Pessoas no centro de São Paulo: pretos e pardos só ocupam 29,9% dos cargos de gerência no Brasil, de acordo com o IBGE. (Alexandre Schneider/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 20 de novembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 20 de novembro de 2020 às 10h25.
Educar sobre questões raciais, fazer um diagnóstico da diversidade na empresa e comprometer a liderança com a pauta racial são os principais caminhos para qualquer organização promover a equidade entre brancos e negros, principalmente nos cargos de liderança.
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o assunto volta à tona ao olharmos dados que mostram que, apesar de ser a maioria da massa trabalhadora, pretos e pardos só ocupam 29,9% dos cargos de gerência no Brasil, de acordo com o IBGE.
Para diminuir esse abismo, as empresas devem ter um papel pró-ativo. Isso é o que defende Daniel Teixeira, advogado e diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. Ele lembra que as empresas têm um papel como ator econômico de redução de desigualdade, previsto na Constituição, e que o caminho é usar ações afirmativas, que são medidas tomadas para diminuir a desigualdade racial. Entre elas, estão as cotas.
Mas além disso, quais são os caminhos para a igualdade racial acontecer nas empresas? Veja o que disseram os especialistas ouvidos pela EXAME.
Apesar de ser pouco conhecido, o termo letramento racial refere-se à conscientização sobre a luta antirracista na sociedade. De acordo com Ton Mendes, gerente geral do ID_BR, organização que oferece soluções a empresas que procuram diminuir desigualdades raciais, as empresas que buscam ter mais equidade de gênero devem começar com esse aspecto mais didático.
Ele serve para fazer o público interno entender o que é o racismo estrutural brasileiro e para que alguns conceitos sejam apresentados, como cor, raça, racismo, viés inconsciente, cotas e branquitude:
“Muitas empresas têm grupos que foram formados, mas nem sempre eles conseguem se organizar e muitos não conhecem a pauta racial. Existe uma lenda de que quanto menos se fala, mais algum ponto se resolve. Mas não é verdade. Quanto mais a gente falar, mais as pessoas vão ficar esclarecidas.”
Entender o percentual de pretos e pardos (que compõem a população negra) nas empresas e a partir daí tomar medidas para as mudanças é fundamental. Dentro desse diagnóstico, uma ferramento possível é o censo étnico-racial, que mapeia o perfil dos colaboradores e que setores precisam de um incremento na igualdade.
De acordo com Daniel Teixeira, entender em que patamar a empresa está é fundamental para o caminho a seguir ser bem definido. "A primeira coisa é a empresa conhecer a sua demografia, as suas relações internas".
Pesquisas já mostraram que empresas mais diversas conseguem ter mais lucro e inovação.
Quando os dados sobre a falta de representatividade de negros em setores da economia ou em posições de liderança são analisados, é comum que a solução mais fácil a ser pensada seja a de melhorar o recrutamento. Mas é preciso ir além disso.
Na visão de Ton Mendes, do IDB_BR, os departamentos de Recursos Humanos têm, em geral, pensamentos “viciados”, e nas contratações entra em ação o viés inconsciente do racismo estrutural.
“As pessoas tendem a contratar pessoas parecidas com elas. Se a gente não conhece a nossa história, acabamos reproduzindo.”
Uma das justificativas apresentadas por certas empresas é a dificuldade de encontrar profissionais qualificados e assim não “nivelar por baixo” na hora de fazer uma contratação.
Daniel Teixeira, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, reforça que não basta um recrutamento às cegas, ferramenta utilizada para "encobrir" características físicas, gênero e voz dos candidatos. Para ele, é preciso lançar mão das ações afirmativas, com iniciativas que tenham, por exemplo, vagas exclusivas para negros.
"Não há mais tempo hoje para se pensar só em contratação às cegas para estimular maior equidade. O Brasil é signatário da Conferência de Durban, que prevê as ações afirmativas, como cotas", defende.
A Conferência de Durban é como ficou conhecida a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia promovida pela ONU contra o racismo em 2001. No texto final, ficou decidido que os países devem adotar política pró-ativas de redução de desigualdade racial. No Brasil, a política de cotas nas universidades públicas é um exemplo de ação afirmativa.
"Se não a mudança não for propositiva, a gente vai demorar 150 anos para mudar o cenário de desigualdade no Brasil", questiona Ton Mendes.
Amanda Aragão, Head de Atração e Seleção da Mais Diversidade, conta que no passado se ouviam queixas de que as empresas não achavam pessoas negras, e isso era um argumento para manter as coisas como sempre foram. Nos últimos, meses ela tem notado uma mudança:
No setor financeiro, o comentário da fundadora do Nubank, Cristina Junqueira, de que é difícil promover ações como seleções focadas em negros, ignorando ausência de habilidades, é difícil porque "não dá para nivelar por baixo" também gerou discussões sobre ações afirmativas nos recrutamentos. Após a polêmica, o Nubank decidiu investir R$ 20 milhões para ampliar diversidade.
O caminho para buscar a equidade de gênero precisa também ir além de ações pontuais, como as feitas de forma mais comum no Dia da Consciência Negra.
O advogado Daniel Teixeira aponta que há um mito de que a inserção é suficiente para criar um ambiente com equidade de gênero:
"Se não houver cultura, elas têm chance de sair e ainda saem se sentindo mal. As empresas têm que mudar a cultura para integrar as empresas, com investimentos nessas pessoas, de crescimento profissional".
Dentro dessa mudança de cultura, Teixeira defende a criação de ouvidoria interna, focada em racismo, e equipes focadas em diversidade. Ao criar esse espaço seguro, o diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades também defende que o racismo deixe de ser tabu nas empresas e que os espaços sejam seguros para se conversar sobre o tema.
"A equidade só vai funcionar se houver mudança na cultura, e isso também diz respeito às pessoas brancas", afirma.
Assim como Daniel Teixeira, Ton Mendes, do ID_BR, defende ações perenes sobre equidade de gênero.
“É importante fazer um processo perene. Não é uma questão assistencialista, mas de impacto, porque gera resultados na ponta. Não adianta uma ação pontual. Mudança real é processo, levando em conta que foram 400 anos de escravidão no Brasil. Para isso, tem de haver investimento financeiro na pauta, metas, métricas e prazos", defende.
A necessidade de uma política duradoura, que aborde os problemas de racismo para além de aumentar o número de negros nas empresas também é importante para garantir saúde mental às minorias que ingressam naquela organização.
Na Bee Touch, que é focada em apresentar diagnósticos e soluções para desenvolver ambientes psicologicamente seguros, a discriminação foi definida como um dos riscos para saúde individual e do grupo.
“A discriminação geralmente ocorre de forma velada, implícita. Mas está no dia a dia dos trabalhadores. Quanto ao racismo, expressões como “a coisa ficou preta”; “o samba do crioulo doido” geram sofrimento. São “micro” violências presentes no cotidiano, mas que provocam prejuízos à saúde emocional das pessoas, gerando estresse, sintomas depressivos, ansiedade, até burnout e risco de suicídio”, explica Ana Carolina Keuper, psicóloga e CEO da empresa.
O diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Daniel Teixeira, também destaca que o racismo no Brasil é entremeado por questões de trabalho:
Para compensar eventuais faltas de habilidades práticas, conhecidas como hard skills, o combate à desigualdade racial precisa focar na capacitação no pós-contratação. Os movimentos que defendem a equidade de gênero pregam que as empresas precisam desenvolver as habilidades que faltam em um funcionário.
Tom Mendes destaca que a maioria das demissões são por questões comportamentais, e não por falta de habilidades técnicas, o que não explica a justificativa de que alguma habilidade técnica é imprescindível na contratação.
“Antes, o gargalo era de nível superior. Mas depois da política de cotas em universidades, as pessoas negras têm formação superior, mas elas ainda não são absorvidas”, explica. "É preciso investir e dar oportunidades para equilibrar os números internamente. Se você quer mais talentos, desenvolva."
Tom também cita empresas que já percebem que um profissional tem talento, mas precisa desenvolver uma habilidade, como o inglês, e oferecem isso, com uma postura propositiva.
Dados do IBGE mostram que profissionais brancos recebem menos que profissionais negros mesmo quando os dois grupos têm alta escolaridade. O valor médio pago por hora trabalhada para quem tem superior completo, e é branco, é de R$ 32,80. Já os pretos e pardos que também têm esse nível de educação ganham R$ 22,7 por hora.