(NurPhoto/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 28 de julho de 2021 às 07h40.
Última atualização em 29 de julho de 2021 às 13h51.
Uma das principais ginastas da atualidade, a americana Simone Biles desistiu de disputar a final individual de ginástica artística, na manhã desta quarta-feira. A ginasta de 24 anos era favorita ao ouro, mas saiu da disputa alegando a necessidade de preservar a saúde mental.
Ontem, Biles já havia saído da competição por equipes após um salto ruim ter feito a ginasta declarar publicamente estar se sentindo pressionada demais para seguir a competição. “Sempre que você entra em uma situação de alto estresse, você meio que enlouquece”, disse ela, segundo reportagem da rede americana CNN.
“Tenho que me concentrar na minha saúde mental e não colocar em risco minha saúde e bem-estar. Temos que proteger nosso corpo e nossa mente. É uma merda quando você está lutando com sua própria cabeça."
A tensão vivida por Biles está longe de ser uma novidade entre atletas, um ofício com uma boa dose de cobrança sobre o desempenho assim como é comum em outras profissões — e, por isso, a história de Biles serve, de alguma forma, de exemplo para além das quadras.
Um estudo feito ao longo de cinco anos com atletas universitários da National Collegiate Athletic Association, uma organização com mais de 400.000 universitários esportistas nos Estados Unidos, mostrou uma prevalência de sintomas depressivos em 23% dos associados. Em 6% deles, os sintomas foram considerados de moderados a graves, uma prevalência bastante acima do padrão na população em geral.
Em função disso, cada vez mais casos de atletas falando publicamente de problemas de saúde mental têm vindo à tona. Em maio, a super atleta do tênis Naomi Osaka impôs seu limite: ela não daria entrevistas coletivas para a imprensa durante o campeonato do Roland Garros para aliviar a ansiedade.
Em suas redes sociais, ela escreveu: “Eu sinto com frequência que as pessoas não se atentam para a saúde mental de atletas e isso é evidente quando vejo uma coletiva ou participo de uma”. Para a japonesa de 23 anos, não há motivo para realizar entrevistas em momentos tão cruciais de um campeonato e prejudicam a confiança dos participantes.
A situação de Biles e de Osaka, no entanto, traz em si uma dilema ao estilo do "qual veio primeiro: o ovo ou a galinha?". Os atletas estão falando mais de saúde mental porque a cobrança sobre o desempenho deles está vindo de todos os lados — seja pelo falatório dos haters nas redes sociais ou via patrocinadores cada vez mais presentes na vida e na imagem pública destes profissionais —, ou esses temas estão na ordem do dia justamente porque a sociedade de maneira geral deixou de encarar os dilemas da mente como um tabu?
A pandemia, e a insegurança extrema trazida por ela para a humanidade como um todo, têm feito especialistas acreditarem que os cuidados com saúde mental definitivamente deixaram de estar em segundo plano na vida das pessoas — inclusive aquelas com pressões sociais extremas no trabalho.
Para a psicóloga paulistana Ana Volpe, que acompanha o cuidado com saúde mental em profissionais de ofícios com cobrança por alta performance, o movimento de Biles demonstra maturidade da atleta para as suas vulnerabilidades.
"É importante entender que a performance não está acima de tudo", diz Ana, para quem o profissional de destaque no passado tinha pouca margem de manobra para desobedecer regras e expectativas sociais (tais como brigar por uma medalha de ouro nas Olimpíadas) para cuidar da própria mente. "A pessoa não podia se dar ao luxo de dizer 'poxa, que pressão é essa?' Hoje isso é possível e é um avanço."
Roberto Aylmer, médico, PhD e professor internacional da Fundação Dom Cabral, vê que o episódio é um marco para uma nova era onde a vulnerabilidade é necessária e aceita. O lema deste novo contexto se resume na frase de Osaka na capa da revista americana Time no começo do ano: “É ok não estar ok”.
Para Aylmer, posturas como a da atleta são, hoje, questão de sobrevivência para os indivíduos e, por consequência, para as instituições. “Não é só uma questão de respeitar as diferenças. Não, temos que crescer com a diferença. O mundo está entrando em um grau de complexidade tão alto que não conseguimos navegá-lo com um pensamento único”, diz.
A psicóloga Karen Vogel, da The School of Life, ressalta que o ambiente olímpico é, por essência, competitivo e que é um desafio para o atleta não ter pensamentos de comparação.
"Sempre que existe competição, existe comparação. É natural nesse ambiente das Olimpíadas a gente entender que, de certa forma, muitas pessoas estão disputando posições e se comparando. Isso faz com que eles se fragilizem muito, principalmente se a gente se veem alguém como melhor. Isso naturalmente gera uma emoção de insegurança, medo e menos valia. O desafio para os psicólogos do esporte é ajudar o atleta a não cair na armadilha emocional que aciona a comparação", explica.
A vulnerabilidade não é o mesmo que fraqueza. Quando o assunto é saúde mental, nas Olimpíadas ou no trabalho, a conversa nunca pode ser superficial.
Ao decidir se afastar da competição em equipe, Biles disse: "Eu senti que elas precisavam avançar sem mim e elas fizeram exatamente isso. Foi uma longa jornada olímpica, foi um longo ano. Depois da apresentação que fiz, não queria ir para os outros aparelhos, então quis dar um passo para trás, pensar na minha saúde mental".
Para Ana Bavon, CEO da B4People, uma consultoria de transformação cultural guiada pela diversidade, a decisão mostra uma inteligência que falta no mercado de trabalho: saber abrir mão de si em prol da equipe.
“Ambas mostram a capacidade de abrir mão de si, de um protagonismo, em prol da equipe. Ela deixa a competição de lado e joga pela colaboratividade", afirma.
Bavon explica que a lógica da alta produtividade e performance leva os profissionais à exaustão e faz com que a gente esqueça que saúde mental, inteligência emocional e segurança psicológica estão ligados com nossa capacidade de discernir o momento de parar.
Saber desistir é um exercício de autocuidado. Nas empresas e na sociedade, ainda há um estigma sobre esse tipo de cuidado.
“No que a gente ancora o significado de produtividade, excelência ou alta performance? Alta performance não significa trabalhar até a exaustão, mas reconhecer que a sua excelência precisa do seu descanso e saúde mental em dia. Só que a gente ainda não consegue operar dessa forma por ainda existir um grande tabu ao falar de saúde mental nas organizações”, diz.
Decisões como a de Biles e Osaka devem servir de lição para os líderes. Muitas vezes, o exemplo da liderança reforça o comportamento competitivo e destrutivo da exaustão: falta de descanso, jornadas extenuantes e estresse crônico.
Tudo isso, contudo, não é sinônimo para um 'liberou geral'. A pressão social por alto desempenho continuará existindo. Desistir dessas obrigações por muitas vezes não será uma opção — poucas pessoas têm a fama e a estatura social de uma Simone Biles para expor seus dramas pessoais em público e ainda conseguir um certo nível de condescendência das pessoas.
Em função disso, existe fórmula para dar conta da pressão do dia a dia sem prejudicar a saúde mental? Para Bavon, a resposta passsa por novos paradigmas organizacionais. "Eles devem ser centrados nos humanos e guiado pela diversidade, olhando para a colaboração como uma necessidade de manutenção da competitividade da própria empresa”, diz Ana.
Nessa lógica, o comportamento de Simone Biles e de Naomi Osaka deve servir como exemplo para a liderança que quer promover um ambiente psicologicamente seguro e com boa saúde mental. E começando esse trabalho com si próprio.