"Você não discute com ele. Quando o Elon se levanta ao final de uma reunião e diz: 'Esta é a direção que vamos seguir', você se levanta e segue a ordem", declarou um ex-gerente da Tesla em uma entrevista a um podcast em agosto deste ano, acrescentando que na única ocasião em que viu alguém discordar de Musk em uma reunião, a pessoa "nunca mais foi vista no escritório".
A declaração do ex-funcionário não é a única a expor o jeito autoritário de gestão do bilionário. Em uma longa reportagem publicada na Wired, revista de tecnologia dos Estados Unidos, em 2018, diversos ex-trabalhadores da Gigafactory, fábrica da Tesla em Nevada, relataram que era comum presenciar ataques de fúria de Musk.
Principalmente em momentos desafiadores para o negócio, o bilionário perambulava pela fábrica questionando e intimidando funcionários. Alguns eram demitidos aos gritos de "incompetentes". Os ânimos eram tão exaltados que gerentes orientavam que os funcionários não deviam se aproximar demais da mesa de Musk.
"Ele, definitivamente, é um líder autocrático. Ele é um visionário e vê a si próprio como agente de mudanças, algo que transcende até seu papel no mundo dos negócios, basta ver que ele declarou que, ao comprar o Twitter 'quer salvar a humanidade'", diz Yuri Trafane, CEO da Ynner, consultoria representante da Gallup no Brasil.
O especialista, que atua há 30 anos na área de recursos humanos, diz que, no mundo dos negócios, os empreendedores e executivos de grandes empresas podem desempenhar quatro papéis diferentes: ser um líder, ou seja, cuidar de pessoas; ser um gestor, que olha para processos; um estrategista, que olha para a estratégia do negócio e, por fim, ser um empreendedor, voltado para a inovação.
"O Elon Musk, como visionário que é, se encaixa no perfil de estrategista. Mas, do ponto de vista do que consideramos as boas práticas de gestão de pessoas, ele está completamente desalinhado e pode, até mesmo, ser considerado um líder tóxico", afirma o especialista.
Trafane cita que outro empreendedor famoso por não figurar no rol de bons chefes foi Steve Jobs, fundador da Apple. Jobs era conhecido por fazer duras críticas aos funcionários, muitas vezes de forma fria e na frente de todos.
"A genialidade desses executivos acaba compensando e eles acabam sendo bem-sucedidos em seus negócios APESAR da incompetência em lidar com pessoas. Mas isso não é a coisa certa a se fazer e nem todo mundo pode considerar isso na vida real, afinal, nem todos são gênios como eles para início de conversa", completa.
Workaholic e inimigo do home office
Musk é um workaholic assumido. Não faltam relatos de funcionários que presenciaram o CEO da SpaceX dormindo na mesa do escritório. E, para Musk, todos devem seguir o mesmo estilo de vida. O bilionário já declarou que suas empresas não são organizações em que se trabalha de "9h às 17h".
Em épocas de aumento na produção, trabalhadores das fábricas da Tesla nos EUA e em Xangai foram instruídos a trabalhar em turnos de mais de 12 horas, seis dias por semana. Na planta asiática, alguns dormiram nas fábricas durante os lockdowns.
O executivo voltou a salientar que espera que os funcionários trabalhem horas a fio mais recentemente, quando enviou um e-mail convocando os empregados da Tesla a voltarem ao trabalho presencial imediatamente.
Segundo o comunicado, intitulado "Venha trabalhar ou se demita", Musk teria afirmado que o trabalho remoto não seria mais aceitável. Além disso, que "qualquer pessoa que deseje fazer trabalho remoto deve estar no escritório por um mínimo (e reforço, no mínimo) de 40 horas por semana ou sair da Tesla".
"Esse episódio mostra, mais uma vez, a incapacidade dele em entender a natureza humana e de estar conectado com as demandas atuais. Cada vez mais empresas entendem que estar presente no escritório não é indicador de produtividade, principalmente, quando se trata de trabalhos criativos", destaca Trafane.
Em uma "relação abusiva"
Embora controverso, o estilo de Musk agrada a muitas pessoas, que enxergam na atitude do bilionário uma autenticidade.
Isso se dá por episódios como o da última quarta-feira, em que Musk entrou no prédio do Twitter segurando uma pia. Ou, quando em maio deste ano, o bilionário respondeu ao então presidente executivo, Parag Agrawal, demitido hoje, com um emoji de cocô.
"Para muitas pessoas esse traço dele, de "falar o que pensa", de não ter a mesma postura que outros executivos, pode ganhar a simpatia. Isso não quer dizer que, ao trabalhar com ele, isso será suficiente", diz Trafane.
A complexidade da personalidade é tanta que alguns funcionários dizem viver um "relacionamento abusivo" com Musk: admirando a sua genialidade, mas ao mesmo tempo sofrendo com as mudanças de humor.
“Ele é alguém que o capacita a ser melhor do que você pensa que pode ser”, disse Todd Maron, ex-advogado da Tesla na mesma matéria da Wired ."Ele tem padrões extraordinariamente altos, e por isso ele te empurra para ser o seu melhor absoluto", declarou.
"O ser humano funciona por meio de dois estímulos: a cenoura e o chicote. Há pessoas que se motivam em trabalhar com tamanha pressão e algumas até gostam disso, afinal, trabalhar na empresa do Elon Musk é algo que traz status", diz Trafane, da Ynner.
"Mas a questão é quanto isso será sustentável em um mercado de tecnologia, no qual não falta emprego e os profissionais são um dos mais emancipados. Os próximos capítulos de Musk no Twitter vão ser um MBA em gestão", finaliza o especialista.
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