Carreira

Discurso certinho de empresas não evita discriminação a gays

A opinião é de Arthur Irigaray, professor da FGV. Segundo ele, as empresas elas ainda precisam aprender a lidar com a diversidade e tirar proveito disso

Arthur Irigaray, da PUC e da FGV do Rio de Janeiro: "Não se deve vitimizar os homossexuais nem dar regalias a eles" (Isabella Kassow / VOCÊ S/A)

Arthur Irigaray, da PUC e da FGV do Rio de Janeiro: "Não se deve vitimizar os homossexuais nem dar regalias a eles" (Isabella Kassow / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 17h16.

São Paulo - Desde o início do ano, o debate público a respeito de direitos de homossexuais tem sido intenso. Se, por um lado, houve um avanço importante no reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, também foram vistas, nos últimos meses, manifestações de ódio, que vão de linchamentos a declarações condenáveis de políticos.

Essa mesma dinâmica da sociedade é reproduzida no ambiente de trabalho. Nas empresas, a homofobia é um assunto proibido, mesmo em lugares que promovem a diversidade.

"Trata-se de um reflexo da cultura machista brasileira, um traço profundo da própria identidade nacional", diz Hélio Arthur Reis Irigaray, professor da Fundação Getulio Vargas e da Pontifícia Universidade Católica, ambas do Rio de Janeiro, e autor de uma tese de doutorado sobre orientação sexual e ambiente de trabalho brasileiro. Na entrevista a seguir, Arthur Irigaray mostra que ainda há muito a avançar. 

VOCÊ S/A - Como a homossexualidade é tratada no ambiente corporativo?

Arthur Irigaray  - As organizações têm um discurso certinho, de responsabilidade social e de inclusão de minorias. Mas, ao ouvir um homossexual descrever a vida corporativa, tudo muda de figura. Até hoje existem casos de gays agredidos fisicamente no trabalho, mesmo em corporações com política de diversidade. O homem branco heterossexual tem muito mais facilidade para progredir na carreira do que o gay.

No caso de homens homossexuais, eles são bem aceitos quando são cabeleireiros, comissários de bordo, profissionais das artes, que são carreiras associadas às mulheres. Fora isso, os gays assumidos esbarram em tetos invisíveis. A dificuldade de crescimento profissional existe mesmo em companhias com políticas de inclusão estabelecidas. 

VOCÊ S/A - As políticas de diversidade não são efetivas então?

Arthur Irigaray  - Não são. A discriminação contra os homossexuais existe e está associada à discriminação sofrida por mulheres. Quando igualo um homem gay a uma mulher, é para dizer que ele é frágil, fofoqueiro, instável emocionalmente.


Ao desqualificar gays, mulheres, negros e outras minorias, faz-se uma reserva de cargos na elite corporativa para homens brancos heterossexuais. Eles se privilegiam da diminuição do número de competidores. Há o caso de um banco estrangeiro com políticas de inclusão no qual, para chegar a níveis gerenciais, é preciso ser expatriado.

Uma das condições para morar fora do país é ser casado. Mas as regras conflitantes não são o pior: um suposto tipo de humor atrapalha a efetividade das políticas de diversidade no dia a dia. 

VOCÊ S/A - Humor e preconceito andam juntos nesse caso?

Arthur Irigaray  - Defender-se de um Jair Bolsonaro é fácil porque ele dá a cara a tapa. Mas e daqueles que contam piadinhas aparentemente inofensivas? Humor é um traço cultural muito forte no Brasil. Homossexual é o engraçado, a bichinha, a histérica, ou seja, não pode ser gerente.

Afinal, pelo senso comum, um bom gestor é aquele capaz de tomar decisão, detentor de voz de comando, duro, inflexível. Se o gay é pintado nas piadas como tudo menos isso, está fora do jogo. É mais difícil defender-se nesse caso. Se ele revidar, dizem que não tem senso de humor.

Por mais que as empresas sejam contra as piadas, fazem vista grossa. A hipocrisia do ambiente corporativo é reflexo da existente na sociedade. O problema é o gay assumido. Vida dupla pode. A executiva pode estar sozinha; para todos os efeitos, abriu mão do pessoal pela carreira. O executivo tem de ter esposa. Acho que isso mudará com as novas gerações. 

VOCÊ S/A - O machismo do brasileiro é o responsável por essas situações?

Arthur Irigaray  - Ameaçar a masculinidade do machão brasileiro é complicado, mexer na formação cultural de um povo é difícil mesmo. O preconceito aqui é dos homens e das mulheres. Elas também têm resistência. 

VOCÊ S/A - Muitas empresas, porém, têm políticas de inclusão de minorias. Por que elas investem nisso?

Arthur Irigaray  - Por interesse em resultados melhores, por necessidade de imagem pública positiva ou por pressão da lei. A inclusão dos deficientes, por exemplo, se deu porque a lei obriga. 

VOCÊ S/A - Como um hétero deve agir com um gay no ambiente de trabalho para torná-lo harmonioso?Arthur Irigaray  - Não se deve vitimizar os homossexuais nem dar regalias a eles. A proteção deve existir apenas para não permitir ataques. Se a empresa fizer vista grossa para discriminações pontuais, pode haver repetições, e assim caracteriza-se o assédio moral. Hoje, qualquer telefone grava.

O que se coloca em e-mail e em rede social é público. Se o funcionário catalogar a "perseguição", a empresa será responsabilizada pela Justiça. O empregador tem de garantir o bem-estar físico e psicológico no ambiente de trabalho.

Os gestores que observam situações de preconceito têm de educar os subordinados, mas as sanções também precisam existir. É esse o caminho para as políticas de inclusão de minorias saírem do discurso para a prática no dia a dia. 


VOCÊ S/A - Os gays se sentem respaldados para denunciar injustiças?

Arthur Irigaray  - Os gays não denunciam, geralmente, por medo e por constrangimento. Mesmo nos dias de hoje é muito difícil se expor. Afinal, a homossexualidade tem um passado ligado a pecado, doença e crime. E, ainda que se crie coragem para ultrapassar essas barreiras, há o medo de impunidade e de retaliação.

Conheço o caso de uma funcionária que denunciou o chefe por assédio sexual à empresa, e ela foi demitida. A companhia alegou que a moça deu motivo porque usava vestidos decotados. O mesmo risco de a vítima ser prejudicada existe com os gays. 

VOCÊ S/A - Homossexual discrimina? 

Arthur Irigaray  - Sim. Certa vez entrevistei um executivo, gay assumido, vice-presidente de um grande banco, para um trabalho acadêmico. A homossexualidade não foi empecilho para a carreira. Quando perguntei se ele militava por seus direitos e se ia à Parada Gay, respondeu: "Eu? Parada? O que tenho a ver com aquela gente feia, desdentada e pobre?". 

VOCÊ S/A - Avanços conquistados pelos gays, como a união estável, vão se refletir na organização?

Arthur Irigaray  - Tudo muda, mas leva tempo. As mulheres tiveram de batalhar para conquistar seu espaço no mercado, sair de casa e poder trabalhar.  

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