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"A Era das revoluções", de Fareed Zakaria, explica raízes do mundo contemporâneo; leia trecho

Obra faz uma análise de 1600 até os tempos atuais, da Revolução Industrial ao ChatGPT

Zakaria durante lançamento de seu livro na Universidade de Columbia (Getty Images)

Zakaria durante lançamento de seu livro na Universidade de Columbia (Getty Images)

Luiz Anversa
Luiz Anversa

Repórter colaborador

Publicado em 20 de julho de 2024 às 23h49.

O historiador britânico Eric Hobsbawn (1917-2012) lançou em 1962 um livro chamado A Era das Revoluções em que discutia como as revoluções Francesa e Industrial tiveram impacto até os dias atuais.

Não parece ser mera coincidência que o título do novo livro do do comentarista da CNN e colunista do Washington Post, Fareed Zakaria, seja o exatamente o mesmo. O recorte da análise de Zakaria, porém, é diferente. Ele ignora a revolução que levou à Independência dos EUA (1776) e se concentra nas duas primeiras fases da Revolução Industrial, principalmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.

Essas revoluções mudaram os moldes do capitalismo como conhecemos, começando um caminho tecnológico que hoje a representação máxima disso é a inteligência artificial. E toda essa agitação também traz alertas.

Fúria populista, fratura ideológica, impactos econômicos e tecnológicos, guerras e um sistema internacional repleto de riscos catastróficos — as primeiras décadas do século XXI, na visão de Zakaria, podem ser consideradas o período mais revolucionário da história moderna.

No livro, ele revisita o passado para tecer uma contundente análise sobre temas contemporâneos e urgentes que mobilizam sociedades em todo o mundo. A Era das revoluções, que chega às livrarias em julho pela editora Intrínseca, apresenta argumentos que revelam conexões entre o passado - desde 1600 - e o presente.

“A história que conto aqui é mais profunda e mais importante do que um debate sobre as possíveis vantagens dos mercados sobre o Estado. Ela trata do cabo de guerra entre passado e futuro. Desde o século XVI, as mudanças tecnológicas e econômicas fomentaram imensos progressos, assim como enormes disrupções. A disrupção e a distribuição desigual das vantagens alimentam a ansiedade. Mudança e ansiedade, por sua vez, levam a uma revolução da identidade, em que as pessoas buscam novas comunidades e novos significados. E todas essas forças, então, geram uma revolução política”, afirma o autor em comunicado distribuído pela editora à imprensa.

A "mãe" de todas as revoluções econômicas

Mesmo que livro comece com uma citação do “Manifesto Comunista”, de Karl Marx, as revoluções comunistas não foram contempladas no livro. Nem mesmo o movimento de independência anticolonial de Mahatma Gandhi ou qualquer uma das tomadas fascistas de poder. Zakaria, desde o começo da obra, quer mostrar quais foram as raízes históricas do mundo em que vivemos atualmente.

Para o autor, a Revolução Industrial deu origem ao mundo moderno. Ela catapultou a Grã-Bretanha e os Estados Unidos para o domínio global.

Zakaria analisa o que classifica como quatro revoluções atuais: globalização, tecnologia, identidade e geopolítica.

Apesar de todos os benefícios, a globalização e os avanços tecnológicos produziram perturbações e uma ansiedade generalizada sobre o que se entendia por identidade — e a identidade é o campo de batalha em que se travam as políticas polarizadas deste século. Tudo isso ocorre no contexto de uma revolução geopolítica — tão profunda quanto à que alçou os Estados Unidos à potência mundial no fim do século XIX.

Se por um lado o autor não analisa movimentos comunistas ou fascistas ao longo da história, por outro ele traz pontos importantes sobre o momento do liberalismo no mundo, seu aparente enfraquecimento para forças que jogam contra o sistema democrático e se espalham por países como Hungria e Brasil, por exemplo.

Zakaria fala que, para inverter essa perigosa tendência, o indicado é compreender os motivos pelos quais chegamos a tal situação. A Era das revoluções de Zakaria foca em dois tipos de revoluções: a fundada pelo liberalismo, impulsionada pelo “progresso, crescimento, ruptura, revolução no sentido de avanço radical”, e outra originada no iliberalismo, "alimentada por um sentimento de volta ao passado", mesmo que isso signifique mais restrições no campo político ou econômico.

Livro do jornalista e comentarista político trata de algumas das principais revoluções tecnológicas da humanidade (Divulgação Intrínseca)

“Nossa época é revolucionária no sentido em que comumente se utiliza a palavra. Para onde quer que se olhe, é possível ver mudanças radicais e drásticas. Um sistema internacional que parecia estável e familiar está mudando depressa, com os desafios de uma China em ascensão e uma Rússia revanchista. No seio das nações, vemos uma destruição total da velha ordem política, enquanto novos movimentos que transcendem a tradicional divisão esquerda-direita ganham espaço. No âmbito econômico, o consenso surgido após o colapso do comunismo em relação aos livres mercados e ao livre-comércio foi derrubado, e é grande a incerteza quanto a como as sociedades e as economias devem navegar essas águas não exploradas. Como pano de fundo para tudo isso está o pleno florescimento da revolução digital e a chegada da inteligência artificial, com consequências novas e disruptivas”, diz Zakaria.

A seguir, leia um trecho do livro divulgado de forma exclusiva para a Exame sobre tecnologia:

Com a invenção dos chips de computadores vieram os primeiros computadores pessoais, máquinas compactas construídas por empresas como a HP e a Xerox. O que agora chamamos de internet começou não com empresas privadas, mas com um projeto do Pentágono, ARPANET, uma rede projetada para ligar pesquisadores das universidades da Costa Oeste aos colegas por todo o país.
Desde o momento em que entrou on-line, em 1969, a ARPANET se ramifcou consistentemente para mais universidades e laboratórios nas décadas de 1970 e 1980. Então, em 1989, o cientista da computação inglês Tim Berners-Lee, que trabalhava no labora-tório de física de partículas do CERN em Genebra, concebeu a combinação de sistemas que guia a internet moderna: links de hipertexto que per-mitem aos usuários mudar de um texto para outro, protocolos de controle de transmissão que conectam computadores de todos os tipos à mesma informação, nomes de domínios exclusivos para cada website.
Ele chamou esse mecanismo de “World Wide Web”, embora no início fosse acessível apenas para cientistas no CERN. Dois anos depois, enquanto todos os olhos estavam voltados para a queda da União Soviética, uma mudança potencialmente ainda mais importante ocorria discretamente em Genebra: a Web foi aberta para o mundo todo, com a inauguração da internet como a conhecemos hoje

Em 1990, nenhum país da Terra tinha sequer 1% da população usando a internet. Hoje, 93% dos americanos estão on-line, da mesma forma que 70% dos asiáticos e dos habitantes do Oriente Médio. Até mesmo nas regiões menos desenvolvidas, a África Subsaariana e a Ásia Meridional, aproximadamente um terço das pessoas usa a internet.

Todo dia, são enviados mais de 300 bilhões de e-mails de mais de 4 bilhões de usuários em todo o mundo. Pensemos em quantas décadas foram necessárias para as ferrovias se difundirem pelo mundo no século XIX, ou para os automóveis se tornarem onipresentes no século XX. Na virada do século XXI, os computadores pessoais e smartphones (minicomputadores nos nossos bolsos) se tornaram de uso corrente em apenas vinte anos. A adoção tecnológica na internet ocorre ainda mais depressa. Levou quase quatro anos para fazer com que 100 milhões de pessoas no mundo usassem o Facebook, mais de dois anos para o mesmo número de usuários no Instagram e apenas dois meses para que 100 milhões de pessoas usassem o ChatGPT.

Por mais impressionante que tenha sido a mudança do físico para o digital, muitos céticos na indústria consideram isso uma decepção. Nas palavras comumente citadas de Peter Thiel, fundador do PayPal e da Palantir: “Queríamos carros voadores. Em vez disso, ganhamos 140 caracteres.” Em um nível superficial, Thiel está certo. Estamos a léguas de distância da visão do século XXI que aparece em Os Jetsons, série animada de televisão de 1962. Fãs com olhos de lince observaram que George Jetson, o patriarca dessa arquetípica família futurista, nasceu em 2022.

O mundo de hoje, contudo, não se parece em nada com o mundo dos Jetson: nem carros voadores, nem empregadas robóticas sencientes e nada de férias interplanetárias (nem mesmo para Elon Musk). Ainda assim, o que nós temos que os Jetson não tinham? Enquanto algumas predições estavam corretas — videochamadas, por exemplo —, as implicações mais profundas da transição digital não foram previstas. A tecnologia que serve de alicerce para a nossa era é radicalmente diferente da que a precedeu. Ela fomentou uma revolução da mente. Expandiu de maneira drástica o acesso à informação ao conectar quase todo mundo no planeta e tornar mais fácil a divulgação de ideias de todos os tipos, boas e más.

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