Desfile do Salgueiro: escolas de samba têm uma organização que favorece o trabalho coletivo (Vladimir Platonow/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2013 às 18h44.
São Paulo - O que as escolas de samba podem ensinar sobre comprometimento com o trabalho? "Muita coisa", diz Alfredo Behrens, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo. Desde o início deste ano, Behrens tem frequentado a quadra da Mocidade Alegre, bicampeã do Carnaval paulista, para entender as semelhanças e as diferenças entre uma escola de samba e uma empresa.
As visitas do acadêmico aos ensaios fazem parte de um projeto intitulado No Fear at Work ("Sem medo no trabalho", em português), uma série de vídeos em parceria com a cineasta Cecilia Delgado, que será lançada em fevereiro de 2014. "Eu queria descobrir o que levava pessoas comuns a trabalhar com tanto afinco e engajamento no Carnaval", diz Behrens.
A grande questão era compreender por que tanta gente se empenha tão apaixonadamente em uma atividade não remunerada, muitas vezes com vigor superior ao destinado ao emprego que provê o sustento. Segundo o professor, nas comunidades carnavalescas sobra o que falta nas empresas: senso de pertencimento.
O estudo de Behrens mostra que as empresas, principalmente as de cultura estrangeira, têm dificuldade em compreender o jeito de ser dos brasileiros, que precisam se sentir parte importante de um grupo para ter felicidade e, consequentemente, mais produtividade no trabalho.
"A cultura da competição não funciona tão bem no Brasil. Aqui os profissionais trabalham melhor quando se sentem emocionalmente ligados ao trabalho", diz Behrens. Aprenda o que as escolas de samba têm a ensinar sobre o trabalho comprometido.
As lições das escolas de samba
Da ala mirim à velha guarda, as agremiações de carnaval tratam o trabalho de forma especial
Escolha baseada em valores
A decisão de entrar para uma escola de samba leva em conta valores como cultura e tradição da agremiação – como deveria ser a escolha de um emprego. "Você tem de amar o pavilhão em primeiro lugar", diz Solange Cruz, presidente da Mocidade Alegre.
Graças a essa sintonia, os integrantes rapidamente percebem as carências da escola e como podem contribuir para supri-las. Na carreira, ter valores alinhados com o emprego ajuda a formar vínculos com chefes, colegas e equipes.
Recrutamento por afinidades
Uma das grandes lições de gestão das escolas de samba está no recrutamento. Quando um novato chega, os dirigentes conversam para entender em que função ele se encaixa melhor. "A falta de experiência não importa, o que vale é a personalidade e a disposição para aprender", diz Behrens.
Feito dessa maneira, um recrutamento tem mais chance de dar certo, pois assegura a existência de uma afnidade entre o profissional e o trabalho para o qual foi contratado.
Treinamento intensivo
Os veteranos ensinam os novatos. A dedicação para o aprendizado é enorme, pois existe a consciência de que fazer bem é fundamental para o sucesso. Na Mocidade Alegre, o treinamento tem duas fases: técnica e engajamento. Na primeira, os membros decoram o samba-enredo e treinam a coreografia. Na segunda, a liderança faz com que a comunidade se apaixone pelo tema.
"Temos de sensibilizar todos para a escola se sair bem", diz o carnavalesco Sidney França.
Valorização dos mais experientes
Mesmo com o risco de perder minutos preciosos do desfile, as escolas fazem questão de manter a velha guarda. "É uma maneira de homenagear quem se dedicou por tanto tempo", diz Alfredo Behrens, da FIA.
A velha guarda serve para que os mais jovens percebam que serão prestigiados se dedicarem anos à escola. Os experientes também têm o papel de inspirar os jovens, pois têm histórias de muitos carnavais para contar.
Líderes empenhados
Para conseguir o respeito e a admiração da comunidade, os dirigentes colocam a mão na massa. Em desfiles, é possível ver diretores empurrando carros alegóricos com defeito. No Carnaval deste ano, líderes da Mocidade Alegre alinharam fleiras com outros participantes da escola para fazer escoar a água que alagava a quadra da escola.
Essa proximidade entre a diretoria e a comunidade fortalece o vínculo e aumenta o engajamento de todos. "Nós precisamos contagiar as pessoas com o espírito da escola", diz Sidney França, carnavalesco da Mocidade.
Reconhecimento hierárquico
Como não existe remuneração, o reconhecimento ocorre com a oferta de cargos. Por isso existem tantos gerentes e diretores nas agremiações. "É um jeito de mostrar que qualquer um, se tiver dedicação, poderá crescer", diz Behrens.
No dia a dia da empresa, quando existe reconhecimento, os profissionais tendem a trabalhar com mais afinco, pois se sentem valorizados.
Senso de permanência
Nas escolas de samba, não há o fantasma da demissão. Para um membro ser expulso, o motivo tem de ser muito grave. Como existe segurança, as pessoas trabalham com mais calma e dedicação. Pode acontecer trocas de lugar. "Às vezes é preciso mudar as pessoas de função, seja pela idade, seja porque elas fcaram acomodadas", diz Sergio Henrique Silva, diretor de marketing da Mocidade.