Fábrica da Embraer em São José dos Campos: operações de aviões comerciais, jatos executivos e militares haviam sido separadas como parte do acordo com a Boeing (Germano Luders/Exame)
Denyse Godoy
Publicado em 27 de abril de 2020 às 09h22.
Última atualização em 27 de abril de 2020 às 15h33.
Após a frustração da parceria com a americana Boeing na unidade de jatos comerciais, um acordo que foi encerrado no sábado, a fabricante brasileira de aeronaves Embraer está adotando uma estratégia pragmática para conseguir seguir sozinha em um mercado muito prejudicado pela pandemia do novo coronavírus. Mas vai cobrar da Boeing os prejuízos decorrentes do que, na sua opinião, é uma indevida quebra de contrato: acabou de anunciar que já iniciou um processo de arbitragem contra sua parceria de longa data em outras empreitadas.
A maior exportadora brasileira de tecnologia está renegociando contratos com fornecedores e tem acordos com os sindicatos de trabalhadores sobre corte de jornada e salários para economizar 1 bilhão de dólares neste ano. O objetivo é preservar o caixa durante a tormenta. A Embraer já gastou 485 milhões de reais com a separação do negócio de jatos regionais das outras unidades, a de jatos executivos e a militar, e deveria receber 4,2 bilhões de dólares da Boeing neste momento com a esperada concretização da transação, que foi anunciada em julho de 2018.
Para o negócios de jatos comerciais, as perspectivas são boas, na visão da Embraer. "A maior parcela das nossas vendas é para substituição de aeronaves antigas, e não crescimento de linhas. Acreditamos que esse movimento vai continuar ocorrendo quando as companhias aéreas retomarem suas atividades, e com mais foco em rotas domésticas", disse Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer, em teleconferência com analistas do mercado financeiro nesta segunda-feira, 27.
Boeing em risco
A desistência do negócio com a Embraer pela Boeing está sendo encarada como um péssimo sinal a respeito do futuro das finanças da companhia americana. Quando colocados todas juntas, as informações são, de fato, preocupantes.
O fato de a Boeing ter alegado que a Embraer não cumpriu com todas as condições precedentes para finalização do acordo faz com que a empresa brasileira não tenha direito a nenhuma compensação pela desistência. A Boeing, por sua vez, não informou quais seriam as condições descumpridas e a Embraer, já no fim de semana, acusou a empresa americana de fabricar falsas alegações para poder desistir da transação, que lhe custaria uma saída imediata de caixa de 4,2 bilhões de dólares.
No ano passado, a receita líquida da Boeing recuou 24%, para 76,6 bilhões de dólares. Mas o número que mais chamou atenção foi a geração de fluxo de caixa da empresa, que ficou negativa em 2,4 bilhões de dólares, ante 15,3 bilhões de dólares positivos em 2018. Ou seja, no ano passado, a Boeing, além de não produzir mais recursos, consumiu parte do que tinha. A variação, para menor, de um ano para o outro foi de nada menos do que 18 bilhões de dólares. Sem gerar dinheiro novo, a companhia encerrou dezembro com 10 bilhões de dólares em caixa, para uma dívida de 25 bilhões de dólares.
Para onde quer que se olhe, a explicação para todo estrago no balanço tem uma só resposta: 737 Max. A tragédia com os vôos da Lion Air e da Ethiopian Airlines, que levou embora a vida de 364 pessoas, está no começo e no fim das explicações sobre o fato de o ano passado ter sido tão ruim – e as previsões para este ano também serem. A pandemia com o coronavírus veio apenas tornar tudo mais evidente e gritante.
Ao divulgar o balanço de 2019, recentemente, a Boeing afirmou que estimava custos adicionais de produção para este de 4 bilhões de dólares em razão dos problemas. A crise do Max tornou-se nada menos do que o item N° 1 dos fatores de risco da companhia. Ao tratar desse tema, a Boeing afirma que já é alvo de cobranças e queixas relacionadas ao atraso nas entregas e paralisação dos modelos de 8,3 bilhões de dólares pelas empresas aéreas, valor líquido da cobertura de seguro de 500 milhões de dólares.
A empresa divulgará o balanço do primeiro trimestre na próxima quarta-feira. Os números são ansiosamente aguardados. A cada atualização de cenário, os analistas ampliam as estimativas de perdas com o Max. Agora, a desistência da operação com a Embraer, cuja conclusão dispararia a obrigação de pagamento de 4,2 bilhões de dólares à empresa brasileira, acendeu a luz amarela sobre as finanças da gigante americana. Já estava claro que o problema era grande. Contudo, com a inimaginável pandemia do coronavírus, a tragédia ganha uma nova dimensão.