Congresso Nacional, em Brasília (Leandro Fonseca/Exame)
Colunista
Publicado em 24 de outubro de 2025 às 11h22.
Última atualização em 24 de outubro de 2025 às 11h29.
Quem se recorda do primeiro semestre deste ano, iniciado duramente para o governo — com popularidade em baixa após o pacote fiscal frustrado de dezembro anterior, o episódio Pix, o escândalo no INSS e as incertezas sobre o cumprimento das regras fiscais? Naquele momento, o orçamento de 2026 ainda era uma incógnita, e o clima era de fim de festa para a gestão Lula. Chegou-se até a cogitar que o presidente sequer tentaria a reeleição.
Corta para o final de junho. Após a derrota com a derrubada do decreto do IOF, o governo ensaia uma virada com o discurso da “justiça tributária”. Enquadra o Congresso como defensor dos “ricos contra pobres”, retoma o aumento do imposto em acordo mediado pelo Supremo, aprova a MP do Fundo Social — com a autorização para o leilão de óleo da União — e combina com os parlamentares duas medidas adicionais para aumento da arrecadação: a MP 1303, que elevava a tributação de títulos isentos, bets, fintechs e Juros sobre Capital Próprio (JCP), além de cortes de despesas, e o PLP 182, de redução linear dos benefícios tributários. Com isso, o orçamento de 2026 parecia virtualmente resolvido — e tinha início a guinada positiva na avaliação do governo.
A maré favorável para Lula prosseguiu. O tarifaço de Donald Trump — mais por erro da oposição do que acerto do Planalto — foi capitalizado com o discurso da defesa da soberania nacional, acentuando a rejeição a Bolsonaro e seus familiares. O governo surfou ainda na onda contra o aumento do número de deputados, a Anistia e a PEC das Prerrogativas, temas que geraram forte desgaste para a direita e o centrão. Como pano de fundo, já contava com um cenário macroeconômico relativamente confortável.
Apesar da Selic alta, a economia crescia, o desemprego seguia na mínima histórica, a renda, na máxima, e a inflação de alimentos, sob controle. O resultado se refletiu nas pesquisas: a aprovação do governo subiu, igualando-se à reprovação, e Lula apareceu vencendo seus adversários nas simulações eleitorais.
Nesse contexto, o presidente da Câmara, Hugo Motta — filiado ao mesmo partido que Tarcisio de Freitas —, percebeu a vantagem de se aproximar do governo. Apoiou e comemorou a aprovação da proposta de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, uma das principais apostas de campanha de Lula, e passou a atuar como aliado. Até que… a maré positiva foi interrompida pela derrubada da MP 1303, peça central para o equilíbrio fiscal de 2026.
De uma só vez, o governo perdeu cerca de R$ 30 bilhões em receitas — R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 20 bilhões em 2026 — além de R$ 15 bilhões no limite de despesas.
Uma sequência de erros, como a insistência em pautar vários temas polêmicos simultaneamente e um certo ar de vitória antecipada, culminou no revés, impulsionado por um empurrão da oposição, liderada por Tarcisio de Freitas. Somado a isso, acentuaram-se as dificuldades para avançar com o projeto de corte de benefícios tributários, com o qual se espera arrecadar R$ 20 bilhões extras no próximo ano.
Assim, o problema do orçamento em pleno ano eleitoral, que o Planalto acreditava estar equacionado, voltou a bater à porta com força.
A pressão do TCU para que o centro da meta de resultado primário seja perseguido — e não o limite inferior — agravou o desafio. Nesses menos de dois meses até o fim do ano legislativo, a batalha será para recompor as perdas com novas receitas, retomar o espaço no limite de despesas que seria assegurado na MP 1303 e tentar reverter a interpretação do TCU, evitando um contingenciamento de R$ 30 bilhões ainda em 2025 e uma execução orçamentária mais apertada em 2026.
A estratégia do governo será desmembrar as propostas antes reunidas na MP 1303 e espalhá-las em outros projetos. Algumas podem até pegar carona em temas que não guardam relação entre si, como a inclusão da limitação do uso de créditos de Pis/Cofins no projeto que endurece penas para adulteração de bebidas. Esse dispositivo, um dos pontos menos controversos da MP, seria responsável por toda a arrecadação prevista com a medida neste ano e metade do total para 2026.
Paralelamente, o governo deve dobrar a aposta na retórica política com o envio de uma proposta de taxação “BBBs” — bets, bancos e bilionários —, slogan já explorado à época da discussão do IOF e que será reciclado para turbinar a militância nesse fim de ano. Mesmo sem pretensões concretas de aprovação, vale o reforço da narrativa que tem rendido dividendos políticos para Lula. Se, ao final do processo, faltar dinheiro para fechar a PLOA, a cama estará feita para a edição de novos decretos com aumento de impostos regulatórios que afetem apenas o “andar de cima”, como o próprio IOF ou o Imposto sobre Importações (mas não sobre as blusinhas, que inclusive pode ser revisto!).
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Planalto já começou a usar seus instrumentos de pressão sobre o Congresso. Desde a derrubada da MP, foram registradas diversas exonerações de aliados de parlamentares que votaram contra o governo. As negociações por cargos e pelo fluxo de pagamento das emendas estão a todo vapor. Ao mesmo tempo em que tenta flexibilizar a posição do TCU — seja por meio de mudança na LDO, seja, em último caso, com recurso ao Supremo —, a equipe econômica concentra esforços na aprovação das medidas necessárias para sustentar o orçamento.
Apesar do clima tensionado, a ausência de uma candidatura competitiva claramente colocada contra Lula até o momento e a melhora na sua popularidade podem, mais uma vez, levar a base não alinhada ideologicamente a acabar entregando o necessário para que o governo consiga fechar as contas. Sob o risco de ficar sem emendas em ano eleitoral, é possível que o Congresso faça este último esforço. E ainda que não se alcance toda a arrecadação prevista na MP 1303, a expectativa é de recomposição suficiente para evitar mudanças nas metas fiscais e garantir a Lula uma travessia orçamentária menos turbulenta durante sua tentativa de reeleição.