Carreira

Seja feliz

O caso do atacante Neymar, do Santos, mostra que carreira não é apenas dinheiro. O grande desafio é encontrar a fonte de satisfação que faz um profissional trabalhar melhor e crescer

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2013 às 19h36.

São Paulo Um dia, o atacante Neymar, de 18 anos, do Santos, vai deixar o clube paulista e jogar na Europa. Esse é o destino dos craques brasileiros. Mas, no mês passado, ele surpreendeu o mundo da bola ao anunciar que por ora fica no Brasil, recusando uma proposta de 35 milhões de euros do Chelsea.

O time inglês ofereceu um salário de 1,3 milhão de reais mensais. Trata-se do (não) movimento de carreira do ano — pelos valores envolvidos e pelo ineditismo da situação. Em geral, trabalhar num grande clube europeu é o sonho de todo jogador brasileiro. Mas Neymar contrariou a regra.

Por quê? “Não é só o dinheiro que traz felicidade”, diz ele. “Sem alegria não consigo trabalhar.” Como é um talento, Neymar conquistou cedo as duas coisas que a maioria dos profissionais busca: trabalhar onde quer e ganhar bem.

Sim, porque a negociação com o Chelsea lhe rendeu uma remuneração maior sem ter de deixar o Santos, apesar de não ter sido tratada como a única coisa importante. Neymar tem agora um plano de carreira desenvolvido pelo Santos.

Do clube, ele continua recebendo 160 000 reais de salário, mas, com a ajuda de ações de marketing e de patrocínios, seus vencimentos podem chegar a 500 000 reais.

Também receberá novos benefícios, como treinamento para falar com a mídia, tratamento fonoaudiológico, curso de inglês e espanhol (para ele e para sua família), orientação financeira e bolsa de estudo para sua irmã, que poderá ingressar numa universidade no exterior. Por tudo isso, Neymar está feliz. 

Felicidade é uma questão importante para manter uma pessoa no trabalho e de maneira produtiva. Para ficar no exemplo do futebol, basta ver os vários casos de jogadores que cedem a propostas financeiras tentadoras e, um ano depois, estão de volta ao Brasil, alegando falta de adaptação ao clube estrangeiro.


No mundo corporativo, também é crescente o número de empresas que buscam de alguma forma melhorar a felicidade de seus funcionários. “Nos últimos dez anos, há um movimento de corporações colocando a felicidade dos funcionários como meta”, diz Ana Cristina Limongi-França, professora do programa de gestão de pessoas da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da USP. A Serasa Experian, empresa de análise de crédito com sede em São Paulo, é um exemplo.

Além de medir o clima de trabalho, a companhia busca saber se os funcionários estão satisfeitos. Para isso, o RH desenvolve uma pesquisa trimestral de felicidade, em que verifica se os colaboradores estão de bem com a empresa, com o chefe e com a área em que trabalham.

“Medir felicidade é difícil, mas a companhia precisa ter um termômetro do dia a dia”, diz Milton Luiz Pereira, diretor de desenvolvimento humano e organizacional. A partir das respostas, a Serasa elabora planos de ação para tentar resolver os problemas. “Chefes mal avaliados passarão por treinamentos e funcionários infelizes podem ser realocados”, conta Milton. 

A Intelbras, fabricante de produtos de telecomunicações, e a portuária PortoNave também adotam medidas para aumentar o bem-estar dos colaboradores. No exterior, o site de e-commerce Zappos, um dos maiores dos Estados Unidos, adotou como missão oferecer felicidade, tanto para os clientes quanto para os funcionários.

“Queria construir um estilo de vida, por isso planejei práticas de bem-estar”, escreve Tony Hsieh, CEO da empresa, no livro Delivering Happiness (“Entregando Felicidade”, em tradução livre, ainda inédito no Brasil). Na Zappos, os funcionários descontentes podem conversar sobre os problemas e devem disseminar internamente os valores de paz, respeito, amor e unidade.  

Felicidade sob medida 

É ótimo sinal que as organizações se preocupem com a felicidade de seus funcionários. Mas, no final das contas, essa é uma questão pessoal, em que o trabalho é um componente importante, mas não é o único. “Cada um tem de buscar seus valores e encontrar significado na vida que leva, dentro e fora do escritório”, diz Clóvis de Barros Filho, professor de ética da Universidade de São Paulo (USP) e coautor de A Vida Que Vale a Pena Ser Vivida (Editora Vozes, 22 reais).


Não que isso seja uma tarefa fácil.  Filósofos como Aristóteles e Sócrates já vinham debatendo o assunto vida feliz séculos antes de Cristo. A discussão permanece até hoje: “A vida mais feliz é aquela que comporta o maior número de prazeres, alegrias e satisfações? Ou é a do homem mais justo, mais sábio e virtuoso?”, como questiona o filósofo André Comte-Sponville no livro A Mais Bela História da Felicidade (Editora Difel, 33 reais). 

No mundo do trabalho, a discrepância entre prazer e virtuosidade parece ficar ainda maior. Isso porque a ideia de que o trabalho pode ser, também, uma fonte de encanto é relativamente recente. Surgiu por volta do século 18, época em que os filósofos iluministas passaram a difundir que era preciso exercer uma atividade ligada ao progresso da civilização para ser feliz.

O que complica esse novo raciocínio é a sensação de não existir felicidade enquanto não se alcança o progresso total. Como a civilização está em constante evolução, então nós nunca ficaremos completamente satisfeitos e, portanto, felizes. Triste, não? Essa lógica se aplica ao cotidiano do escritório.

Veja um exemplo pelo qual, provavelmente, já tenha passado: você acabou de cumprir uma meta agressiva e nem comemorou muito o resultado. Motivo? Já está pensando no próximo objetivo. “Se você não se permite momentos de alegria no presente, nunca terá uma vida com significado. Tudo fica para o futuro”, explica Clóvis. 

Uma vida plena de felicidade é algo impossível. Afinal, você precisa passar por momentos infelizes para ter o contraponto e entender o que realmente faz sentido para você.

 “Felicidade é ter prazer em instantes específicos”, diz Clóvis. “Quando você percebe que se sente bem fazendo certo trabalho, sem pensar nos resultados no longo prazo, então você está  feliz”, diz. Para alcançar essa harmonia no trabalho, são necessárias três atitudes: desenvolver o autoconhecimento, ter coragem para lidar com mudanças e saber negociar suas vontades. 

Espelho, espelho meu

O baiano Igor Lima, de 30 anos, passou por um período delicado. Formado em publicidade, ele atuava em uma pequena agência quando percebeu que não estava feliz. Igor fez um movimento importante: tentou descobrir a razão do descontentamento. Ele notou que o problema não era a área, pela qual é apaixonado, mas o local onde estava.


“Queria que meu trabalho fosse importante para muitos”, conta. Foi procurar um emprego em empresas que admirava. Encontrou o Google e, após um longo processo de seleção, foi contratado — hoje ele é gerente de contas.

Mas mesmo o emprego em uma das companhias mais disputadas do mercado não foi o suficiente para motivá-lo totalmente. Igor só obteve o nível de felicidade no trabalho quando assumiu a organização dos eventos internos da empresa — das festinhas de aniversário aos grupos de corrida.

“Estimulo a amizade, tenho reconhecimento, me divirto com coisas banais e já não fico mal-humorado nas noites de domingo”, diz Igor. O exemplo do gerente de contas do Google serve para mostrar a importância de observar com profundidade suas motivações.

“O primeiro passo é pensar a fundo sobre a situação”, diz Narbal Silva, professor de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. O que conta é ser honesto consigo mesmo. “Não culpe só o chefe e os colegas. Pare para pensar qual é a sua responsabilidade”, aconselha a consultora Betânia Tanure. 

Força para mudar 

Depois de descobrir as causas da infelicidade no trabalho, também é preciso encarar o desafio da mudança e saber negociá-la. Essas duas atitudes estão presentes na história de David Basbaum, de 39 anos. Formado em medicina, o paulistano tinha um grande problema: não sentia entusiasmo por clinicar.

Filho de médico, David sofreu forte influência para se manter na medicina e acabou cedendo. Mas o que o movia era a administração. Para resolver o conflito, ele redirecionou sua carreira: tirou o jaleco e se especializou em gestão de saúde. Hoje é gerente de sinistros da Santa Helena Assistência Médica, operadora de planos de saúde da região do ABC, na Grande São Paulo.

A trajetória não foi fácil. David precisou mostrar para sua família que sua vontade era participar das decisões estratégicas de uma empresa. “Foram muitas conversas até provar que aquilo era o que queria”, conta ele, dizendo que só a partir daí encontrou satisfação na carreira.

“O importante é o profissional encontrar qual atividade lhe faz bem e deixar de lado as pressões externas, por mais fortes que sejam”, diz a consultora de carreira Stella Angerami, de São Paulo. “Quando um profissional não tem paixão pelo que faz, certamente está no emprego errado.” 

O fundamental, de acordo com o filósofo Alain de Botton, autor de Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho (Editora Rocco, 42,50 reais), é fazer com que o trabalho seja inspirador, “uma bolha perfeita na qual podemos investir nossa esperança”. É assim que se obtém mais momentos de felicidade e melhores resultados. Porque, como escreveu Aristóteles, “o prazer aperfeiçoa a atividade”. E você, já sabe se está feliz? 

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