Diogo Arrais: Um texto que seria para emocionar cansa e tem um vazio semântico. Motivo? Falta o genuíno (Chadchai Ra-ngubpai/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 26 de setembro de 2023 às 18h39.
Última atualização em 26 de setembro de 2023 às 18h42.
Por Diogo Arrais, professor de português (@diogoarrais)
“Hoje se encerra um ciclo...” Pronto! Lá vem mais uma mensagem, com uma série de termos clichês, sobre a saída de alguém. Gratidão em hipérbole e um exercício de detalhes que marcaram a trajetória. No entanto, um texto que seria para emocionar cansa e tem um vazio semântico. Motivo? Falta o genuíno.
Em um mercado com tanto acesso à informação, são raros os profissionais que se atentam para o impacto das palavras faladas e escritas. Quantos verbos? Os advérbios, aqui, causam eco? Usar ou não uma pontuação mais elegante?
Por mais que seja uma fina arte concretizar com clareza um pensamento, é possível fazê-la com mais destreza: repetições, excessos são eliminados com a revisão textual. Para a ideia, refletir sobre quão surpreendente é a mensagem. Causa incômodo? Traz benefícios ao leitor? Existem detalhes capazes de emocionar o público?
Se daqui fizéssemos uma informal pesquisa, seria notório perceber a inquietação de muitos com o massivo uso de “A vida é sobre isso”, jornada, autoconhecimento, ressignificar, assertivo, transformação, destravar, missão, mindset, propósito, top... a lista é enorme.
O comunicador consciente pauta-se pelo princípio de que o tempo do outro vale ouro; por isso, prefere preenchê-lo com informações relevantes, reflexões valiosas, humanismo e criatividade. Para isso, pedirá a palavra para trazer o novo, a resolução de um problema, uma descoberta, usando o mínimo de termos, para honrar a atenção ali dada.
Sabe o que há de comum entre os escritores mais aclamados? A maneira como se dedicaram à concisão. Machado de Assis, Millôr Fernades, Umberto Eco, Clarice Lispector deixaram profundas marcas em nossa cultura, porque partiam do pressuposto de que o texto necessitaria de revisões, de termos mais precisos (ricos em significado), para causar o efeito pretendido.
Se mesmo um gênio como Graciliano Ramos se dedicou a quase dez revisões da obra Vidas Secas, imaginemos nós, comuns comunicadores? Um e-mail, uma mensagem no WhatsApp, um roteiro para uma reunião ou a despedida de um trabalho a ser registrada no LinkedIn: tudo isso precisa passar por uma análise criteriosa antes da publicação.
É a máxima – leitores e ouvintes cansados deixam de dar crédito. Quando se chega a esse ponto, a competência técnica passa pela desconfiança; um contrato pode ser perdido. Informar com estratégia, persuasão e criatividade, demanda esforço e zelo. Até que se prove o contrário, um texto (para aquele momento importante) nasce chato.