Luiz Noronha, diretor executivo do núcleo de TV da Conspiração: até seis meses para formar uma equipe de roteiristas, produtores e cinegrafistas (Fabiano Accorsi)
Da Redação
Publicado em 14 de novembro de 2013 às 12h24.
São Paulo - No universo do trabalho audiovisual, o produtor acaba fazendo as vezes do gestor de RH. Ele é o responsável, entre outras tarefas, pela captação de recursos, organização do orçamento e distribuição das verbas entre as etapas da produção. O produtor também se encarrega de contratar e gerenciar a equipe.
Além de acumular essas funções, hoje esse profissional encara mais um desafio: recrutar talentos com habilidades específicas para a produção televisiva. A missão é fruto de uma lei aprovada em setembro de 2011 que determina a cota de no mínimo três horas e 30 minutos semanais de conteúdo nacional nos canais de espaço qualificado (aqueles que exibem predominantemente filmes, séries, animações e documentários).
Desses 210 minutos de programação, metade deve ser feita por uma produtora brasileira independente. “A lei veio para regulamentar um mercado que, mesmo intenso, ainda não dispunha de regras”, diz Mauro Garcia, diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV).
De acordo com Garcia, a determinação judiciária ajudou a impulsionar a produção dos canais pagos e o surgimento de novas produtoras. “No início de 2012, tínhamos 175 empresas associadas. Hoje, o número subiu para 319, sendo 172 produtoras só de São Paulo”, diz.
Diante do novo cenário, surge um entrave: onde encontrar profissionais qualificados para esse setor que, até então, era pouco explorado? Já prevendo essa demanda do mercado, no fim de 2008, a produtora independente Conspiração, que tem o produtor e empresário Pedro Buarque de Hollanda como presidente do conselho de administração, iniciou uma caça aos roteiristas.
“Levei seis meses para formar o primeiro time de seis pessoas em 2009”, diz Luiz Noronha, diretor executivo do núcleo de TV da empresa, que tem 250 funcionários e escritórios no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. O processo de recrutamento se deu por meio da indicação de colegas de trabalho e em escolas voltadas para o audiovisual.
“Buscamos em áreas como teatro, jornalismo e documentário”, diz Noronha, que hoje conta com um time de 15 roteiristas. Todos eles têm contrato fixo — o que não é comum — e fizeram cursos com roteiristas de Hollywood e em instituições renomadas, como a Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, bancados pela própria Conspiração, para se adequarem ao formato de texto para televisão. O crescimento da área é tamanho que, para 2014, a produtora faz uma projeção de faturamento de 200 milhões de reais.
Marcia Vinci, produtora executiva de televisão da O2 Filmes, conhecida internacionalmente pelo longa-metragem Cidade de Deus, acrescenta a dificuldade de formar o time a tempo do início da pré-produção. “Se antigamente você conseguia contratar os temporários com duas semanas de antecedência, hoje é necessário se adiantar em meses. Como a mão de obra para esse setor está disputada, o planejamento acaba sendo maior”, diz.
Para Marcia, que entrou na empresa em agosto de 2012 por causa da demanda de trabalhos voltados para a TV, outra questão preocupante é a falta de especialização no formato televisivo.
Os roteiristas tradicionais são mais voltados para o formato de cinema. “Em série, você faz uma história fragmentada em episódios, diferente do longa”, diz. Para contornar essa situação, em 2012, a produtora do cineasta Fernando Meirelles realizou dois eventos com roteiristas estrangeiros, o consultor argentino Miguel Machalski e o professor de roteiro para TV da Universidade Columbia Alan Kingsberg. O objetivo é investir na formação da equipe de televisão.
Mercado especializado
Os escritórios representantes dos canais norte-americanos no Brasil também sentiram o impacto da lei de cotas em seu quadro de funcionários. “No grupo Turner, foram criados alguns postos para acompanhar o volume de projetos nacionais”, diz Silvia Elias, gerente de conteúdo local da Turner Broadcasting System, que detém canais como Warner, Boomerang e Space.
Desde que a Lei no 12 485/2011 entrou em vigor, o faturamento cresceu – no comparativo entre o último trimestre de 2012 e o primeiro de 2013, a receita foi duplicada – e foram contratadas cinco pessoas para o cargo de produtor.
No entanto, a caça aos talentos não foi tão simples. “Temos uma falha grande de ensino nessa área, muita gente faz curso no exterior para se especializar. Eu mesma sou formada em rádio e televisão pela Faap, em São Paulo, mas fiz pós-graduação em cinema pela New York Film Academy”, diz Silvia.
Para a gerente da Turner, o mercado de séries ganha corpo e se torna mais especializado. Instituições como a Academia Internacional de Cinema criaram cursos específicos para essa área.
Desde 2011, nove turmas se formaram no curso de roteiro para TV. A Faap e o Senac também investem na área, com opções como pós-graduação em produção executiva e gestão de televisão e aulas livres de interpretação para TV e cinema, respectivamente.
“O roteirista é o grande buraco hoje”, diz Silvia. “Não é que faltem ideias ou que não existam pessoas criativas, o problema é achar quem consiga estruturar uma história e pensar nela como um produto.” Hoje, só o grupo Turner tem 20 projetos em andamento e, para cada um deles, são contratadas diferentes produtoras, que formam novas equipes para o projeto.
“A maioria dos contratos é feita por projeto, com duração média de seis meses. Acabada a produção da série, a pessoa se desliga”, diz Silvia. Na mesma situação, a A+E Networks, que detém canais como A&E e History, forma novas parcerias a cada produção televisiva.
Atualmente, um dos grandes projetos é a série O Infiltrado, que estreou em 7 de maio no canal History, feita em conjunto com as produtoras Terra Vermelha e Cinevideo. “Apesar de encontrarmos bons profissionais, percebo que ainda existe uma demanda grande por quem sabe fazer série. Aparece também na lista dos profissionais mais disputados a figura do produtor executivo.
Para outros, falta a formação específica. Falta gente com uma cabeça de negócios. Hoje a realidade mudou, existe um produto [o conteúdo nacional para canais pagos] e ele precisa ser tratado como negócio”, diz Krishna Mahon, produtora executiva da A+E Networks. Marcia Vinci, da O2 Filmes, inclui os atores na lista dos mais procurados.
“Para compor o elenco de Beleza S.A., do canal GNT, levei quatro meses entre pesquisas e testes. A dificuldade está na cultura de elenco de famosos, que geralmente têm contratos de exclusividade”, diz Marcia. A produtora avalia a experiência como positiva, pois acabou descobrindo e dando oportunidades de trabalho a 54 novos talentos fora do circuito tradicional.
Do lado financeiro, os resultados também já aparecem. Se até 2011 o faturamento da O2 Filmes era dividido em 70% para publicidade e 30% para entretenimento (15% para cinema e 15% para TV), em 2012 a proporção mudou para 62% e 38%, sendo os 8% a mais somente do mercado de televisão. A previsão para 2013 é ainda mais positiva para o setor que desponta no Brasil, se aproximando do faturamento de 55% para publicidade e 45% para entretenimento.
Juliana Lira, diretora de produção e sócia da Mocho Produções, também teve uma feliz surpresa ao montar sua primeira equipe para um trabalho em parceria com a Turner. “Logo que entramos nesse mercado, pensamos ‘E agora, quem trabalha com isso?’, mas com indicações de amigos e muita pesquisa achamos profissionais bons.” Para ela, o que existe é um preconceito entre as áreas. “É um setor muito fechado. Quem faz cinema só fica no cinema, não quer ou acha que não pode migrar para outras áreas.”
Como a produtora criada com os sócios Luciana Vendramini e Nelsinho Nejaim é mais recente – surgiu em junho de 2011 – e tem um porte menor, ainda não é possível reter os colegas de produção, mesmo que, comparado à receita do último trimestre de 2012, o faturamento de 2013 tenha crescido 50%.
Mauro Garcia, diretor executivo da ABPITV, analisa essa rotatividade como um fenômeno natural. Esse mercado tradicionalmente contrata alguns profissionais só durante o período de gravação ou pré e pós-produção, como é o caso de roteiristas, equipe de audiovisual e atores. “No mundo ideal, a produtora ou o canal teriam uma equipe fixa, mas o normal desse mercado é trabalhar com projetos. O que vemos agora é uma escala diferente: por causa do maior volume de projetos, o profissional fica empregado por mais tempo”, diz.
Outros problemas criados pela falta de um time fixo são o desgaste de contratar toda uma equipe por produção e a insegurança de não poder reunir os mesmos profissionais nas próximas temporadas.
“Quando é assim, você corre o risco de não conseguir as mesmas pessoas nos outros anos da série. Infelizmente, o orçamento não comporta uma equipe fixa para algumas funções, por isso entramos em contato com antecedência e torcemos para que os profissionais tenham agenda.” Como o movimento no universo das séries ainda é recente, o resultado desse drama só será visto nos próximos episódios.