Graziella Batista, gerente de desenvolvimento de pessoas da Dow, à frente de um grupo de high potentials: eles fazem parte de 5% dos profissionais da empresa que têm seu desenvolvimento acelerado (Paulo Pampolim / Hype)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h38.
Enquanto a crise econômica se abate sobre Estados Unidos e Europa, comprometendo o desempenho das grandes multinacionais em suas matrizes, os países emergentes ganham papel de destaque nos planos de expansão dessas empresas. O Brasil, em especial, é estratégico nos planos de crescimento das principais companhias globais. Mas transformar metas tão agressivas em realidade num curto espaço de tempo depende do trabalho de líderes capacitados, um recurso cada vez mais raro no mercado e agravado por uma questão geracional. Um estudo da seguradora americana MetLife mostra que a maior parte dos baby boomers, geração nascida entre 1946 e 1964 — muitos hoje na casa dos 60 anos de idade —, está se aposentando. Segundo o levantamento, nos Estados Unidos, 63% dessas pessoas já recebem os benefícios da Previdência. Entre os que ainda trabalham, 37% pretendem se aposentar no ano que vem ou quando completarem 68 anos de idade. Ou seja, a geração que ocupou os principais postos de liderança nas últimas décadas está se retirando do mercado, o que pode significar um vácuo de liderança nos próximos anos.
Para contornar o problema e atender à necessidade de crescimento das organizações no Brasil, a saída tem sido investir nos chamados programas de aceleração de carreira (PACs), que dão treinamento intensivo a talentos potenciais. Diferentemente das já tradicionais políticas de desenvolvimento que buscam complementar a formação de todos os funcionários, os programas de aceleração de carreira fazem um investimento concentrado em um seleto grupo de profissionais, considerados os melhores (dentro ou fora da companhia) para vir a ocupar cargos de liderança rapidamente. Por isso, os PACs costumam ser direcionados às pessoas que já têm alguma experiência profissional, o que também distingue esses programas dos de trainees. “Nos PACs, você forma líderes mais rápido do que poderia acontecer com um trainee, porque trabalha com pessoas mais experientes”, diz a consultora de carreira Adriana Chaves, da DMRH. E pressa é o que as empresas mais têm.
Depois de adquirir três novas companhias nos últimos três anos e criar uma unidade de negócios na América Latina, com sede em São Paulo, a subsidiária brasileira da farmacêutica Sanofi aumentou drasticamente sua demanda por líderes e viu que a conta não fechava. “Consumimos rapidamente as lideranças que vínhamos formando em nossos programas de desenvolvimento de carreira e percebemos que vamos precisar capacitar mais líderes num curto espaço de tempo”, afirma André Rapoport, vice-presidente de RH do Grupo Sanofi na América Latina. Para suprir sua necessidade, a empresa lançou em março o Programa Acelere, voltado para o recrutamento externo de jovens profissionais, formados entre dois e cinco anos.
Durante 18 meses, eles serão expostos a um job rotation, terão experiência internacional em uma operação da companhia na América Latina e participarão de módulos de treinamento formal com vistas a assumir posições gerenciais ao final do processo. “Testamos um piloto desse programa há três anos e vimos que a velocidade com que ele prepara pessoas para assumir postos de liderança faz dele a alternativa ideal para companhias com uma necessidade de crescimento muito grande, como o nosso caso”, diz Rapoport.
Com a missão de duplicar seu tamanho no país até 2015, a Philips do Brasil também conta com um programa para se antecipar à escassez de líderes. É o Leadership Gateways, que recruta talentos potenciais e pretende desenvolvê-los durante dois anos para que venham a assumir postos de gestão.
O processo é voltado para candidatos com histórico de liderança bem-sucedida de alguns anos, diploma de mestrado, boa habilidade interpessoal e alinhamento com os valores da empresa. Além de treinamentos em sua área — marketing, RH ou inovação —, os profissionais selecionados recebem formação em gerenciamento sênior, como preparação para assumir futuras posições de liderança. “Nosso planejamento atual prevê a preparação de três potenciais talentos para cada vaga de liderança da organização”, afirma Alessandra Ginante, vice-presidente de RH da Philips no Brasil.
Só para funcionários
Esse tipo de iniciativa também pode ser usada para acelerar a carreira de talentos que já estão na organização. Na Dow, múlti do setor químico, avaliações semestrais de performance e potencial ajudam a apontar os chamados high potentials — 5% dos colaboradores do grupo que terão seu desenvolvimento acelerado. “A performance diz respeito ao desempenho presente da pessoa, aos resultados que já entrega. O potencial envolve o desempenho futuro que apostamos que essa pessoa pode atingir”, explica Graziella Batista, gerente de desenvolvimento de pessoas da Dow no Brasil. Para medir o potencial, são avaliados critérios como ambição e vontade de crescer, habilidade interpessoal, engajamento com os valores da empresa e, sobretudo, agilidade na aprendizagem. Esses itens são mensurados por meio de um rigoroso teste de 40 páginas, respondido pelo colaborador e seus líderes. “Isso nos ajuda a identificar com precisão os pontos que a pessoa precisa desenvolver”, diz Graziella.
O treinamento desses talentos potenciais envolve educação formal, por meio de cursos de liderança ou MBAs; coaching e feedback constantes por parte do gestor; e principalmente experiências práticas que os exponham a um aprendizado acelerado. “Esses profissionais são colocados em projetos especiais, interdisciplinares, com metas agressivas. Eles são forçados a sair da zona de conforto ao ser submetidos a pressão e desafios maiores, que promovam um amadurecimento mais rápido”, diz a gerente da Dow.
Na gigante de eletrodomésticos Whirlpool, a avaliação dos melhores resultados em performance e potencial resulta num ranking dos colaboradores — é o chamado Talent Pool. “Aqueles classificados como superpotenciais são pessoas que poderiam ser promovidas em até dois níveis hierárquicos”, diz Úrsula Angeli, gerente-geral de RH da Whirlpool na América Latina. Para isso, os selecionados fazem cursos nas habilidades que precisam desenvolver — gestão de pessoas, liderança inspiracional e como dar feedback, por exemplo — e participam de iniciativas como o Harvard Management Mentoring, discussões sobre as competências necessárias ao modelo de liderança da empresa, guiadas por líderes seniores, para promover a troca de experiências e o desenvolvimento mútuo, com suporte de materiais teóricos de Harvard. “A aceleração nos assegura de que pessoas de alto potencial estarão efetivamente preparadas para assumir posições de liderança quando necessário”, diz Úrsula. Não só pelo Talent Pool, mas muito por sua força, 70% da liderança atual da Whirlpool foi formada internamente.
Política preventiva
Engana-se quem pensa que os programas de aceleração de carreira têm um caráter apenas emergencial. Ao contrário, essas iniciativas podem fazer parte de um bem estruturado planejamento de reposição e desenvolvimento de novos líderes. A Unilever, onde a necessidade de formar lideranças também é crescente, é um bom exemplo disso. Para dobrar seu faturamento mundial até 2020, a multinacional tem como prioridade crescer ainda mais no Brasil, que já é sua segunda maior operação no planeta, atrás somente dos Estados Unidos. Para preencher as vagas existentes e as que surgirem, a companhia trabalha com os chamados indicadores de cobertura, pelos quais faz um levantamento dos postos de gestão e estima quantos funcionários precisam ser capacitados a cada ano para cobrir a demanda. Assim, a Unilever define com maior precisão quantos colaboradores precisam ser “acelerados” para as vagas de gerência e de direção, e em quais áreas essa necessidade é mais crítica.
Mesmo assim, como estratégia para lidar no longo prazo com uma possível escassez de liderança, a organização vai lançar ainda neste ano o programa Accelerator, voltado para jovens profissionais que ainda não são considerados talentos, mas que dão indícios de que podem vir a ser incluídos entre os potenciais. “Faremos um trabalho parecido com o dos olheiros nas categorias de base do futebol”, compara Jéssica Hollaender, diretora de RH da Unilever. “Avaliaremos do que essa pessoa precisa para crescer e aprender mais rápido — experiência internacional, mudança de área ou oportunidade de gerir uma equipe — e ela será colocada nessas situações.” Durante um ano, esses jovens receberão coaching e serão envolvidos em projetos importantes, convivendo com líderes que ocupam posições-chaves. “Hoje, a formação de liderança não é mais uma questão do RH. É algo que está na pauta estratégica da empresa, pois há o entendimento de que é preciso formar as pessoas certas para alcançar as metas da companhia”, afirma Jéssica.