Montagem com cenas brasileiras relacionadas a 2014 (Mauricio Flec / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 24 de julho de 2014 às 13h54.
São Paulo - Atípico. Essa é a palavra mais comum de se ouvir quando se fala sobre 2014. Isso porque o calendário brasileiro tem dois eventos que, combinados, vão mudar a dinâmica do mercado de trabalho e da economia.
A Copa do Mundo, que começa no dia 12 de junho e se encerra no dia 13 de julho, tem feito com que as empresas acelerem decisões de investimentos e contratações — e, eventualmente, de cortes. A partir de julho, a atenção de boa parte dos brasileiros, líderes empresariais, empregadores e políticos estará voltada para as eleições, que têm primeiro turno em 5 de outubro.
No plano econômico, as previsões de aumento do produto interno bruto (PIB) giram em torno de 1,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, e 2,4%, na análise do Banco Mundial. “É o intervalo de projeção mais amplo desde a crise de 2008”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores.
Quando o assunto é trabalho, embora a taxa de desemprego se mantenha baixa — o índice medido pelo IBGE em 2013 foi de 5,4%, a menor taxa desde 2002 —, a criação de empregos não deve surpreender. Para Dárcio Crespi, sócio da Heidrick & Struggles, consultoria de recrutamento de executivos, o mercado de trabalho em 2014 deve se comportar como no ano passado.
“A economia brasileira não está em crise, mas não vemos sinal de um crescimento sustentável, ou seja, a abertura de novas posições. Elas irão acontecer, mas não em grande quantidade. Serão principalmente por causa da substituição natural de empregados, que acontece nas empresas, ou da mudança de perfil dos negócios, como tem ocorrido nas grandes redes de supermercado, que estão privilegiando o comércio eletrônico em vez da abertura de mais lojas físicas”, diz.
Dárcio acredita que o movimento maior no mercado de trabalho pode vir da infraestrutura, já que há a expectativa de obras, como as de expansão de aeroportos e metrôs. “Além de gerar vagas diretamente no setor da construção, vai impactar o comércio de equipamentos e insumos para grandes obras”, afirma.
Para quem quer buscar um novo emprego, Dárcio afirma que este será um ano mais seletivo e é importante ouvir propostas, mas examinar com cautela os riscos antes de tomar uma decisão. Para cada avaliação moderada, como a de Dácio, há uma otimista e outra, pessimista.
Jacques Sarfatti, sócio da Russell Reynolds, afirma que, apesar das previsões negativas no fim do ano passado, 2014 começou bem. “Ainda não sei dizer se isso é reflexo de uma demanda que estava represada, já que em 2013 tivemos um cenário inconsistente.
De modo geral, houve uma recuperação de todos os setores, mas consumo e indústria voltaram melhor neste ano”, diz. A expectativa de Jacques é que esse ritmo se mantenha, pois há projetos de longo prazo sendo tocados. “Pode ser um bom momento para quem quer uma nova posição”, afirma.
Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências, tem uma visão mais pessimista. “Ainda que a taxa de desemprego esteja entre os menores índices da série histórica, há geração menor de vagas e uma diminuição da renda real.
Em 2012, o rendimento do trabalhador brasileiro avançou 4,1%. No ano passado, só 1,8%”, afirma Alessandra. Como a estratégia de crescimento do país é baseada no consumo, queda de renda significa menor movimento do comércio e dos serviços, o que deve afetar negativamente a criação de novos postos de trabalho.
Os arrojados têm vez
Tantas incertezas fazem com que os profissionais fiquem mais receosos quanto a mudanças profissionais. Uma pesquisa do PageGroup, especializado em recrutamento, com 191 executivos brasileiros, revela que 48% pretendem se manter na mesma empresa e cargo neste ano.
Na edição anterior da pesquisa, no ano passado, esse índice ficava em 30%. “As pessoas estão mais conservadoras em relação à carreira. Mas essa é uma decisão bem pessoal. Quem quer mudar vai ver que há nichos com boas oportunidades. Os profissionais de tecnologia, por exemplo, são requisitados em todos os setores”, diz Leonardo de Souza, diretor da Michael Page, no Rio de Janeiro.
O primeiro semestre, em especial, deve ser um dos melhores períodos para quem quer fazer mudanças profissionais. “Mesmo em um cenário mais complexo, as empresas continuam com suas metas de crescimento.
A procura por candidatos começou forte neste ano, principalmente porque as empresas querem adiantar seus resultados em razão do calendário mais apertado por causa da Copa do Mundo e das eleições”, diz Fábio Saad, gerente sênior da divisão financeira da Robert Half. “Ainda que não haja uma expansão de vagas no ritmo de 2010 e 2011, há demanda de contratações e dificuldade de encontrar profissionais para algumas áreas”, afirma Luís Testa, executivo responsável pela área de estratégia e pesquisa da Catho.
Segundo a Pesquisa de Expectativa de Emprego Manpower para o Primeiro Trimestre de 2014, realizada com 850 empregadores no Brasil, a diferença entre o percentual de empresas que pretendem contratar e as que pretendem demitir deixa um saldo positivo de 10% de empregadores com a intenção de aumentar o número de funcionários.
Entre as regiões pesquisadas, as melhores perspectivas de trabalho estão no Rio de Janeiro, onde 18% das empresas planejam aumentar o quadro de empregados. “Isso, com certeza, é reflexo de uma demanda causada pelos eventos Copa do Mundo e Olimpíada.
Mais do que o pré-sal, o que chama a atenção é o setor de serviços”, diz Márcia Almström, diretora de recursos humanos do ManpowerGroup. No estado de São Paulo e no Paraná, 17% das empresas pretendem contratar. Minas Gerais aparece como a região mais pessimista, com saldo de 8% de contratações.
Para Luís Testa, da Catho, quem quer mudar de emprego deve aproveitar o momento. “As empresas estão buscando profissionais e pagando salários melhores. O Índice Catho-Fipe de Salários Ofertados mostrou que houve um aumento de 11,2% nos salários ofertados nos últimos 12 meses”, diz Luís, que ressalta que os profissionais de saúde, engenharia e tecnologia estão entre os mais procurados. Márcia Almström, do Manpower, concorda.
“Este início de ano está surpreendendo. As empresas querem tomar decisões e fazer com que os negócios sejam mais competitivos. O volume de contratações de mão de obra executiva, gerencial e de base em janeiro foi 17% maior do que no mesmo período do ano passado”, diz Márcia.
Eleições
Além da falta de investimento, diminuição da oferta de crédito e inflação em alta, em 2014 a economia sofre influência da incerteza causada pelas eleições em outubro — principalmente a presidencial.
“A disputa dá sinais de que será concorrida e esse cenário de competição pode gerar uma certa paralisia nas decisões. As pesquisas apontam para a reeleição do atual governo, mas não há nenhuma indicação de que a política econômica vá mudar, e isso deixa os agentes econômicos receosos”, diz Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências.
“Por causa das eleições, o governo deve tentar fazer algo que traga algum estímulo para a economia, mas não há muita margem de manobra porque já gastou todas as fichas”, afirma Silvia Maria Matos, do Ibre/FGV, no Rio de Janeiro, referindo-se aos incentivos fiscais para a compra de automóveis e a implantação do programa de financiamento do BNDES para a compra de máquinas e equipamentos.
Salários, promoções e mudanças
Neste ano, diante de uma perspectiva de baixo crescimento econômico e otimismo moderado dos empregadores, pedir aumento requer mais autoanálise. “O profissional precisa ter condições de demonstrar que está produzindo acima do esperado. Não justifica dizer que o colega ganha mais do que ele ou que a área como um todo está indo bem”, diz Juliano Ballarotti, diretor da consultoria Hays.
“O profissional deve estar atento ao que acontece no setor em que atua a fim de conseguir tomar decisões no curto prazo. Mas também deve entender como a economia nacional e a internacional afetam sua área de trabalho”, diz Silvio Celestino, sócio da Alliance Coaching. “Como está a empresa onde você trabalha? O seu aumento cabe no orçamento? Pedir aumento ou promoção se a empresa não vai bem é algo que pega mal”, diz Silvio.
Mesmo que não haja perspectivas de que o desemprego cresça no país no curto prazo, os especialistas em carreira afirmam que é preciso ser produtivo e investir na carreira para garantir o lugar no mercado de trabalho.
“Muitas vezes, o profissional pensa: ‘Estou fazendo um trabalho que não é meu, é do meu chefe’ e quer argumentar que por isso merece um aumento, sem perceber que isso pode ser um teste. As empresas querem saber se os profissionais podem produzir mais, principalmente se estão em algum setor que precisa reverter resultados.
Essa pode ser a chance de conseguir uma posição gerencial, por exemplo”, afirma John Cymbaum, sócio da FTR Coaching. Em sua opinião, este ano é um bom momento para investir no autodesenvolvimento. “Sempre é hora de se aprimorar, mas, quando a situação se mostra um pouco mais nebulosa, pode ser uma boa saída fortalecer a posição de carreira.”
Agronegócio
A surpresa no resultado do PIB de 2013 foi o agronegócio. O setor teve crescimento de 7,4%. Pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ano fechou com uma safra recorde de 186,8 milhões de toneladas de grãos. Para 2014, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê uma colheita de 195 milhões de toneladas.
Emprego
Segundo o guia salarial da Robert Half, o agronegócio continua em aceleração e isso se reflete em salários em alta. Engenheiros, especialistas em recursos humanos e na área jurídica são requisitados no setor. “O mercado financeiro também busca profissionais para análise de crédito para o agronegócio”, diz Fábio Saad, gerente sênior da divisão financeira da Robert Half. Só a gigante Monsanto, de biotecnologia voltada para a agricultura, deve contratar 500 pessoas em 2014.
Varejo
O crescimento do varejo deve ser um pouco melhor do que no ano passado, 6% ante 4,5%, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Alguns setores do varejo se beneficiarão, como o de bebidas e a venda de televisores. Já a linha branca e a venda de carros começam o ano com a desvantagem do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Emprego
“As oportunidades estão principalmente no Nordeste. As empresas ainda estão num movimento de se instalar para atender melhor a região. No Sudeste, há o fortalecimento de marcas de alto poder aquisitivo”, diz Leonardo de Souza, diretor da Michael Page.
Shopping centers
O faturamento com vendas em shopping centers no Brasil chegou a 129 bilhões de reais no ano passado, um crescimento de 8,6% em relação a 2012. Segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers neste ano serão inaugurados 40 novos centros de compras: 22 deles na região Sudeste (principalmente no interior de São Paulo), sete no Nordeste, cinco no Norte, quatro no Sul e dois no Centro-Oeste.
Emprego
Neste ano, os 495 shoppings no Brasil devem gerar 1 milhão de postos de trabalho nas áreas de vendas e comercial.
Serviços
Do total de postos de trabalho criados no ano passado, 49% foram gerados por empresas de serviços. O segmento deve repetir o desempenho neste ano.
Emprego
O setor de turismo e hotelaria se mantém em alta. Em janeiro, a rede Meliá, que tem 14 unidades no país, anunciou um novo endereço em São Paulo e a abertura de cinco unidades até 2016. O Grupo Multi, dono das escolas de idiomas Wizard e Yázigi, planeja abrir 260 novas unidades, criando 5 200 vagas.
Construção civil e obras de infraestrutura
A construção civil cresceu acima de 7% em 2012, mas reduziu o ritmo para 1,6% no ano passado. Em 2014, as oportunidades de trabalho vão estar nas capitais do Nordeste, sobretudo em Recife, e nas do Sudeste — São Paulo e Rio de Janeiro, que são mercados de maior poder aquisitivo.
Em infraestrutura, a expectativa é que a agenda de concessões do governo reaqueça o setor, mas isso depende de articulação política para liberar os recursos. Ao todo, são 80 bilhões de reais a ser investidos em rodovias, usinas de energia, portos, aeroportos e na exploração de petróleo e gás. No Nordeste, a instalação de polos industriais no Ceará e em Pernambuco mantém a dinâmica de contratações acelerada tanto em infraestrutura quanto na construção civil.
Emprego
No Sudeste, a maior demanda é por profissionais experientes para administrar projetos inteiros. “No Nordeste, a procura é por engenheiros civis, de estrada e projetistas”, diz Felipe Mançano, da Michael Page.