Carreira

SXSW e o potencial do Brasil como soft power regenerativo

Mesmo sem protagonismo nos palcos do SXSW, Brasil se destaca nas ideias de Jane Goodall, Antônio Patriota e Almir Suruí — e revela caminhos possíveis para liderar uma nova reputação global baseada em escuta, regeneração e cultura

Successful and happy business team

Successful and happy business team

Oficina Consultoria
Oficina Consultoria

Autor colaborador

Publicado em 23 de junho de 2025 às 19h18.

Mesmo com a quinta maior delegação no festival, o Brasil teve presença tímida nos palcos. Ainda assim, nas ideias da inglesa Jane Goodall — mesmo sem mencionar o país — e nas falas dos brasileiros Antônio Patriota e Almir Suruí, emergiu uma beautiful collision sobre o protagonismo possível do Brasil neste contexto de transição: liderar com base na escuta, na cultura e na regeneração a construção de uma nova reputação global.

O tema do evento é um convite a cada um dos participantes a fazer sinapses e conexões improváveis. No meu meu caso, elas estão acontecendo dias depois. Ao relembrar as falas desses três líderes, dentre muitos que escutei nos seis dias evento, percebo que a sinapse entre ciência, diplomacia e ancestralidade revelaram caminhos possíveis para a construção de uma nova liderança global, com novos repertórios e comportamentos.

Goodall não falou sobre o Brasil, mas tudo o que defende — regeneração ambiental, empatia entre gerações, colaboração internacional e ação com propósito — dialoga diretamente com potenciais do nosso país. Aos 91 anos, Jane é primatóloga, etóloga, mensageira da paz da ONU e revolucionou a ciência ao demonstrar que chimpanzés usam ferramentas, constroem laços sociais e expressam emoções complexas. Em meio a reações de entusiasmo e emoção por parte da plateia, sua fala no SXSW foi mais do que uma palestra, foi um manifesto. Para ela, ainda há tempo. Mas só se formos capazes de agir com coragem, escuta e responsabilidade coletiva. Liderar, em sua visão, é servir ao futuro. Comunicar é transformar consciência em mobilização.

Foi impossível não conectar esse chamado ético à fala de Antônio Patriota, embaixador do Brasil no Reino Unido e ex-ministro das Relações Exteriores. O que Goodall apresenta como urgência planetária, Patriota traduz como possibilidade estratégica. Para ele, o Brasil tem atributos únicos — uma diplomacia respeitada, uma cultura diversa e uma narrativa ambiental legítima — que podem posicionar o país como articulador de soluções em escala global. Do Brasil para o mundo, empresas, líderes e governos, de forma individual e coletiva, podem ser indutores de novos comportamentos.

No painel da Bellwether, também no SXSW, o líder indígena Almir Narayamoga Suruí trouxe uma perspectiva ainda mais transformadora. Ele lembrou que reputação se constrói no tempo e no território. Seu trabalho é reconhecido globalmente por integrar saberes tradicionais com tecnologia de ponta. Em parceria com o Google Earth, criou sistemas de monitoramento da floresta conduzidos por seu povo, o Paiter Suruí.

Almir fala de pertencimento, de regeneração e de inovação com raízes. E nos lembra que o Brasil já possui, dentro de si, os modelos que o mundo procura: governança indígena, saberes ancestrais, coletividade, ética do cuidado. O que falta não é repertório, mas espaço para que esses saberes moldem o presente.

As falas de Jane Goodall, Antônio Patriota e Almir Suruí também nos permitem identificar competências essenciais para uma nova geração de lideranças comprometidas com a transformação global. De Goodall, aprendemos o valor da escuta ecológica e da empatia intergeracional como fundamentos para a construção de confiança e o engajamento genuíno com juventudes e territórios. Patriota nos oferece a habilidade da narrativa diplomática como instrumento de soft power regenerativo, essencial para um posicionamento global ancorado em valores, cultura e propósito. Almir Suruí, por sua vez, traz a governança relacional e a inteligência ancestral como referência para a sustentabilidade reputacional, demonstrando como saberes originários podem orientar decisões com visão de futuro. E, juntos, os três líderes reforçam a importância da responsabilidade individual e coletiva como competência transversal para gerar impacto local com projeção global, ativando redes e alianças em torno de causas comuns.

Mas o que é, afinal, esse soft power regenerativo do qual o Brasil pode ser protagonista? É a capacidade de inspirar e influenciar por meio de práticas coerentes, valores compartilhados e compromisso com a vida. Somos um país que pode traduzir o ancestral em inovação e transformar escuta em ação pública.

A COP 30, que será realizada na Amazônia em 2025, será mais do que um encontro climático, mas uma oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil não é apenas guardião da biodiversidade, mas também formulador de soluções para o século XXI.

Quando eu falo em oportunidade para o Brasil, penso especialmente nas empresas globais com operações no país. Muitas contam com estruturas robustas de comunicação para a América Latina e o Brasil, e seus executivos têm a faca e o queijo na mão para liderar as discussões e projetos sobre futuro e inovação. Todo mundo quer estar no hype, mas os desafios são bem maiores. Passa por compreender, de fato, o que o país tem de singular: uma cultura plural, uma diplomacia reconhecida, uma conexão profunda com temas ambientais e sociais, e uma reputação que pode ser ativada de forma legítima. E, nesse novo cenário, não haverá mais espaço para executivos que ainda manifestam preconceito em relação a povos indígenas, tampouco para aqueles que, mesmo dizendo-se livres de preconceitos, continuam enxergando essas pautas apenas como estética de tendência ou como oportunidade publicitária. Virar a página exige comprometimento autêntico, conhecimento e ação.

Encerrar essa reflexão exige reconhecer que a ativação do soft power regenerativo brasileiro não acontecerá por gravidade institucional, mas por competência estratégica. E é justamente nesse ponto que os especialistas em reputação se tornam agentes-chave dessa travessia. Em contextos marcados por sobreposição de crises e reconfiguração de expectativas sociais, o papel da reputação se expande para além da gestão de imagem: ela passa a ser infraestrutura simbólica para a ação empresarial e política.

Somos responsáveis por articular narrativas consistentes com as transformações em curso, antecipar tensões reputacionais, alinhar discurso e prática organizacional e qualificar a escuta ativa de stakeholders diversos. Mais do que responder ao presente, a atuação em gestão de reputação deve estruturar futuros desejáveis, conectando as capacidades institucionais de influência a demandas emergentes da sociedade. Trata-se, portanto, de operar no campo da legitimidade — e não apenas da visibilidade. E nessa jornada, a reputação é tanto bússola quanto âncora.

 * Liliane Pinheiro é CEO da Oficina Consultoria, jornalista especialista em gestão de reputação

Acompanhe tudo sobre:Branded Marketing

Mais de Carreira

Decisões sob pressão? Chefes estão usando esta técnica de 30 minutos para fazer escolhas melhores

Se você faz essas quatro coisas, sua inteligência emocional é mais alta do que imagina

Neurocientista criou uma regra de 5 minutos que ajuda a manter o foco mesmo sob pressão

Essa sequência de frases muda tudo em uma reunião com o CEO da sua empresa