Cotas na pós-graduação e adoção de políticas públicas
Entenda o fenômeno na adoção de cotas em programas de pós-graduação de universidades pública
Da Redação
Publicado em 8 de março de 2023 às 08h30.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Maria Aparecida Chagas Ferreira*, Tatiana Dias Silva** e Marcelo Marchesini***
A criação de novas políticas públicas não é fruto somente de dirigentes de organizações públicas. A literatura em gestão pública aponta como burocratas e outros atores sociais podem assumir o papel de empreendedores de políticas públicas, colaborando para novas ações governamentais ou revisão de políticas vigentes.
Em recente pesquisa, verificamos esse fenômeno na adoção de cotas em programas de pós-graduação de universidades públicas. As primeiras experiências de processos seletivos em mestrados e doutorados com cotas ocorreram a partir da ação de alguns docentes e discentes que se engajaram nessa pauta e conseguiram convencer seus pares. Na análise empreendida, entre os oitenta respondentes do questionário enviado aos programas de pós-graduação (PPG) de universidades públicas que possuem cotas, mais de um quarto reportam a adoção da ação afirmativa como iniciativa do próprio PPG, seguido de outras motivações, como apoio discente e apoio do corpo docente a essa política. A pesquisa, aprofundada no caso da Universidade de Brasília e complementada com dados de outras universidades, aponta ainda que há um espaço para o isomorfismo entre os programas. Ou seja, depois que os primeiros processos seletivos com cotas ocorreram, outros programas copiaram a prática.
Na nossa pesquisa, os dados não são conclusivos sobre a atuação de uma burocracia representativa na promoção da temática. A hipótese aqui seria de que programas de pós-graduação com maior percentual de docentes negros, por exemplo, seriam mais propensos a adotar cotas raciais na seleção de alunos. Não encontramos evidências de que as características da burocracia tenham sido determinantes na UnB, porém, na resposta a questionários enviados para outras dezenas de programas de pós-graduação de universidades públicas, esse efeito é verificado.
Poucos programas de pós-graduação relataram ter adotado cotas em função de recomendações de órgãos superiores. Entre esses, os relatos despertam preocupações sobre como alunos cotistas são recebidos em cursos nos quais não haja uma parte do corpo docente e discente comprometida com a integração desses beneficiários da política pública. O caminho para uma implementação top-down de políticas precisa de amplo diálogo e treinamento para reduzir resistências às mudanças.
O aspecto mais significativo da nossa pesquisa, entretanto, é a demonstração de como a discricionariedade de burocratas pode ser usada para influenciar a agenda decisória de organizações públicas. Ainda que universidades públicas sejam organizações com características próprias, possivelmente mais horizontais e democráticas na média do que outras organizações públicas, é ainda assim notável que grupos de docentes e discentes sejam capazes de influenciar de forma tão clara as decisões centrais da organização.
Ainda há muito a ser explorado na agenda de pesquisas sobre burocracia ativista, empreendedorismo de políticas públicas e representatividade burocrática no Brasil. Diante de um cenário político polarizado, a participação de outros atores sociais na definição de políticas públicas pode ajudar a balancear as decisões, promovendo e aprimorando propostas relevantes para as partes mais diretamente envolvidas por aquelas áreas.
* Maria Aparecida Chagas Ferreira possui Doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília, Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília e Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Ministério da Economia.
** Tatiana Dias Silva é Graduada e Mestra em Administração pela Universidade Federal da Bahia e Doutora pela Universidade de Brasília. É servidora da carreira de Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Tem interesse em estudos sobre desigualdades, ações afirmativas e igualdade racial.
*** Marcelo Marchesini da Costa é professor no Insper e Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental na Prefeitura de São Paulo. Possui PhD em Public Administration & Policy pela University at Albany, Mestrado em Administração pela UnB e Graduação em Administração Pública pela FGV-EAESP.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Maria Aparecida Chagas Ferreira*, Tatiana Dias Silva** e Marcelo Marchesini***
A criação de novas políticas públicas não é fruto somente de dirigentes de organizações públicas. A literatura em gestão pública aponta como burocratas e outros atores sociais podem assumir o papel de empreendedores de políticas públicas, colaborando para novas ações governamentais ou revisão de políticas vigentes.
Em recente pesquisa, verificamos esse fenômeno na adoção de cotas em programas de pós-graduação de universidades públicas. As primeiras experiências de processos seletivos em mestrados e doutorados com cotas ocorreram a partir da ação de alguns docentes e discentes que se engajaram nessa pauta e conseguiram convencer seus pares. Na análise empreendida, entre os oitenta respondentes do questionário enviado aos programas de pós-graduação (PPG) de universidades públicas que possuem cotas, mais de um quarto reportam a adoção da ação afirmativa como iniciativa do próprio PPG, seguido de outras motivações, como apoio discente e apoio do corpo docente a essa política. A pesquisa, aprofundada no caso da Universidade de Brasília e complementada com dados de outras universidades, aponta ainda que há um espaço para o isomorfismo entre os programas. Ou seja, depois que os primeiros processos seletivos com cotas ocorreram, outros programas copiaram a prática.
Na nossa pesquisa, os dados não são conclusivos sobre a atuação de uma burocracia representativa na promoção da temática. A hipótese aqui seria de que programas de pós-graduação com maior percentual de docentes negros, por exemplo, seriam mais propensos a adotar cotas raciais na seleção de alunos. Não encontramos evidências de que as características da burocracia tenham sido determinantes na UnB, porém, na resposta a questionários enviados para outras dezenas de programas de pós-graduação de universidades públicas, esse efeito é verificado.
Poucos programas de pós-graduação relataram ter adotado cotas em função de recomendações de órgãos superiores. Entre esses, os relatos despertam preocupações sobre como alunos cotistas são recebidos em cursos nos quais não haja uma parte do corpo docente e discente comprometida com a integração desses beneficiários da política pública. O caminho para uma implementação top-down de políticas precisa de amplo diálogo e treinamento para reduzir resistências às mudanças.
O aspecto mais significativo da nossa pesquisa, entretanto, é a demonstração de como a discricionariedade de burocratas pode ser usada para influenciar a agenda decisória de organizações públicas. Ainda que universidades públicas sejam organizações com características próprias, possivelmente mais horizontais e democráticas na média do que outras organizações públicas, é ainda assim notável que grupos de docentes e discentes sejam capazes de influenciar de forma tão clara as decisões centrais da organização.
Ainda há muito a ser explorado na agenda de pesquisas sobre burocracia ativista, empreendedorismo de políticas públicas e representatividade burocrática no Brasil. Diante de um cenário político polarizado, a participação de outros atores sociais na definição de políticas públicas pode ajudar a balancear as decisões, promovendo e aprimorando propostas relevantes para as partes mais diretamente envolvidas por aquelas áreas.
* Maria Aparecida Chagas Ferreira possui Doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília, Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília e Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Ministério da Economia.
** Tatiana Dias Silva é Graduada e Mestra em Administração pela Universidade Federal da Bahia e Doutora pela Universidade de Brasília. É servidora da carreira de Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Tem interesse em estudos sobre desigualdades, ações afirmativas e igualdade racial.
*** Marcelo Marchesini da Costa é professor no Insper e Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental na Prefeitura de São Paulo. Possui PhD em Public Administration & Policy pela University at Albany, Mestrado em Administração pela UnB e Graduação em Administração Pública pela FGV-EAESP.