A escala 4x3 já está sendo adotada por muitas empresas na Europa e foi testada no Brasil este ano (Nuthawut Somsuk/Getty Images)
Repórter
Publicado em 13 de novembro de 2024 às 17h05.
Última atualização em 14 de novembro de 2024 às 09h53.
Uma proposta que busca finalizar a escala de trabalho 6x1, em que o funcionário só tem um dia da semana livre para descanso, está repercutindo no Congresso e nas redes sociais. Isso porque a sugestão do Movimento VAT é de que o regime de trabalho ideal seja o 4x3, em que o funcionário folga três dias por semana.
Esse modelo já está sendo adotado por muitas empresas na Europa e foi testado no Brasil este ano. O primeiro teste piloto foi concluído em julho e contou com 21 empresas que decidiram testar o regime de trabalho 4x3 durante seis meses. A pesquisa foi conduzida pela 4 Day Week Brazil em parceria com diversas organizações e pesquisadores, incluindo a Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp), e envolveu 290 funcionários – sendo que 19 empresas completaram a implementação.
Renata Rivetti, especialista em felicidade corporativa e fundadora da Reconnect Happiness at Work (empresa que trouxe o piloto da semana de quatro dias para o Brasil) afirma que o objetivo das empresas que aceitaram participar do teste no Brasil é de melhorar o bem-estar dos funcionários e aumentar a produtividade das companhias.
“Acredito que essas empresas estão dando um passo importantíssimo para revolucionar o mundo do trabalho, possibilitando mudanças na forma de trabalhar, se tornando mais produtivas e saudáveis”, afirma Rivetti.
Após 3 meses de planejamento em 2023, de janeiro a junho de 2024, as empresas participantes do teste piloto implementaram a semana de 4 dias no Brasil, tendo a liberdade de adaptar o formato conforme suas necessidades, desde que mantivessem os salários inalterados, os resultados iguais e proporcionassem uma redução de 20% no tempo de trabalho.
Os resultados indicam melhorias significativas em várias áreas:
“A pesquisa mostra que o piloto deu muito certo, porque as empresas participantes estavam dispostas a redesenhar suas formas de trabalhar e a implementarem novas ferramentas para reduzir improdutividade”, conta Rivetti.
Uma das empresas que fizeram o teste foi a Vockan, empresa de tecnologia que adota a semana de 4 dias de trabalho há dois anos. Segundo Fabrício Oliveira, CEO da Vockan, o objetivo para adotar essa escala era apenas um: dar resultado com pessoas saudáveis.
“A adoção da escala se 4 dias de trabalho se deu para endereçar questões ligadas à saúde mental e à atração e retenção de talentos”, diz. “Foi uma resposta ao futuro do trabalho, acompanhando tendências internacionais que já mostravam lá fora o sucesso da iniciativa.”
A Vockan conta atualmente com 132 funcionários e projeta alcançar 200 colaboradores até o final de 2025. Com sede em São Paulo e um escritório em Atlanta, nos Estados Unidos, a empresa tem colhido resultados positivos com a nova escala de trabalho.
Um estudo interno revelou um aumento de 32% na produtividade, além de melhorias significativas na atração e retenção de talentos, com uma taxa de rotatividade próxima de zero. A satisfação dos funcionários também é destaque: mais de 70% se declaram muito felizes, enquanto 28% se dizem felizes. Esses avanços refletem diretamente na experiência dos clientes, com a empresa atingindo 98 pontos na pesquisa de satisfação NPS, afirma o CEO.
“Nesse período em que testamos os 4 dias de trabalho, ou seja, em dois anos, crescemos 86%, ampliando a operação e fazendo novas contratações”, diz Oliveira que segue otimista para 2025. “Vamos continuar crescendo, inclusive com processos de M&A em andamento.”
A Alimentare, empresa especializada em serviços de alimentação e refeições coletivas, foi outra empresa que fez o teste piloto este ano e decidiu adotar a escala de trabalho 4x3.
“A empresa toda tem 150 funcionários considerando toda a equipe da operação que trabalha nas unidades de alimentação e nutrição, mas a equipe que segue a escala 4x3 por enquanto são as 10 funcionárias do nosso corporativo”, afirma Caroline Soldi Malgarin Medeiros, Coordenadora de Planejamento Estratégico da empresa.
Os resultados têm sido positivos tanto para os funcionários quanto para a empresa. Segundo Margarin, a nova escala trouxe melhorias significativas na saúde física e mental das funcionárias, além de maior disposição, criatividade e engajamento. “Para a empresa, os benefícios também são evidentes: o faturamento aumentou 15% e a lucratividade em 7% em comparação ao mesmo período do ano passado, e o turnover zerou”, diz a executiva da Alimentare.
“Ter funcionários satisfeitos trabalhando gera um ambiente mais colaborativo e produtivo. Além disso, não tivemos nenhum custo direto adicional com a implantação desta escala nos setores administrativos”, afirma a coordenadora.
O maior desafio no caso da Vockan foi engajar as lideranças, afirma Oliveira. “Quem mais resistiu à adoção foram os C-levels, descrentes de que era possível aumentarmos a produtividade reduzindo a jornada, mas sem alterarmos remuneração e benefícios”, diz.
Para evitar esse tipo de conflito, Oliveira sugere que a companhia monte um projeto piloto e comprove na prática os ganhos do modelo.
No caso da Alimentare, o processo de transição também teve os seus desafios. “Foi difícil, em poucos meses, repensar o modo de trabalho de uma vida inteira e começar a fazer diferente. Houve um esforço conjunto para que isso desse certo”, afirma Margarin.
O redesenho de processos, ambiente, tecnologia e comunicação exigiu o engajamento de toda a equipe da Alimentare, mas os resultados demonstram que o esforço valeu a pena, conta a executiva. “A Alimentare segue como exemplo de inovação em um setor tradicional, mostrando que é possível crescer enquanto se prioriza a saúde e a qualidade de vida dos funcionários”.
Um ponto importante que a proposta do fim da escala 6x1 traz para o mercado de trabalho no Brasil, segundo Rivetti, é a possibilidade de ressignificar o trabalho na forma com que nos relacionamos com ele.
“A tecnologia evoluiu completamente e, ao invés de reduzir nossa sobrecarga, ela tem só nos deixado 24 horas conectados”, diz. “Então, o que tem em comum das semanas de quatro dias com a redução da escala (6x1) é a gente tentar, de fato, olhar o trabalho de uma nova forma e saber que ele tem que fazer parte de forma mais harmônica na nossa vida.”
Em relação ao piloto da semana de 4 dias no trabalho, as inscrições para a segunda edição do projeto já estão abertas, afirma Rivatti:
“Nesse momento, estamos em fase de inscrições, de planejamento, mas a ideia é que em 2025 a gente possa reforçar também o piloto da semana de 4 dias, tentar trazer novos olhares, novos segmentos e outras empresas para que a gente possa, de fato, expandir a mensagem”.