais de 70 anos, e tentou costurar uma fusão de três: Carrefour, Casino e Pão de Açúcar. A tentativa falhou – e foi interpretada como uma forma de Abilio tentar descumprir o acordo. Além disso, Abilio chegou a propor a troca de ações do Pão de Açúcar para ações da Rallye, controladora do Casino, o que também não foi aceito.
Do lado do Casino, o principal argumento era o contrato assinado e, do lado de Abilio, o ponto principal era a necessidade de crescimento do GPA que contrastava com o endividamento do grupo francês. O imbróglio jurídico se arrastou até 2013, quando um mediador de conflitos internacionais interveio e, enfim, o Casino tomou o controle do negócio.
Por todos os anos seguintes, Abilio manteve o portfólio de lojas que havia comprado na pessoa física, em aluguéis que foram pagos até hoje. Com o poder tomado pelo Casino — e sua fortuna transformada em liquidez —, o executivo se dedicou cada vez mais à Península Participações, veículo de investimentos da família, e à participação no conselho de diferentes empresas.
Desde quando o grupo francês assumiu, Abilio fez uma série de previsões que se mostraram verdadeiras. Há mais de dez anos, já chamava a atenção do empresário o nível de endividamento da holding de Jean Charles Naouri, bem como o apetite do Casino por desmantelar o Grupo Pão de Açúcar. Ao longo do tempo, diferentes negócios foram realmente vendidos, com o último exemplo mais recente sendo a venda da rede colombiana de supermercados Éxito.
Desde que a briga com o Casino foi encerrada, Abilio mostrou vigor de sobra para lidar com os negócios e com a vida em geral. Se havia alguém capaz de viver a máxima de “um corpo são é uma mente sã” esse alguém era Abilio Diniz.
O gosto pela atividade física começou aos 11 anos, quando começou a praticar defesa pessoal para se livrar de colegas que o julgavam impopular. Na adolescência, aprendeu judô, boxe e capoeira, sem esquecer da musculação e do futebol. Em uma matéria publicada pela EXAME há quase dez anos, o empresário mostrava que conseguia correr para trás em uma esteira, no escuro, aos 77 anos de idade.
“Tenho de acreditar que sou eterno”, afirmou Diniz, na época. “Mesmo com certo declínio em termos físicos – um pouco menos de força, um pouco menos de tonicidade muscular –, estou ganhando muito em termos de experiência. Estou obtendo a sabedoria da idade sem os problemas do envelhecimento”.
Com vigor de sobra, Abilio, desde que saiu do GPA, iniciou uma série de novas empreitadas profissionais. Uma delas foi a BRF, empresa de que se tornou investidor e conselheiro. Além disso, investiu tempo e dinheiro na Península Participações e, por fim, chegou ao Carrefour – fincando os pés no varejo novamente. “Agora, lugar de gente feliz é aqui”, afirmou, em 2014. Em 2017, o veículo de investimento do empresário aumentou a participação no Carrefour Brasil para 12%, podendo chegar ao limite de 16%, além de conseguir uma participação na matriz da empresa.
Na década seguinte, mais desafios pessoais. Em 2022, Abilio perdeu um de seus seis filhos, João Paulo Diniz, que morreu em decorrência de um infarto.
“Eu nunca pensei que pudesse existir uma dor tão grande e terrível na vida como essa que estou sentindo. Mas, na medida em que os dias vão passando, eu vou ficando em paz. Eu sempre digo que a minha maior força é a fé que tenho em Deus. E isso não mudou”, escreveu Abilio poucos dias depois da morte do filho.
Abilio permaneceu sendo uma personalidade midiática. Além de manter um blog sobre esportes no portal UOL, foi contratado em 2022 para comandar o programa de entrevistas Olhares Brasileiros, na CNN Brasil.
Abilio deixa cinco filhos: Ana Maria, Adriana e Pedro Paulo, do primeiro casamento com Maria Auriluce Falleiros, e Rafaela e Miguel, do segundo casamento com a economista Geyze Marchesi.