Gabriela Santos Mendanha, estudante de Medicina da PUC-Goiás: “A saúde ocular é muito mais social do que a gente costuma enxergar” (Germano Lüders/Exame)
Repórter
Publicado em 28 de novembro de 2025 às 10h00.
Os olhos de uma senhora que finalmente enxergam o rosto do neto depois da cirurgia de catarata ajudam a explicar por que uma estudante de medicina de 24 anos decidiu se aventurar com a tecnologia e programar, sozinha, uma inteligência artificial para revolucionar a oftalmologia no Brasil. A cena se repete na memória de Gabriela Santos Mendanha como se fosse um filme em alta definição.
“Depois da cirurgia, foi a primeira vez que ela conseguiu enxergar o rosto do neto nitidamente. Ele chorava e agradecia. Aquilo me marcou muito”, conta a estudante de Medicina da PUC Goiás, hoje uma das vencedoras do Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário, que recebeu o prêmio na categoria regional pelo Centro-Oeste e na categoria nacional.
Filha de uma arquiteta e de um administrador, criada em Goiânia, Mendanha entrou na faculdade de Medicina aos 19 anos e, no 3º ano da graduação, durante uma visita ao Instituto VER - centro de referência em oftalmologia em Goiás - encontrou um problema que travava o avanço da oftalmologia: a triagem para cirurgias refrativas (procedimentos que corrigem erros de refração como miopia e astigmatismo) é lenta, exige exames complexos e depende de especialistas altamente treinados para interpretar sinais sutis da córnea.
“Mesmo assim, em casos subclínicos, a discordância entre médicos ainda é grande”, afirma a estudante.
Unindo física, matemática e programação, ela decidiu desenvolver sozinha uma solução que reduzisse essa margem de erro. Assim nasceu a RefractAI, uma inteligência artificial treinada com bancos de dados públicos e com exames reais de pacientes acompanhados ao longo dos anos. O sistema consegue identificar padrões que antecipam o risco de complicações antes mesmo de eles serem evidentes no laudo, oferecendo ao oftalmologista um alerta precoce.
Como resultado em simulações de 200 pacientes, a IA diminui o tempo de análise de cerca de 40 minutos para apenas 1, aumenta em 30% a capacidade preditiva em comparação ao método tradicional e pode gerar economia de até 70% nos custos da triagem. A tecnologia já foi apresentada em congressos e está em processo de avaliação internacional.
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A relação de Mendanha com a oftalmologia começa antes do jaleco e dos algoritmos. Ela passou boa parte da infância sem saber que tinha quatro graus de miopia.
“Eu não enxergava o número da sala, não via onde ficava o banheiro. Minha mãe não tinha tanta informação sobre isso, e a gente demorou para ir ao oftalmologista”, lembra.
Quando finalmente colocou óculos, na adolescência, o mundo mudou de resolução. “Eu lembro de pensar: ‘Nossa, estou vendo tudo em HD’.”
No ensino médio, chegou a cogitar engenharia, mas desistiu. Hoje, na faculdade de medicina ela já encontrou o seu propósito.
“A oftalmologia não devolve só visão. Ela devolve trabalho, renda, dignidade. Um pedreiro que não enxerga bem erra, é demitido, entra num ciclo de pobreza. Saúde ocular é muito mais social do que a gente costuma enxergar”, afirma.
Hoje, além da faculdade e da IA que ela está atualizando, ela também dá aula para mais de 50 jovens em olimpíadas científicas, liderou delegações internacionais, ajudou a organizar competições brasileiras de ciência. Como uma 'estudante de visão', ela sonha em fazer residência em oftalmologia nos Estados Unidos e transformar sua IA em um negócio de impacto, combinando serviço médico, pesquisa e tecnologia.
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