Consultores defendem que a fase mais importante da seleção deve ser a entrevista, apesar de todos os modismos (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 13 de março de 2013 às 19h26.
São Paulo - Tudo começa num almoço com o headhunter. O objetivo do profissional especializado em recrutar pessoas é sondar se o candidato identificado por ele tem interesse na vaga oferecida pela empresa. O headhunter mostra um interesse incomum no signo e no dia de nascimento do candidato.
Mas até aí tudo bem. Tem gente obcecada por astrologia mesmo. Em seguida, são marcadas reuniões com altos líderes da companhia contratante ou happy hours com seus executivos. E, quando o candidato acha que já passou por todas as etapas do processo, surge um convite inusitado: "Que tal você mostrar suas habilidades culinárias na cozinha do nosso refeitório?", indaga o recrutador.
Sim, mesmo em tempos de mercado aquecido, ainda há organizações que incluem o preparo de alimentos, a análise de caligrafia e outras avaliações muito menos ortodoxas em seus processos de seleção. "Há empresas que ultrapassam os limites e expõem os candidatos a situações vexatórias", diz Waleska Farias, consultora de carreira e imagem do Grupo Hel, do Rio de Janeiro, que presta serviços de gestão de pessoas para o setor hoteleiro.
André Magro, gerente da área de expertise de recursos humanos da Hays, de São Paulo, também descarta dinâmicas para posições que não sejam de estagiários e trainees.
"O melhor é a boa e velha entrevista", diz André. Opinião que é compartilhada por Jacqueline Resch, sócia-diretora da consultoria carioca Resch Recursos Humanos. "O bom processo é feito de instrumentos para avaliar as competências do profissional, não de modismos. O mais importante no recrutamento é a entrevista", diz Jacqueline.
A seguir, sete consultores de RH e headhunters revelam as piores práticas já solicitadas pelas empresas clientes na hora de contratar. Se um dia você se vir numa dessas situações, vale a pena reconsiderar a oferta de emprego e buscar outra vaga.
Precisa-se de engenheiro (que entenda de vinho)
Uma multinacional de petróleo quer submeter os candidatos à vaga de emprego a uma prova com panelas, na cozinha mesmo. Na avaliação do RH da empresa, a habilidade do profissional na cozinha pode revelar sua disciplina e capacidade de organização.
Alexandre Luz, diretor de RH da PM Luz Consultoria, do Rio de Janeiro, viu um candidato à vaga de gerência com responsabilidade de comandar 200 funcionários se recusar a ir para o refeitório da companhia cozinhar. "O profissional disse que isso era uma palhaçada e foi eliminado do processo", diz Alexandre.
Outra empresa do setor de óleo e gás introduziu um teste de conhecimento em vinhos na avaliação inicial para o cargo de engenheiro comercial. A justificativa, lembra Simone Madrid, sócia da Teamwork Hunting, consultoria de RH de São Paulo, era de que buscavam um profissional refinado para receber comitivas estrangeiras e frequentar jantares com presidentes de outras empresas.
Aula de artes plásticas
A vaga em aberto era numa multinacional europeia. O cargo, de chief financial officer (executivo chefe da área de finanças). Cada candidato tinha de desenhar alguém na chuva com um guarda-chuva. Para isso recebia uma folha de papel em branco com outras quatro folhas embaixo. As folhas sobressalentes serviriam para que se pudesse analisar a força que o profissional empregava ao escrever, o que, segundo os crédulos, revelaria seu caráter.
"Candidatos muito bons foram colocados de lado porque o desenho não tinha chão ou porque tinham desenhado só uma pessoa debaixo do guarda-chuva. Confesso que até hoje não entendi o que a organização enxergava como um desenho correto", diz Magui Castro, da CTPartners, de São Paulo. "Eu pedia desculpas, e eles só riam."
Vagas para taurinos e arianos. Não insista
Há empresas que, ao enviar o perfil do profissional para a vaga, já exigem que o headhunter selecione pessoas nascidas num período específico do ano. "São aquelas que buscam levantar o mapa astral da pessoa", diz Alexandre Luz. Leonardo Leitão, gerente de negócios da Proff Gente e Gestão, também já deparou com uma organização que queria o mapa astral de candidatos à vaga de coordenação para identificar o perfil mais compatível com o gestor.
"Ganhou a vaga aquele que tinha o melhor alinhamento de acordo com os astros. Eu até respeito a decisão, mas acho um absurdo, porque isso não vai influenciar em nada a performance do profissional", diz Leonardo.
O pior caso, no entanto, foi o identificado por Waleska Farias, do Hel: "Recentemente, durante um processo seletivo, a pessoa que conduzia a entrevista pediu para ver as mãos do candidato a fim de identificar, por meio dos traços e do formato, se ele seria a pessoa certa para liderar a equipe de vendas da companhia".
Candidato = MBTI + OPQ32 + MQ
Queridinhos dos profissionais de RH, os testes psicológicos não são inteiramente confiáveis para determinar a escolha de um profissional. Afinal, muitos deles revelam não a personalidade da pessoa, mas o perfil dela naquele momento específico. “Só faço se a empresa pede mesmo, porque, se o candidato está desempregado, ele vai ser rotulado de inseguro no teste. Mas é só ele começar a trabalhar e ganhar confiança para o disco mudar”, diz Magui Castro.
André Magro, da Hays, também não é a favor da aplicação dos testes. "Há testes de até 10.000 reais que fazem análises de personalidade assim como a Mãe Dinah faz previsões, pois eles não dizem se, nos próximos anos, o candidato vai ter algum problema emocional", diz André.
Sua letra, seu destino
A maioria dos headhunters tende a deixar os exames grafológicos ou testes de caligrafia fora do rol das bizarrices da seleção, visto que são, segundo Jacqueline Resch, uma técnica respeitada na França e usada por muitas empresas.
Mas o que dizer de uma companhia de grande porte cujo dono conheceu uma grafóloga num aeroporto no exterior, ficou impressionado com o que ela falou de sua letra em relação à sua personalidade e, desde então, submete todos os candidatos ao teste com essa mesma pessoa?
"Antes de qualquer coisa, de qualquer entrevista, os textos dos candidatos são enviados para fora do país, retornando com um laudo em português troncho, que elimina candidatos excelentes sem que possamos fazer uma entrevista de validação para checar o perfil dele", diz
Simone, da Teamwork. "Isso sem falar no quanto esse vai e vem torna o processo mais lento." Bem, nesse caso, a grafóloga ao menos tem o emprego garantido.
Tá puxado? Peça pra sair!
Em alguns casos, a pressão já começa pelo horário marcado para a entrevista. "Testemunhei o relato de uma profissional que foi chamada para entrevista na empresa às 21h59", diz Waleska Farias. Simone Madrid já viu candidato chorar em processos que mais pareciam interrogatórios. Em um deles, ela conta que um diretor fazia bolinhas de papel e as lançava na parede, por cima da cabeça do candidato enquanto ele falava.
"O propósito era intimidar e observar como o candidato reagiria", diz ela. No quesito "reação do candidato", há ainda os processos que incluem perguntas estúpidas e que não agregam nada para a entrevista, a não ser olhares de interrogação. "Tem quem pergunte, por exemplo, o que o profissional faria se o escritório começasse a pegar fogo naquele exato momento. Mas não há como prever a reação do profissional num caso assim. É claro que ele vai dar uma resposta e, na hora, pode agir de modo diferente", diz Alexandre Luz.
Só os fortes sobrevivem
E quando o cenário da seleção é um hotel fazenda? Mas, em lugar de camas fofinhas e travesseiros macios, os candidatos encontram um acampamento mambembe.
"Já vi empresa de publicidade submetendo seus candidatos a treinamento de sobrevivência, coisa que só é necessária para pilotos e comissários de bordo, por exemplo.A organização aluga um hotel fazenda e coloca o pessoal acampado, já sabendo que está chegando uma frente fria por lá. Tudo isso para ver a capacidade de liderança, de discernimento e de lidar com imprevistos dos profissionais.
"Acho que, no fundo, a organização não sabe exatamente o que quer. Por isso, acaba contratando errado", diz Alexandre, da PM Luz.
Entrevista com faxina
Imagine a seguinte situação: os candidatos chegam para uma dinâmica e encontram uma sala bem suja. A primeira prova de competência a que são submetidos é o devido uso de vassouras.
E, para isso, todos são convidados a varrer o chão. "Recentemente, me surpreendi quando uma empresa cliente questionou se é usual nos processos seletivos os candidatos varrerem a sala de entrevista e servirem água e café aos demais participantes. Os condutores do processo justificaram o método como sendo de fundamental importância para observar o jogo de cintura e a disposição em servir o outro dos candidatos à vaga de emprego", diz Waleska Farias, consultora de carreira e imagem do Grupo Hel.