Carreira

Psiquiatra fala da era do sucesso a qualquer preço

A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva fala das mudanças sociais que têm transformado o trabalho numa fonte de estresse e angústia

Executivo segurando um papel com o emoticon da raiva (Stock.XCHNG)

Executivo segurando um papel com o emoticon da raiva (Stock.XCHNG)

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2012 às 11h50.

- Quais mudanças na forma como lidamos com o trabalho explicam os altos níveis de ansiedade?

Ana Beatriz Barbosa Silva - Há pouco mais de duas décadas, quando Domenico de Masi publicou O Ócio Criativo, supúnhamos que estávamos entrando em uma era em que a tecnologia nos ajudaria a ter mais tempo livre. Esperávamos um período de maior bem-estar físico e psíquico e com maior espaço para a felicidade.

Mas não foi isso o que aconteceu. O que temos visto é que prevaleceu a crença de que um pode fazer o trabalho de dez com o amparo tecnológico. A evolução tecnológica também favoreceu o consumismo, ao baratear o custo de produção dos objetos.

Nesse contexto, as pessoas passam a ser avaliadas não por suas ideias, mas pelo que podem comprar. Em prol de um padrão de vida ideal, o profissional passa a trabalhar mais e mais horas, sem perceber, abrindo mão da saúde, da vida pessoal, e se enchendo de ansiolíticos e outros medicamentos para dormir a fim de dar conta de todas as demandas. As novas gerações já não sabem o que é dar um significado pessoal ao trabalho.

- Por que recorrer aos remédios para aliviar o problema não é produtivo no longo prazo?

Ana Beatriz - O remédio aumenta artificialmente a tolerância à ansiedade. Para assumir mais e mais responsabilidades, a tendência é aumentar a dose de medicação. Só que isso tem um custo sobre nossa capacidade criativa.

A maior parte dos ansiolíticos atua no hipocampo, um dos centros de memória do cérebro, afetando a capacidade de adquirir e registrar informações. Paralelamente, embora os sintomas da ansiedade desapareçam por causa do remédio, o cortisol, hormônio do estresse, continua em ação. Em níveis elevados, ele é extremamente tóxico para as células nervosas do cérebro, principalmente as do hipocampo.

Como nossa criatividade depende da habilidade dos nossos neurônios de combinar de diferentes formas as informações que adquirimos, nossa capacidade criativa fica comprometida.


- Quais são os efeitos de longo prazo de um estresse mal administrado?

Ana Beatriz - Fobias, pânico e sintomas obsessivos decorrentes de rituais de organização que geram estresse são algumas das consequências mais comuns. Como o cortisol, hormônio do estresse, altera o metabolismo do açúcar, também é comum ver pessoas desenvolvendo compulsão alimentar, principalmente por doces e chocolate.

A depressão é a consequência do estresse em nível mais avançado, quando a pessoa já nem consegue mais ir ao trabalho. Isso sem falar nos efeitos nocivos à saúde, como alergias de fundo nervoso, hipertensão e disfunções hormonais — por exemplo, problemas na glândula tireoide entre as mulheres e redução dos níveis de testosterona entre os homens.

- As mulheres são mais suscetíveis aos transtornos de ansiedade? Por quê?

Ana Beatriz - As mulheres são, por natureza, muito mais suscetíveis a esse tipo de problema. Os hormônios femininos, responsáveis pela criação de vínculos afetivos, por si sós deixam as mulheres mais vulneráveis às preocupações.

Como se não bastasse, o organismo da mulher tem tido de se adaptar a mudanças comportamentais drásticas nos últimos 50 anos, quando a presença delas no mercado de trabalho se tornou marcante.

- Como devemos lidar com o trabalho?

Ana Beatriz - Ser feliz profissionalmente deveria ser sinônimo de trabalhar em algo que dá um significado maior a sua vida, de ser uma extensão de suas melhores qualidades, e não sinônimo de ser bem-sucedido.

Quando você trabalha apenas para manter o status, o trabalho deixa de ser uma fonte de realização pessoal e satisfação. E o pior é que essas pessoas não aproveitam os bens que trabalham tanto para manter.

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