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Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2013 às 16h48.
São Paulo - Aline Lopes Bering, de 24 anos, se formou em turismo, com ênfase em hotelaria, mas hoje seu local de trabalho é o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Não, ela não abandonou sua carreira.
Na realidade, Aline acabou sendo absorvida por um mercado que está em plena expansão no Brasil — o turismo médico. Ela trabalha no departamento de relações internacionais da entidade, criado em 2007 especialmente para atender aos pacientes estrangeiros que procuram o hospital, um movimento que cresce a um ritmo de 30% ao ano.
Só em 2009, foram 2.200 pessoas em busca de tratamentos nas áreas de oncologia, cardiologia, neurologia e ortopedia.
As atividades de Aline incluem, entre outras, marcar consultas e exames, reservar hotéis próximos ao hospital, providenciar a compra de medicamentos na farmácia, dar orientações e dicas turísticas e recomendar bons cabeleireiros para a mulher do paciente. Ela também faz o papel de intérprete do paciente sempre que necessário.
A jornada de trabalho é de dez horas, e no resto do dia a analista fica disponível para o paciente em tempo integral por meio de um celular corporativo. "Esse tipo de turista não está aqui porque quer. Ele vem porque tem um problema de saúde e não conhece a cidade, não domina o idioma. Meu trabalho é facilitar ao máximo a vida dessa pessoa enquanto ela estiver no Brasil”, diz Aline.
Um levantamento da consultoria Deloitte Solutions mostra que 180 000 turistas estrangeiros desembarcaram no Brasil por motivos médicos nos últimos três anos. Eles vêm da América do Norte, da Europa, do Cone Sul e da África. No caso dos pacientes americanos, o fator preço é um dos principais atrativos.
Aqui, cirurgias e tratamentos podem custar até 70% menos do que eles pagariam em sua terra natal. Para os vizinhos sul-americanos e para pacientes de Angola e Cabo Verde, o Brasil é sinônimo de ter acesso ao melhor serviço especializado do mundo emergente. Em todos os casos, pesa o fato de o Brasil ser, no mundo ocidental, o país com mais instituições médicas certificadas com o selo de qualidade internacional da Joint Commission fora dos Estados Unidos e da Europa.
Vitrine virtual
Dono do segundo maior mercado de cirurgia plástica no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, o Brasil é referência nesse segmento. O consultório do empresário alemão Michael Boeckle se tornou referência para estrangeiros que vêm fazer procedimentos estéticos e odontológicos por aqui. Todos os meses, a empresa traz até 15 pacientes para cá.
“Nós fazemos a ponte entre os pacientes e os profissionais interessados em recebê-losUma vez que o cliente decide vir ao Brasil, ajudamos a reservar o voo e o hotel, marcamos exames pré-operatórios, oferecemos uma enfermeira bilíngue, cuidamos do transporte entre aeroporto, hotel e hospital. Também ajudamos nas traduções, câmbio de dinheiro, aluguel de celulares e outros detalhes importantes”, diz Michael.
Como a grande maioria desses turistas descobre as empresas, hospitais e profissionais que atuam no ramo do turismo médico pela internet, as companhias têm percebido a importância de investir num bom time de tecnologia. O site da Cosmetic Vacations, com 100% do conteúdo em inglês, funciona como uma vitrine virtual dos serviços disponíveis.
Para isso, a firma conta com uma equipe de webdesigners, programadores, jornalistas, produtores de conteúdo e até especialistas em otimização dos sites, ou seja, em usar as ferramentas e as palavras-chave certas para que um site apareça nos primeiros lugares do Google sobre determinado tema.
“O turismo médico se inicia pela internet. Normalmente os estrangeiros pesquisam sites sobre o assunto. Depois é que se inicia o contato por e-mail ou telefone. Cada vez mais os profissionais de informática serão necessários para agilizar a expansão do turismo médico no Brasil”, diz Leonardo Araújo, de 26 anos, da Cosmetic Vacations.
Perfil profissional
Os procedimentos estéticos não são os únicos procurados. Cirurgias bariátricas, cardíacas e oftalmológicas, colocação de implantes dentários e tratamentos nas áreas de reprodução assistida, neurologia e ortopedia também têm grande procura. Especialidades como oncologia, que exigem mais tempo longe de casa, são mais procuradas por moradores de países do Cone Sul.
No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o movimento de estrangeiros cresce 15% ao ano. Só no ano passado recebeu 4.800 pacientes internacionais. Para dar conta desse movimento, o hospital criou o International Patient Center. Fernanda Frasson, de 28 anos, faz parte da equipe, no posto de analista comercial.
Formada em administração com ênfase em hotelaria, ela tem no currículo o trabalho na área de reservas e na recepção do hotel Renaissance. No Einstein, seu papel é fazer a interface com os convênios internacionais dos pacientes.
“Ainda são poucos os profissionais preparados para atuar nessa área, pela multidisciplinaridade que ela exige. Você tem de ter perfil para o atendimento e a acolhida, tem de entender de negócios, ter conhecimento sobre outras culturas e uma certa familiaridade com nomes de especialidades e procedimentos médicos. Tudo isso, é claro, além de dominar um segundo ou terceiro idioma”, diz Fernanda. “Hoje sinto que conquistei uma expertise numa área relativamente nova.”
Pratos personalizados
Para Mariana Palha, sócia-fundadora da Medical Travel Brasil, empresa que atua no fomento ao turismo médico no país, será preciso treinar enfermeiros e atendentes para lidar com diferentes culturas.
“Para um paciente do mundo árabe, o fato de uma mulher lhe dar um aperto de mão ou andar mostrando a sola do sapato pode ser altamente ofensivo. É preciso ter conhecimento sobre outras culturas para atender bem as peculiaridades de cada povo”, diz Mariana.
Foi pensando nessas peculiaridades que o Hospital Beneficência Portuguesa criou na sua unidade São José um serviço de gastronomia para atender de forma personalizada aos pacientes estrangeiros, levando em conta sua nacionalidade, cultura e religião. A equipe conta com 38 pessoas, entre nutricionistas, cozinheiros e profissionais de copa.
Turismo e economia
Em agosto deste ano, o Brasil sediou seu primeiro congresso de turismo médico. O consenso é que profissionais de saúde, hospitais, empresas de turismo e concierge e a população do país só têm a ganhar com a expansão do turismo médico, um mercado que movimenta anualmente 60 bilhões de dólares em todo o mundo.
Isso porque se estima que, a cada dólar gasto com tratamento médico no Brasil, os pacientes estrangeiros gastem outros oito em lazer, aí incluídos hospedagem, transporte, compras e passeios. A Sphera Internacional, multinacional sediada no Brasil que atua no segmento do turismo médico, já percebeu isso.
“Muitos dos nossos clientes querem um tratamento médico, mas também querem conhecer o Rio, a Amazônia, por isso apresentamos pacotes turísticos para esses destinos”, diz o presidente da empresa, Alex Lifschitz.
A Sphera acaba de abrir um escritório em Fortaleza, no Ceará. De acordo com o proprietário, a escolha foi estratégica, já que a cidade recebe voos diretos de Atlanta, nos Estados Unidos, e Lisboa, capital de Portugal. O acesso fácil atrai os turistas médicos, que também contam com belas opções de lazer na região.
Se o cenário é positivo, o país ainda tem muito a melhorar. Prova disso é que, enquanto o Brasil recebe de 30 000 a 60 000 turistas médicos por ano, na Tailândia, apenas em 2007, esse total chegou a 1,2 milhão. Para os empresários do setor, o governo tem papel fundamental na expansão desse tipo de turismo.
Uma das razões é a necessidade de melhorar a estrutura aeroportuária brasileira. O fortalecimento da imagem do Brasil como um destino de referência para o turismo médico deveria estar nos planos do governo. Está em discussão a criação, pelo governo federal, de um visto médico.
A ideia é reduzir a burocracia para passageiros que hoje precisam de visto para entrar no Brasil. Esse é um primeiro passo importante para colocar, de fato, o país na rota dos estrangeiros que buscam serviços especializados de saúde. Movimento que também beneficia os profissionais do setor.