A chef Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto: criar receitas não parece trabalho (Ricardo Benichio / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 19 de julho de 2013 às 08h32.
São Paulo - Imersa em ingredientes, temperos e instrumentos de cozinha, Ana Luiza Trajano, de 35 anos, chefe dona do restaurante Brasil a Gosto, em São Paulo, mal percebe quando o corpo cansa e precisa parar. "Enquanto estou criando na cozinha não preciso procurar motivações", diz Ana Luiza.
É algo natural, como o trabalho do músico Edgard Scandurra, ex-integrante do grupo Ira!, de São Paulo. Quando pega na guitarra, ele dedica pelo menos 4 horas a composições, ensaios e estudos. "Em períodos de gravação, chego a até 12 horas de imersão em estúdio sem lembrar que existe mundo lá fora", diz Edgard.
"Trabalhar é um grande prazer", afirma. Embora seja mais facilmente detectado em profissões criativas, esse estágio pleno de satisfação com o trabalho, que faz a pessoa se esquecer da vida enquanto realiza alguma tarefa, está ao alcance de qualquer um.
"Algumas das descrições mais vívidas de prazer no trabalho são de operários que executam tarefas simples", afirma o húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia e gestão e fundador do Centro de Pesquisa de Qualidade de Vida da Claremont Graduate University, da Califórnia, que há 40 anos estuda o processo de satisfação no trabalho.
Há duas boas razões para perseguir esse nirvana produtivo: felicidade na carreira e melhora no desempenho. Quem trabalha com o que gosta é capaz de se empenhar em cada tarefa sem que isso implique um dispêndio grande de energia. Ao fazer isso, a pessoa tem resultados melhores sem muito esforço, o que traz motivação para fazer mais.
É um ciclo: você trabalha bem, fica feliz e a felicidade estimula a fazer mais. “Uma das melhores maneiras de trabalhar sem nem perceber é prestar atenção ao que você gosta e sente-se capaz de fazer com qualidade”, afirma Mihaly. Prazer no trabalho é a maior aspiração dos profissionais atualmente.
Segundo o Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar 2012, 87% dos funcionários dizem que a principal razão para permanecer em um emprego é gostar do trabalho. Gostar, entenda-se, significa dar vazão ao talento — e isso é possível para qualquer profissional.
Uma pesquisa feita em 2012 pela Society for Human Resource Management, entidade que reúne profissionais de recursos humanos dos Estados Unidos, revelou que ter oportunidades de empregar as próprias habilidades é identificado como um dos principais fatores de satisfação dos profissionais, mas apenas 38% das 600 pessoas pesquisadas estão satisfeitas com o uso que dão às suas competências.
Na psicologia, esse momento em que trabalho e prazer se unem chama-se fluxo. Trata-se de um conceito cunhado por Mihaly nos anos 1970, mas que voltou ao debate numa época em que a discussão de felicidade no trabalho é tão presente.
Ao observar a imersão de artistas, especialmente pintores, em seu trabalho, o pesquisador interessou-se por entender os mecanismos desse processo. Após estudar diversos grupos de profissionais, a constatação foi que qualquer pessoa pode sentir-se absorta em uma atividade, independentemente da carreira.
Hoje, o conceito é visto como um indicador de satisfação com a vida ou de felicidade. Essa sensação de prazer é aquele momento em que se está tão envolvido em uma atividade que o tempo voa, a concentração é extrema e a pessoa explora suas habilidades ao máximo. "Quando se atinge esse estado, toda ação, movimento e pensamento fluem numa sequência natural como um músico ao tocar jazz", diz Mihaly.
Em sua pesquisa, ele descobriu que entrar nesse estado de graça da produtividade não tem nada a ver com desenvolver uma atividade artística, mas com o casamento perfeito entre a habilidade e o tamanho da tarefa. O desafio precisa ser exigente o suficiente para a pessoa, mas não árduo demais, a ponto de fazer o profissional temer o fracasso.
Para crescer na carreira, um profissional precisa buscar a realização de tarefas em que possa aplicar sua destreza ao máximo. Se o desafio é pequeno para a habilidade, ele evolui pouco por não aprender. Se a meta é dura demais, ele sente-se incapaz de atingi-la.
A rotina de Andrea Salzano, de 43 anos, diretora de contas da Unilever Brasil, de São Paulo, exige respostas rápidas e criativas para conciliar as demandas de uma equipe de 400 profissionais e dos principais clientes da multinacional de bens de consumo.
"Ter necessidade de me movimentar faz com que eu ame o que faço e encontre satisfação pessoal também", afirma Andrea. Apesar de estar num ambiente aberto, sem salas e mesas fixas, Andrea sente que sua produtividade flui e que não precisa de esforço para se concentrar.
"Prefiro dizer que sou inspirada a focada porque, quando noto, já estou trabalhando sem precisar que a tarefa peça para ser executada", diz Andrea. Ver o desenvolvimento das pessoas a sua volta é outra fonte de prazer para ela. "Quando vejo, o dia passou e já está na hora de ir para casa", diz.
Prazer na tarefa
As pesquisas de Mihaly mostraram que um dos pontos principais para entrar em um estado de intenso envolvimento emocional com uma tarefa é executar um trabalho que seja recompensador por si — o prazer está em fazê-lo, e não no resultado.
Como quem determina as melhores estratégias para ganhar um jogo, Pedro Ribeiro, de 29 anos, comprador da Lear, fabricante de assentos automotivos e de sistemas de gestão de energia elétrica em São Paulo, gosta do momento em que está negociando e pode avaliar várias alternativas em poucos instantes.
"Quando minha estratégia funciona, o bom resultado da compra é somente consequência do meu trabalho bem-feito", diz Pedro. Assim, ele se sente satisfeito com o que é capaz de fazer e passa para a fase seguinte do trabalho, uma nova negociação. "Se a realização fosse permanente, não teria motivo para enfrentar os desafios", afirma Pedro.
Outro sinal de que você atingiu esse estado é a profunda imersão no trabalho que está fazendo, sem pensar no passado ou no futuro. Segundo uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Harvard com 2 250 pessoas, o foco e a imersão em uma única atividade são parte do que produz felicidade profissional.
Os voluntários mostraram-se mais felizes quando desempenhavam tarefas que exigiam deles uma concentração maior, ainda que fosse um simples diálogo. De acordo com os responsáveis pelo estudo, foco contribui com a felicidade. A tendência da mente humana é a dispersão, mas são as atividades realizadas de maneira concentrada que proporcionam satisfação.
"Preciso me sentir útil, fazer parte do que está acontecendo na empresa", diz Samantha Giusti, de 37 anos, gerente de parcerias da Microsoft, que gosta de trabalhar da maneira mais intensa possível.
Dispor de muito tempo livre não é prioridade para Samantha, que se sente melhor quando a agenda está cheia. "Amo resolver quebra-cabeças, encontrar soluções para os clientes e ver que consigo aliar interesses de ambos os lados."
Felicidade em ajudar
Há quem só consiga ser feliz profissionalmente quando considera seu trabalho importante para outras pessoas além de si, o que leva a um sentimento de fazer parte de algo maior. “Uma vez uma namorada perguntou para mim por que eu estava tão feliz”, diz Jonas Bernardes, de 34 anos, gerente de operações na Indra, empresa de tecnologia de São Paulo.
"Apontei para um software e disse que as pessoas estavam usando algo que eu tinha ajudado a desenvolver e que aquilo ajudava na vida delas." Programar e gerenciar os projetos de sua equipe não leva Jonas a um esforço desagradável.
"Ter um desafio novo, de tempos em tempos, ajuda na concentração", diz. Para ele, trabalhar é parte absolutamente natural da vida, uma necessidade, como dormir. "Mas a melhor parte é ver alguém usar o software, devolver algo importante para a sociedade", afirma Jonas.
Também é assim que Max Rodrigues, de 28 anos, propagandista vendedor da farmacêutica Pfizer em Recife, vê seu trabalho. Para ele, desenvolver uma atividade profissional que, além de ter um benefício próprio, ajuda outras pessoas faz a vida ter sentido.
"Isso traz prazer para mim e me faz mergulhar a ponto de esquecer as outras coisas", diz. "Não sou só um propagandista, sou o companheiro do médico, é como se ele fosse o Batman e eu fosse o Robin."
O estado de fluxo estudado por Mihaly não se estende por todo um dia de 8 horas de trabalho, mas, sim, por várias experiências prazerosas, cada uma de alguns minutos. Cabe a cada profissional identificar carreiras e atividades desafiadoras e instigantes que levem à imersão. Essa é uma das chaves para sentir-se realizado com o trabalho.