Juliana Bonomo, gerente de recrutamento e seleção da L’Oréal, à frente de seus trainees: a empresa retirou o filtro do idioma inglês na fase de seleção (André Valentim)
Da Redação
Publicado em 29 de novembro de 2013 às 14h42.
São Paulo - No segundo semestre de 2011, a oferta de vagas em programas de trainee cresceu 40% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas a oferta de universitários nas principais escolas do país não cresceu no mesmo ritmo. O resultado é que as empresas estão se esforçando mais para atrair e conquistar a atenção desse público.
“Se antes bastava lançar o hotsite do programa na fase de abertura das inscrições com as informações sobre o processo seletivo e os pré-requisitos para se candidatar, hoje as organizações têm de investir o ano todo em ferramentas que permitam construir uma relação de longo prazo com os jovens”, diz Carla Esteves, diretora da Cia de Talentos, consultoria especializada na coordenação de programas de trainees. “A ideia é criar um processo de encantamento e fixar aquela empresa na memória dos estudantes como um local interessante para fazer carreira”, acrescenta.
Além da competição acirrada desse mercado, a globalização, novas tecnologias e as peculiaridades da chamada Geração Y também têm obrigado as companhias a fazer mudanças em seus programas para que eles se mantenham eficientes nas tarefas de identificar, recrutar e reter os melhores talentos. Essa missão vem exigindo transformações e ajustes na forma de atrair e selecionar os candidatos e na estrutura e formato dos programas. Veja a seguir quais são as principais mudanças que deram ao tradicional programa de trainees uma cara mais contemporânea e moderna.
Eles caíram na rede
Para conseguir aproximação com seu candidato, as empresas têm aproveitado a grande penetração das redes sociais entre os representantes da Geração Y. Algumas iniciativas incluem a criação de fan pages nas redes sociais; o desenvolvimento de espaços virtuais que permitam aos jovens interagir entre si e com a companhia; o patrocínio de blogs com conteúdo de carreira; e a colocação de links em sites frequentados pelos universitários. “Essa estratégia aumenta a probabilidade de, ao longo do processo seletivo, os melhores candidatos não desistirem do programa da sua empresa para permanecer no de outras”, explica Carla.
A Whirlpool foi uma das que lançaram mão das redes sociais para se relacionar com os candidatos. “Antes, investíamos muito em ações como palestras nas universidades e patrocínio de feiras universitárias. Ainda fazemos isso, mas percebemos a necessidade de entrar fortemente nas redes, que se tornaram canais efetivos de informação e nos permitem aumentar a intensidade do nosso contato com um número maior de jovens”, diz Úrsula Angeli, gerente-geral de desenvolvimento organizacional da Whirlpool.
A Bosch também vem usando as redes para estabelecer vínculos com os possíveis futuros trainees. “Criamos espaços para que os candidatos interajam entre si, postem conteúdos e fotos, e recebam informações sobre a organização por meio de webcasts e conversas com ex-trainees”, diz Fábio Amaral, gerente de RH da Bosch América Latina.
Seleção high-tech
E por falar em tecnologia, a internet, as redes sociais e as ferramentas virtuais vêm revolucionando a forma como as corporações selecionam seus trainees. Por isso, a tendência é que a etapa online dos processos seletivos fique cada vez mais longa. Na Natura, por exemplo, a duração da etapa online passou de uma para oito semanas.
Antes, nessa fase o candidato apenas preenchia uma ficha com as informações de seu currículo e fazia algumas provas. Atualmente, ao longo de dois meses, ele é convidado a desenvolver uma série de atividades no meio virtual, como contar sua história em ciclos de sete anos; opinar sobre questões apresentadas em vídeos postados pela companhia e responder a questionários pelos quais a empresa analisa sua personalidade, estilo e forma de pensar.
“Temos ferramentas que procuram combinações de palavras-chaves associadas a diferentes perfis de comportamento. Os perfis mais alinhados com o da empresa vão sendo selecionados”, explica Denise Asnis, coordenadora do programa de trainees da Natura.
Outra novidade é a apresentação de cases ainda na etapa online. Os candidatos são divididos em grupos e, depois de trabalhar individualmente no case proposto, apresentam seus resultados. “Os colegas vão dar notas uns aos outros e definir em conjunto qual trabalho vai representar o grupo”, diz Denise.
“Basicamente, vamos avaliar como é o processo de tomada de decisão”, detalha. Para a coordenadora, a grande vantagem trazida pelas novas tecnologias à seleção dos programas foi permitir conhecer melhor os candidatos antes das etapas presenciais. Graças às inovações, a empresa consegue selecionar, ainda na fase online, os 800 perfis mais alinhados ao dela, entre os 18 000 inscritos.
“Passamos a ter, já no início do processo, a possibilidade de conhecer a essência dessas pessoas gastando menos tempo e dinheiro”, explica Denise. “Sem falar que, pelo investimento de tempo que a etapa online passou a exigir, eu trago não o candidato que se inscreveu em 15 processos seletivos, mas aquele que realmente se identifica com a Natura.”
Gente diferente
O perfil dos trainees também mudou. Uma das novidades é a idade limite dos trainees, que vem aumentando. No programa do Grupo Ale, os trainees com mais de 26 anos representam 55% do total. Só os de idade superior a 28 anos correspondem a 27% dos selecionados. “Um sinal do sucesso da nossa postura é que, na última edição de nosso programa, 80% dos trainees se mostraram aptos a assumir postos de gestão”, diz Vladimir Barros, gerente de RH do grupo.
Segundo ele, trainees um pouco mais velhos costumam ter um planejamento de carreira mais bem definido — o que reduz a taxa de abandono após o fim do programa —, além de maior maturidade para encarar desafios, como a transferência para cidades no interior do país, onde terão de gerir equipes longe da supervisão da matriz.
Na Oi, programas específicos foram criados para absorver os candidatos mais maduros. É o caso do Trainee Executivo Oi, no qual a idade média é de 28 anos e o candidato deve ter de três a cinco anos de formado, além de experiência anterior em liderança e gestão.
Os programas também ficaram mais flexíveis quanto à área de formação dos candidatos, antes restrita a carreiras tradicionais, como administração, economia e engenharia. Empresas como ALL, Andrade Gutierrez, Johnson & Johnson, Natura e Makro aceitam pessoas com graduação em qualquer curso. Nelas, prevalece a opinião de que turmas de trainees mais heterogêneas favorecem a diversidade de opiniões e a proposição de novas soluções, e de que o curso de graduação não é empecilho para a formação de bons gestores.
Outra mudança é que o inglês fluente vem deixando de ser critério eliminatório nos programas de muitas companhias. É o caso da Unilever, da L’Oréal Brasil e da Renner, que só exigem o segundo idioma para algumas modalidades de seu programa de trainees.
Segundo a gerente de recrutamento e seleção da L’Oréal, Juliana Bonomo, a explicação para essa mudança de prioridades está no fato de que é mais fácil complementar aspectos técnicos da formação de um profissional do que mudar sua atitude. “Retirar o filtro do idioma nos permitiu reunir um maior número de pessoas com o perfil de personalidade e valores que buscamos”, afirma.
“Queremos dar a oportunidade e, depois, se necessário, apoiaremos o aprendizado desse novo idioma”, diz. Mudanças como essa, além da realização de dinâmicas em capitais fora do eixo Rio-São Paulo, favoreceram uma maior diversidade nas turmas de trainees. “Nesta edição, só 10% dos selecionados são paulistas e cariocas”, diz Juliana.
Especialistas e globais
A promessa de experiência internacional durante os programas vem se tornando mais frequente. Além de um atrativo adicional para conquistar os trainees mais qualificados, a medida visa formar líderes preparados para a crescente globalização dos negócios. Na edição deste ano do programa da Andrade Gutierrez, os candidatos têm a possibilidade de viver uma experiência internacional de 35 a 45 dias nas operações que a empresa mantém em países da América Latina, da África ou em Portugal. “Somos uma multinacional brasileira com operações em mais de 30 países.
É importante que nossos candidatos se sintam preparados para os desafios que vão viver no dia a dia da organização”, diz Maria Isabel Albernaz, gerente de gente e gestão do grupo. Na Bosch, uma das pioneiras a incluir um módulo internacional em seu programa brasileiro, os candidatos podem passar de quatro a seis meses na sede da companhia, na Alemanha, ou em unidades da América Latina.
“É preciso que os trainees tenham visão global do nosso negócio. Por isso, precisamos de pessoas abertas à diversidade cultural, flexíveis e com grande capacidade de entender e se adaptar a outras culturas”, diz Fábio Amaral, da Bosch.
Também vem crescendo a oferta de programas para recrutar especialistas. São os chamados programas de jovens talentos, criados para suprir a demanda em áreas em que a oferta de profissionais é escassa. Um exemplo é o Jovens Engenheiros, da Mineração Usiminas. “São programas de sucessão por excelência”, diz Fábia Barros, gerente de Jovens Profissionais da consultoria Across.
Como a ideia é abastecer as companhias de mão de obra qualificada, a oferta de vagas em programas do gênero costuma ser grande. A cada edição, são recrutados entre 30 e 80 trainees. Outra diferença é que, como as atividades são concentradas apenas nas áreas afins daquela em que o trainee vai atuar após o fim do programa, em geral o treinamento é mais curto, durando de três meses a um ano.
Gringos na área
Ao longo dos próximos anos, os candidatos brasileiros vão ganhar novos concorrentes nos programas de trainees. A internacionalização de organizações brasileiras tem aberto as portas dos programas aos candidatos estrangeiros. “É cada vez maior o número de empresas brasileiras virando matrizes e contratando no exterior”, conta Fábia Barros, da Across.
A Natura abriu vagas para trainees na Colômbia, no Peru, no México e na Argentina. Neste ano, pela primeira vez a Andrade Gutierrez estendeu as inscrições de seu programa de trainees aos candidatos estrangeiros. “Queremos formar lideranças para o futuro. Quanto maior a diversidade cultural desses líderes, melhor para o processo de globalização da empresa”, afirma Maria Isabel.
E, como o Brasil está na moda, a demanda é grande. A holding recebeu nada menos do que 4 671 fichas de candidatos da América Latina e 1 613 de portugueses. “Estamos crescendo para o mundo e queremos recrutar pessoas competentes, independentemente da nacionalidade. Vamos buscá-las onde estiverem”, diz Maria Isabel.