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Recomeço: Como contratar refugiados afegãos no Brasil?

Desde agosto de 2021 muitos afegãos buscam um lugar mais seguro e democrático para viver com a suas famílias. O Brasil é um desses destinos: entre setembro de 2021 e junho deste ano, mais de 11 mil vistos humanitários foram autorizados

Leonardo Trevisan, professor da ESPM: “Boa parte dos refugiados de 2021 eram engenheiros, advogados, profissionais liberais e com alguma formação. Todos ficaram em uma situação de desespero (Getty Images/Divulgação)

Leonardo Trevisan, professor da ESPM: “Boa parte dos refugiados de 2021 eram engenheiros, advogados, profissionais liberais e com alguma formação. Todos ficaram em uma situação de desespero (Getty Images/Divulgação)

Publicado em 4 de setembro de 2023 às 18h48.

Última atualização em 5 de setembro de 2023 às 13h42.

Quando o assunto se refere aos refugiados do Afeganistão, não tem como não lembrar da cena de vários afegãos se agarrando no avião americano em movimento, em uma ação de completo desespero quando o Talibã assumiu o controle do país em 2021, após 20 anos sob governo ocidental apoiado pelos EUA.

“O governo atual se sentiu abandonado pelos EUA, que retirou as tropas antes do combinado, sem pensar nos afegãos que de alguma forma acreditaram na volta da democracia”, afirma o Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Com medo das consequências sociais e econômicas com a mudança de poder, os milhares de afegãos que trabalhavam para americanos e que acreditavam na permanência da democracia tentaram sair do país em busca de um lugar melhor para viver.

“Boa parte dos refugiados de 2021 eram engenheiros, advogados, profissionais liberais e com alguma formação. Todos ficaram em uma situação de desespero. As fugas repentinas eram compostas, por exemplo, por mais de 40% dos jornalistas afegãos. O motivo: eles sabiam o que viriam. O Talibã em 2020 se comprometeu com um governo mais democrático, mas isso não durou um ano,” diz Trevisan.

Como está o Afeganistão hoje?

O Afeganistão realmente se tornou o que muitos temiam: hoje o país é formado por grupos ultranacionalista do Talibã, porque aqueles grupos que negociaram com os americanos perderam completamente o poder. Em paralelo a essa perda de poder, o país se transformou em um Estado teocrático, com leis islâmicas sendo impostas e traduzindo em mais sofrimento e mais miséria, afirma o professor Trevisan.

“A partir do final de 2021, esses grupos ocuparam todos os postos de controle e impuseram todas as leis islâmicas, as mulheres, por exemplo, não tem mais acesso às universidades. Assim o Afeganistão provocou o quadro de muitos refugiados que vemos hoje.”

Mas o professor reforçou que de 2021 para cá o perfil da maior parte dos refugiados mudou:

“Os refugiados afegãos de agora são diferentes dos da primeira leva. Os de 2021 eram refugiados mais intelectualizados, profissionais liberais. Os refugiados de agora são refugiados econômicos, que estão vindo de uma triste realidade de fome e de miséria no Afeganistão.”

Como os refugiados afegãos estão sendo recebidos no Brasil?

Desde agosto de 2021 muitos afegãos buscam um lugar mais seguro e democrático para viver com a suas famílias. O Brasil é um desses destinos: entre setembro de 2021 e junho deste ano, mais de 11 mil vistos humanitários foram autorizados, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores.

Os refugiados afegãos que chegam ao Brasil recebem o apoio de diversos abrigos do estado de São Paulo, de ONGs e instituições (como a ACNUR - Agência da ONU para Refugiados), que atuam em parceria com os governos municipais, estadual e federal para promover soluções, inclusive a emissão da carteira de trabalho.

"O trabalho de atenção às populações refugiadas, como no caso das afegãs, requer compromisso e atuação coordenada desde o acolhimento emergencial até a integração, com a oferta de aulas de português, acesso à documentação e aos serviços públicos de educação, saúde e assistência social, além de encaminhamentos para oportunidades de emprego," afirma Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo.

Como contratar refugiados afegãos no Brasil?

A Agência da ONU para Refugiados e o Pacto Global da ONU no Brasil mantêm a plataforma "Empresas com Refugiados", em que empresas brasileiras podem anunciar vagas disponíveis que serão direcionadas a ONGs que atuam na empregabilidade de pessoas refugiadas em diferentes cidades do Brasil.

Um outro caminho para encontrar refugiados aptos para trabalho no Brasil é por meio da Secretaria de Justiça e Cidadania que tem contato com diversos abrigos de refugiados. Foi por meio desse contato com a secretaria e com o abrigo "Casa de Passagem Terra Nova", em Guarulhos, que a indústria farmacêutica União Química encontrou 6 refugiados afegãos (um deles é uma mulher), aptos para trabalhar na empresa. Eles foram contratados no regime CLT para trabalhar na unidade de Guarulhos e começaram nesta segunda-feira, 04/09, em seus novos cargos.

Os candidatos participaram do processo seletivo no dia 11 de agosto, quando conheceram as instalações da empresa e passaram por entrevistas individuais para os cargos. Após esta etapa, 6 dos 13 entrevistados foram contratados pela indústria farmacêutica, e 4 seguem em avaliação. Com idades variando entre 24 e 44 anos, eles possuem ensino superior nas áreas de economia, administração, matemática e engenharia.

“Eles deixaram a terra natal sob risco, percorreram mais de 13 mil quilômetros para encontrar refúgio numa terra estranha, sem conhecer o idioma. Com essa iniciativa de abrir oportunidade aos afegãos, pretendemos ser um marco importante no caminho rumo a um Brasil mais inclusivo e solidário com migrantes e refugiados,” afirma Fernando de Castro Marques, presidente da União Química.

Refugiados afegãos iniciando em seu novo trabalho na empresa União Química (União Química/Divulgação)

Além de todos os benefícios que um funcionário CLT tem, os refugiados receberão após o expediente aulas de português e inglês para que possam se comunicar e se integrar cada vez mais com a cultura brasileira e com o trabalho que desenvolverão na empresa.

“Estamos vendo centenas de refugiados do Afeganistão no aeroporto de Guarulhos. Se indústrias e comércios puderem participar do processo de integração certamente irá minimizar o sofrimento dessa população que está lutando por um lugar digno para viver há muito tempo. Muitos deles têm formação superior, mas estão sujeitos a trabalhar em um cargo mais simples para aprender o idioma e se integrar na sociedade brasileira,” diz Castro.

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