Marcelo Gondim, advogado de imigração em Los Angeles: entre as mais variadas nacionalidades, brasileiros estão entre aqueles que mais empreendem nos Estados Unidos atualmente (Divulgação: Ivan-balvan/Getty Images) (Divulgação: Don Mason/Getty Images)
Repórter
Publicado em 3 de janeiro de 2024 às 12h06.
Última atualização em 3 de janeiro de 2024 às 13h05.
A falta de mão de obra qualificada vem afetando os Estados Unidos há mais de uma década. Em 2024, o contexto deve piorar: em média, 11 milhões de novos empregos são gerados nos EUA mensalmente, conforme dados do Bureau of Labor and Statistics (BLS). Muitos deles, porém, não são preenchidos, afirma Marcelo Gondim, advogado de imigração em Los Angeles.
“Existem empregos disponíveis em praticamente todas as áreas nos EUA, e que oferecem boas remunerações, mas faltam no país pessoas qualificadas e, em alguns casos, nem interessadas em exercê-los. Esta carência vem sendo responsável pelo aumento de imigrantes qualificados no país na última década, especialmente a partir de 2010, no período de expansão das Big Techs e das profissões na área de Stem. Sem poder contar com sua própria força de trabalho, os americanos precisam cada vez mais de profissionais estrangeiros.”
Vários fatores ajudam a explicar este cenário de necessidade de mão de obra estrangeira, segundo Gondim. Em primeiro lugar, a economia superaquecida dos Estados Unidos que se recuperou rapidamente dos efeitos da pandemia. “A demanda reprimida em 2020-2021 [auge da covid-19] resultou em uma ‘explosão’ de novas empresas, startups e na chegada de milhares de empreendedores e investidores estrangeiros que decidiram levar seus negócios para a América.”
Existe também um desinteresse nas gerações mais jovens em estudar e trabalhar em diversas profissões que antes eram cobiçadas, diz o advogado. “Profissionais como pilotos de aviação, médicos, educadores, não estão atraindo tanto os jovens. Ao mesmo tempo, muitos profissionais veteranos se aposentaram [ou foram aposentados] durante a pandemia.”
Para piorar a situação, segundo o advogado, a globalização permitiu que muitos profissionais americanos que eram referências em suas áreas migrassem para outros países que oferecem melhores salários e benefícios, especialmente países emergentes do Oriente Médio, como Catar e Emirados Árabes.
O problema dos Estados Unidos pode ser uma grande oportunidade para estrangeiros qualificados e que querem, de forma legal, contribuir com o mercado de trabalho americano. Para atrair estes profissionais, o governo dos EUA disponibiliza cotas anuais de green cards para profissionais que consigam demonstrar experiência e carreiras bem-sucedidas e, em muitos casos, formação acadêmica superior.
Os chamados vistos EB (Employment-Based) são voltados exatamente para este tipo de profissional que chegará aos EUA e ajudará a resolver o problema da falta de mão de obra qualificada, e podem ser concedidos com base em habilidades extraordinárias, ofertas fixas de emprego ou capacidade de investimento no país. E os brasileiros estão entre os mais beneficiados com estes vistos. Somente nos últimos sete anos, aproximadamente 65 mil green cards foram emitidos para imigrantes oriundos do Brasil que solicitaram os vistos EB, tendo como mais populares o EB-2 NIW (profissionais com habilidades diferenciadas e carreiras de sucesso) e o EB-3 (imigração com oferta de trabalho).
As oportunidades são muitas, e para ajudar brasileiros interessados em conhecer mais sobre as categorias EB e sobre o próprio cenário atual do mercado de trabalho americano, Gondim indica 10 áreas com mais oportunidades de trabalho para imigrantes em 2024.
Segundo comunicado da Associação Médica Americana (AMA) em outubro deste ano, estima-se que cerca de 83 milhões de pessoas vivem atualmente em áreas onde não há médicos suficientes para atendimento à população. A carência por médicos vai desde clínicos gerais até as mais variadas especialidades da profissão.
A associação informa ainda que, devido ao déficit de profissionais, grande parte dos médicos em atividade no país acabam tendo que dobrar seus turnos, o que tem levado muitos deles à exaustão e pedidos de demissão. Além disso, a faixa etária predominante entre a classe médica que está no mercado de trabalho é de 50 a 55 anos, o que reflete a falta de interesse ou, em muitos casos, de capacidade financeira das gerações mais jovens para bancar os altos custos de uma formação em medicina.
Os principais estados que precisam de médicos e que oferecem melhores remunerações salariais são: Flórida, Califórnia, Novo México, North Dakota, Arkansas, entre outros, segundo o Zippia, site especializado em mercado de trabalho dos EUA.
Estima-se que o déficit de enfermeiros atualmente nos EUA chegue a 1.1 milhão de profissionais, diz o advogado. “Especialmente entre 2020 e 2021, devido a pandemia, esta carência ficou ainda mais evidente, o que levou inclusive ao governo americano ‘afrouxar’ algumas regras para que enfermeiros estrangeiros pudessem migrar e trabalhar no país”.
Mesmo assim, a necessidade por profissionais de enfermagem continua crescendo, muito em função do envelhecimento da sociedade americana. Segundo a Drexel University, os estados da Califórnia, Texas, New York, Flórida e Pensilvânia são os que mais precisam de enfermeiros. A Califórnia também é a região que oferece melhores salários para enfermeiros, ultrapassando 100 mil dólares anuais.
Assim como acontece com a maior parte das áreas de saúde, existe pouco interesse entre os mais jovens em se formar e trabalhar como fisioterapeuta. “O envelhecimento da população americana torna esta profissão ainda mais necessária, o que tem levado muitas clínicas e hospitais a contratar imigrantes que estejam qualificados e que possuam as licenças necessárias para exercer suas funções nos EUA”, diz Gondin.
A American Physical Therapy Association (APTA) reportou que, ao final de 2022 a média de fisioterapeutas empregados nas grandes regiões metropolitanas é de 57 profissionais para cada 100 mil habitantes.
Fisioterapeutas bem qualificados podem obter em média remunerações anuais que ultrapassam 100 mil dólares, dependendo da região em que trabalharem, sendo Califórnia, Nevada, New Jersey, Alaska e Connecticut as localidades que oferecem os melhores salários, segundo o U.S. News & World Report’s Best Jobs of 2023.
Existem apenas 60 dentistas para cada 100 mil habitantes nos EUA, de acordo com a Health Resources and Services Administration (HRSA). “A carência de dentistas já é antiga, mas intensificou-se nos últimos 10 anos, período em que muitos profissionais de odontologia se aposentaram, e poucos dentistas se formaram e se juntaram ao mercado de trabalho”, diz Gondin.
O salário anual médio de um dentista gira em torno de 158 a 208 mil dólares, o que torna a profissão uma das mais bem pagas do país.
“No entanto, dentistas formados no exterior que desejam obter licença para exercer a profissão nos Estados Unidos devem estar cientes de que a maioria dos estados americanos exige um diploma de um programa de educação odontológica credenciado pela American Dental Association Commission on Dental Accreditation (CODA)”, afirma o advogado.
Os Estados Unidos preveem um déficit de seis milhões de engenheiros disponíveis no mercado de trabalho até 2026, de acordo com um levantamento do Departamento Americano de Estatísticas de Trabalho (BLS). Diversos fatores ajudam a explicar a carência de engenheiros nos EUA. Em primeiro lugar, os altos custos envolvidos para se formar na profissão. Uma faculdade completa de engenharia, pode custar de 30 a 80 mil dólares por ano, dependendo do estado americano em que a pessoa estudar. Além disso, muitos engenheiros americanos foram seduzidos em anos recentes por irrecusáveis propostas financeiras vindas do mundo árabe, em especial dos Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita.
“É importante observar que a carência em engenharia se estende para todas as suas subdivisões, incluindo Engenharia Civil, Automotiva, Elétrica, Eletrônica, Telecomunicações, Engenharia de Produção e, sobretudo, Engenharia de Óleo e Gás. Em regiões como o Texas, que concentram as principais empresas e indústria petroquímicas dos Estados Unidos, os rendimentos médios para engenheiros desta área é de 90 mil a 190 mil dólares anuais, dependendo do cargo e especialidade do profissional,” diz Gondin.
Os requisitos de validação de diploma para engenheiros variam de acordo com o estado dos EUA, mas o advogado reforça que quase sempre, o profissional precisará comprovar que possui o conhecimento e capacidade exigida para a função ou, em alguns casos, prestar exames adicionais.
Anualmente, mais de 130 mil voos são cancelados nos Estados Unidos desde 2020, devido à falta de pilotos, segundo Gondin, que reforça que apesar do país concentrar o maior mercado de aviação do mundo, com 735 mil pilotos em atividade, a carência de profissionais nunca foi tão grande, e estima-se que o país precisará de pelo menos mais 150 mil novos profissionais nos próximos cinco anos para não entrar em colapso.
Pilotos de linhas comerciais podem receber rendimentos anuais que variam de 99 mil dólares a 200 mil dólares, segundo a ATP Flight School - sendo Nevada, Florida, Alaska, Montana, Virginia e Texas os estados que mais precisam de profissionais de aviação, afirma Gondin, que reforça que para ser piloto nos EUA há diversos requisitos.
“Para um piloto estrangeiro trabalhar nos Estados Unidos, é preciso cumprir alguns requisitos básicos, como ter a formação de piloto, habilitação americana para pilotar aeronaves comerciais ou de carga e experiência como piloto em uma companhia aérea comercial por pelo menos 5 anos. Ter mais de 2 mil horas de experiência pilotando também ajuda consideravelmente.”
A cada dia está mais difícil encontrar professores e educadores em geral nos Estados Unidos, de acordo com o Learning Policy Institute. Entre os principais motivos alegados para este déficit estão: baixos salários, dificuldades de professores mais velhos em adaptar-se às novas tecnologias (ensino a distância), piora do comportamento dos estudantes na sala de aula e aumento da politização nas escolas e universidades. Washington, Arizona, Indiana, Califórnia e Nevada estão entre os estados com maior carência de educadores, afirma Gondin.
“Para educadores estrangeiros que desejam atuar nos EUA, as principais oportunidades estão nos campos de educação para crianças especiais e em cursos de idioma, com rendimentos anuais que podem variar de 60 a 90 mil dólares, dependendo do Estado e da especialização do profissional”, diz o advogado.
Califórnia, Texas e New York são as regiões com maior concentração de oportunidades para profissionais de TI nos Estados Unidos. Ainda assim, as grandes big techs e corporações americanas não conseguem encontrar profissionais em quantidade e capacidade suficiente para atender a demanda do mercado de desenvolvimento de novas tecnologias, afirma Gondin. “O Departamento de Trabalho estima que existem 1.5 milhão de vagas de emprego para profissionais de TI disponíveis até o final deste ano.”
Entre todas as áreas profissionais que sofrem hoje com falta de profissionais no país, TI é disparadamente a que mais preocupa o governo americano, e que, consequentemente, oferece mais oportunidades para imigrantes bem capacitados. “Dependendo do ramo de especialização do profissional de TI, os rendimentos anuais podem variar de 200 a 300 mil dólares por ano,” diz Gondin.
Com o lockdown causado durante a pandemia, ficou evidente pela primeira vez na história a grande importância dos profissionais da área logística (portuária, aeroviária, rodoviária, etc.) que precisaram trabalhar duro para manter o fluxo de bens e serviços essenciais circulando. Com o crescimento dos serviços de entrega de produtos e alimentos, além de aplicativos de transporte, criou-se também um déficit de profissionais de logística, diz Gondin.
“Pessoas que trabalham nesta área são necessárias em todos os estados americanos, com remunerações anuais que podem variar substancialmente de acordo com o tipo de serviço que será prestado. Entre os profissionais de logística mais bem pagos estão motoristas de caminhões e engenheiros de logística, ambos com rendimentos que ultrapassam 100 mil por ano.”
O superaquecimento da economia americana faz com que, a cada ano, mais empresários estrangeiros levem seus negócios para os Estados Unidos. No entanto, ainda há espaço e incentivo para a chegada de muitos empreendedores, já que uma série de serviços e ramos comerciais estão em falta no país.
“As oportunidades estão em todos os estados, e dependendo de onde o empresário decidir montar sua empresa ou comprar uma franquia, pode haver auxílio de diversas agências não-governamentais e associações de comércio que estimulam novos negócios, concedendo empréstimos e, dependendo do caso, fornecendo incentivo financeiro e parcerias diretas”, afirma o advogado.
Entre as mais variadas nacionalidades, brasileiros estão entre aqueles que mais empreendem nos Estados Unidos atualmente, afirma Gondin. “De acordo com dados da agência americana de incentivo a novos negócios (USAID), publicada em junho de 2022, mais de 1.400 companhias e startups foram fundadas ou adquiridas por brasileiros desde 2016.”
“Somente na Flórida, estado americano com uma das maiores comunidades de imigrantes do Brasil, foram registradas novas patentes para mais de 800 produtos e empresas brasileiras desde 2020, segundo a Câmara Americana de Comércio (American Chamber of Commerce)”, diz Gondin, que reforça que academias de artes marciais, salões de beleza, bares especializados em culinária brasileira e comércio de roupas estão entre os negócios mais frequentes e, quase sempre, mais rentáveis.]
Esta reportagem foi publicada em 22 de dezembro de 2023. Clique aqui para o link original.