Carreira

Talento emergente

Mais escolarizados, independentes e confiantes, os jovens da classe média brasileira conquistam melhores empregos, sonham em empreender e são um exemplo para quem acredita que o sucesso é fruto do trabalho

Entrada da Uninove em São Paulo: estudo impulsiona progresso de jovens profissionais (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)

Entrada da Uninove em São Paulo: estudo impulsiona progresso de jovens profissionais (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2014 às 14h49.

São Paulo - Em janeiro deste ano, jovens e adolescentes da chamada classe C, que têm renda familiar per capita entre 320 e 1 120 reais, despertaram a atenção de todo o Brasil ao organizar em shopping centers grandes aglomerações, que ficaram conhecidas como rolezinhos.

Na tentativa de explicar esse fenômeno, falou-se do desejo de consumo desse público, da falta de opções baratas de lazer nas metrópoles e até de certo caráter político desses eventos criados nas redes sociais. No entanto, um aspecto passou despercebido das análises desse grupo: o trabalho. A renda obtida com suor exerce um papel central na composição do estilo de vida do jovem brasileiro da classe C.

O consumo de marcas de grife é a face mais visível, mas o dinheiro também permite que os profissionais iniciantes ajudem a engrossar o orçamento da família. Essa responsabilidade, nascida da dificuldade, faz essa camada da população entender carreira de um modo maduro e corajoso, que merece ser conhecido.

Dos 23,1 milhões de brasileiros da classe C que têm entre 18 e 30 anos, 72% estão ocupados e 59% têm empregos formais, segundo o instituto de pesquisas Data Popular. Em geral, ocupam cargos de baixa qualificação. A renda média desses jovens é de 914 reais. Nas ruas, eles moldam sua identidade comprando celulares, tênis e roupas com o que sobra de seu salário.

Dentro de casa, ao contribuir com a renda doméstica, recebem uma injeção diária de autoconfiança. “Eles têm orgulho dos pais, que lutaram para que tivessem uma educação melhor, e ao mesmo tempo são respeitados por trazer dinheiro e por ser a conexão da família com o mundo digital, um universo que a geração anterior da classe C não conhece tão bem”, diz Renato Meirelles, presidente do Data Popular.

É uma situação muito diferente do que ocorre nas famílias das classes A e B. Pais ricos já são incluídos no mundo digital e desconfiam da capacidade dos filhos até o momento em que eles ingressam no mercado de trabalho, o que acontece mais tardiamente em relação aos rebentos da classe C. “É a principal diferença do jovem da classe C para seus pares das classes A e B”, diz Renato.

O estudo é o principal passaporte para garantir um futuro mais próspero, na opinião desse jovem, segundo o Data Popular. Metade dos jovens da classe média de hoje tem pelo menos o ensino médio completo. Na geração anterior, só 22% concluíram o ensino médio. Em 2013, o número de matrículas no ensino técnico passou de 1,4 milhão, um crescimento de 144% em relação a 2003, segundo dados do Ministério da Educação.

O acesso ao ensino superior no país também deu um salto na última década, embalado por programas governamentais, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), e pela multiplicação das universidades — o que estimulou a concorrência e tornou as mensalidades mais acessíveis.

As matrículas mais do que dobraram em dez anos, ultrapassando 7 milhões em 2012. “Ter ensino médio completo hoje não serve para crescer no trabalho”, diz o eletricista Iago Fioravante, de 22 anos, de Barra Mansa, interior do Rio de Janeiro. Pai de uma menina de 10 meses, Iago acorda às 6 da manhã e trabalha durante 11 horas numa empresa de transporte urbano da cidade.

Ao fim do expediente, pega dois ônibus e leva 1 hora para chegar a Resende, cidade vizinha. Caminha mais 15 minutos até a unidade do Senai onde está fazendo seu segundo curso técnico em dois anos, na área de mecatrônica. Seu objetivo: competir por uma vaga mais bem remunerada no polo automobilístico de Resende, onde estão concentradas montadoras como Peugeot Citroën, Hyundai e Nissan. “Tenho de correr atrás e me qualificar para comprar uma casa para minha mãe e dar mais conforto à minha família”, diz Iago.

Mais escolarizados, os novos profissionais oriundos da classe C têm a possibilidade de conquistar ocupações de maior qualificação e, consequentemente, melhores salários. O mercado brasileiro paga hoje, em média, 200% mais para trabalhadores com ensino superior, em comparação com o que recebem aqueles que completaram apenas o ensino médio, de acordo com estudo do Centro de Políticas Públicas do Insper, escola de negócios de São Paulo.

Quem tem ensino técnico ganha em média 17% mais. O efeito grau superior faz com que o jovem da classe C tenha hoje uma renda bem próxima da de seus pais, segundo o Data Popular. É o que faz com que eles ganhem moral em casa. “Eles costumam ter mais voz nas decisões familiares do que os jovens de classe alta”, diz Renato.

Sob o olhar das empresas

Com diploma e confiança, esses jovens passaram a integrar um pool de talentos que as empresas monitoram cada vez mais de perto, em busca dos que se destacam. Nos últimos três anos, a Cia de Talentos, uma das principais gestoras de programas de trainee no país, aumentou de dez para 50 o número de universidades em que faz campanhas para captar candidatos, ampliando o foco para muito além das instituições consideradas de ponta.

“Os jovens talentos estão cada vez mais em mais lugares, e as empresas estão percebendo isso”, diz Renata Magliocca, gerente de inovação da Cia de Talentos, de São Paulo. “Por isso trabalhamos hoje com as principais universidades voltadas para as classes C e D.”

Para aproveitar essa força de trabalho emergente, a consultoria tem feito alguns ajustes no processo de seleção, dando menor valor a critérios mais elitistas, como fluência em língua estrangeira, e colocando maior ênfase em aspectos comportamentais, história de vida e alinhamento com a cultura do empregador. Nisso, o jovem de classe C leva vantagem.

“É cada vez mais valorizado o candidato que correu atrás, que trabalha para ajudar em casa e pagar os estudos. Sua experiência prática, energia e maturidade podem compensar uma eventual lacuna na formação”, diz Renata.

Iago Fioravante, eletricista: "Tenho de correr atrás e me qualificar para comprar uma casa para minha mãe e dar mais conforto a minha família” (Marcelo Correa / VOCÊ S/A)

No lugar do cliente

A crescente importância dos consumidores da classe C para os negócios é outro aspecto favorável desses jovens. As empresas, especialmente dos setores de bens de consumo e varejo, precisam de profissionais que conheçam os hábitos e as preferências desse público cada vez mais estratégico, que carrega hoje 56% dos cartões de crédito em circulação no país, segundo o Data Popular.

Voltada para o consumidor de baixa e média renda, a rede de móveis e eletrodomésticos Casas Bahia é um exemplo disso. Ao selecionar sua equipe, a empresa prioriza a identidade do candidato com o público e flexibiliza exigências quanto à formação educacional. No ano passado, foram realizadas mais de 128 horas de treinamento por empregado.

“É importante para nós que o perfil social dos funcionários represente bem nosso público”, diz Paulo Naliato, diretor executivo de recursos humanos da Via Varejo, controladora da Casas Bahia. Entre os 60 000 funcionários da rede, 75% têm apenas ensino médio completo e somente 9% fizeram curso superior.

Apesar das melhorias nos últimos anos, o novo profissional ainda enfrenta uma série de obstáculos para alcançar seus objetivos profissionais. A taxa de desemprego da população entre 18 e 24 anos, ainda que tenha caído 10 pontos percentuais nos últimos dez anos, é mais do que o dobro da média geral.

A falta de informações sobre o mundo do trabalho e de experiência prévia ainda fazem com que a inserção no mercado seja lenta e difícil. O estágio, que poderia ajudar no direcionamento da carreira e abrir portas, nem sempre é uma opção viável. “O estágio paga menos ainda do que um emprego sem qualificação. É uma questão angustiante para eles”, diz Lizandra Brandani, coordenadora de psicologia da Universidade Anhanguera, de São Paulo.

Uma vez no mercado de trabalho, o tempo gasto para encontrar uma segunda oportunidade diminui, mas aí surge um novo obstáculo: a alta rotatividade. Pelo menos sete de cada dez jovens brasileiros perdem o emprego ao longo do ano, ante quatro de cada dez adultos.

Entre os motivos estão a concentração de vagas em setores de giro rápido, como comércio e construção civil, e a insatisfação com a escolha profissional.

“É um dado alarmante”, diz Carlos Henrique Corseuil, diretor adjunto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Muitos só têm acesso a empregos de baixa qualidade, em empresas que não se preocupam em investir e construir uma relação duradoura com eles.”

A paulista Amanda Ferreira Santos teve de enfrentar alguns desses desafios. Aos 24 anos, Amanda já teve seis empregos diferentes. Moradora de Diadema, na Grande São Paulo, ela começou a trabalhar aos 14 anos como vendedora em lojas de bairro, foi garçonete, corretora de seguro de vida e atendente de salão de beleza.

Há dois anos, conseguiu uma vaga de recepcionista na BRQ, empresa de serviços de TI, que, enfim, lhe rendeu melhores oportunidades. Amanda se interessou pela área, fez um curso de teste de softwares e entrou na faculdade de gestão de tecnologia da informação. No ano passado, foi promovida a analista júnior, sem precisar fazer estágio, e viu seu salário quase triplicar.

“Há dois anos eu não tinha noção do que era TI”, diz Amanda, que planeja começar uma pós-graduação no ano que vem, depois de se formar. “Pedi ajuda a colegas de trabalho, comecei a estudar por conta própria e hoje estou me preparando para me tornar uma gestora.”

Muitos desses jovens bacharéis foram os primeiros da família a obter diploma universitário e passaram a carregar as esperanças de ascensão social de toda a família. Mas, com o acesso mais amplo às salas de aula, a graduação deixou de ser um diferencial e não garante uma posição privilegiada no mercado.

“O jovem ganhou com o diploma, mas não tanto quanto esperava. Existia uma expectativa exagerada em relação ao ensino superior”, diz Renato, do Data Popular. “Eles têm formação generalista e, no fim do curso, percebem que precisam continuar estudando e se especializar”, diz Lizandra, da Anhanguera.

Amanda Ferreira Santos, analista de TI: "Pedi ajuda a colegas de trabalho, comecei a estudar por conta própria e hoje estou me preparando para me tornar uma gestora” (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)

Desejo de empreender

Com diploma na mão, carteira assinada e um salário satisfatório, o jovem trabalhador de classe média está começando a sonhar mais alto. Apesar de ainda valorizar a estabilidade, o ideal de carreira para a maioria deles é empreender. Quatro de cada cinco profissionais iniciantes ouvidos pelo Data Popular declaram preferir ter um negócio próprio a trabalhar para os outros.

Mais de um terço deles planeja abrir a própria empresa já nos próximos três anos. “É uma forma de ter mais liberdade, de exercer suas ideias. Eles querem, acima de tudo, ser protagonistas”, diz Renato, do Data Popular. Nisso, ele se assemelha aos jovens mais ricos, mas há uma diferença: o profissional da classe média tem uma relação mais pragmática com a carreira.

“Muitos sabem que o emprego ao alcance deles não será suficiente para fazê-los mudar de patamar. A esperança é empreender”, diz Renato. Segundo um estudo do Ipea, o lucro dos microempreendedores brasileiros aumentou em média 27% de 2003 a 2013. O faturamento cresceu especialmente na base da pirâmide: 46% entre os 5% mais pobres, comparados a 24% entre os 5% mais ricos.

Uma pesquisa inédita feita pela Anhanguera e o Instituto Endeavor com 3 200 alunos da universidade em todo o país reforça essa tendência. Entrevistados em janeiro, 16% deles afirmaram já ter o próprio negócio e 56% disseram que pretendem empreender.

O maior percentual de aspirantes a empresário foi registrado entre jovens de 17 a 24 anos e entre estudantes dos cursos de educação física, fisioterapia, tecnologia da informação e farmácia. Ao perceber esse crescente interesse, a Anhanguera criou, no ano passado, uma oficina de empreendedorismo que já certificou 15 000 alunos, e neste semestre passou a oferecer uma pós-graduação na área.

“É uma forma de o aluno confrontar sua ideia de negócio tendo o apoio do conteúdo acadêmico”, afirma Patricia Abreu, diretora de marketing da instituição.

A designer paulista Danielle Melo, de 23 anos, já está um passo à frente nesse processo. Em 2013, ela se uniu a cinco colegas para fundar o estúdio Lanterna, uma produtora de conteúdo para projeções audiovisuais de publicidade, conhecidas como video mapping. A ideia surgiu durante encontros à mesa do bar ao lado da escola e se transformou em seu trabalho final de graduação em design digital.

Além do estúdio, Danielle ainda precisa dar aulas de computação gráfica e design e fazer trabalhos freelancers para compor sua renda, o que já lhe permitiu dar entrada em um apartamento e matricular-se recentemente em uma pós-graduação em arte e cultura.

Seus sócios também mantêm outras atividades, mas a expectativa é de que no futuro todos possam se dedicar exclusivamente ao Lanterna. “É no projeto próprio que está nossa paixão. E, quando você gosta do que faz, isso deixa de ser trabalho”, diz Danielle.

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