Deixar família, carreira e os costumes na terra natal nem sempre é uma decisão fácil, mas muitos brasileiros estão fazendo isso para viver em Portugal (SimpleImages/Getty Images)
Repórter
Publicado em 28 de junho de 2025 às 07h58.
Deixar família, carreira e os costumes na terra natal nem sempre é uma decisão fácil. “Decidir viver em outro país é uma escolha, mas requer muitas renúncias”, afirma a dentista brasileira Julianne Rabelo.
Ela se mudou para Portugal em 2023, aos 29 anos, após anos trabalhando como cirurgiã dentista em São Paulo. “Vim para cá para ter um tempo sabático. Portugal era um sonho e por meio de um convite da minha melhor amiga, dei o primeiro passo para vivenciar e conhecer a cultura portuguesa”, afirma Rabelo que ainda como turista conseguiu um emprego de atendente em uma loja no centro de Braga, uma cidade conhecida por atrair muitos brasileiros.
Com emprego garantido em Portugal, Rabelo conseguiu dar entrada no processo de legalização por meio da “Manifestação de Interesse”, processo que o país disponibilizava até 2024 para pessoas que vinham como turista e começavam a trabalhar.
Esse foi um dos processos que Portugal mudou em relação à imigração, e a partir deste ano, o governo português promete anunciar novas medidas que visam restringir a entrada de imigrantes no país. Na última segunda-feira, autoridades de Portugal informaram os planos, os quais seguiram para análise da Assembleia da República. As mudanças serão votadas na próxima semana em regime de urgência, afirma advogada de imigração Simone Marins, que atua em Lisboa desde 2014.
Entre as principais mudanças, a advogada destaca uma que afeta diretamente pessoas que se enquandram no visto CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa): os vistos de curta duração, como os de turismo, não permitirão mais a regularização para residência no país,
"A partir da implementação das novas leis, brasileiros que vieram como turistas e não iniciaram seu processo de regularização no Brasil por meio da CPLP não terão mais a possibilidade de se regularizar em Portugal", afirma a advogada.
“Os brasileiros que chegarem como turistas e não tiverem iniciado seu processo de regularização antes da entrada em vigor da nova lei perderão a chance de se regularizar em Portugal”, diz a advogada que mora em Portugal.
As novas regras também vão exigir mais para o visto de CPLP, afirma Marins. “O governo pretende liberar esse visto de residência via CPLP apenas para profissionais altamente qualificados. Eles serão mais criteriosos na avaliação”.
Julianne Rabelo, dentista: "Portugal era um sonho e por meio de um convite da minha melhor amiga, dei o primeiro passo para vivenciar e conhecer a cultura portuguesa" (Arquivo pessoal/Divulgação)
Como muitos imigrantes, Rabelo fez todo o processo para se manter legal em Portugal, mas como as mudanças previstas e a quantidade de imigrantes, o sistema de Portugal está atrasando muitos processos. Rabelo, por exemplo, aguarda o seu visto de residência, que permite que o imigrante possa trabalhar legalmente no país e usufruir de direitos básicos, como acesso ao sistema público de saúde e viagens fora do país. Há mais de um ano trabalhando legalmente em Portugal, a brasileira já passou pela entrevista de imigração, entregou todos os documentos e agora espera um retorno do governo.
“Eles não falam o prazo que vamos receber o que eles chamam de ‘cartão de residente’. Os advogados dizem que pode demorar até 90 dias para o cartão ser emitido, caso não haja indeferimento”, diz Rabelo que por enquanto não pode viajar para outros países até ter esse visto, inclusive para o país de origem para rever a família.
Os atrasos do governo quanto aos processos imigratórios também impactaram a situação do brasileiro Daniel Soares. Formado há 25 anos em design e marketing, trabalhava como responsável de marketing de empresas financeiras em São Paulo, mas decidiu se mudar para Portugal aos 47 anos junto com a esposa e uma filha de 4 anos no final do ano passado.
“A empresa que eu trabalhava foi vendida e aproveitei a oportunidade para viver um novo momento de vida e profissional”, afirma Soares.
Com amigos em Portugal e sem barreira com o idioma, Soares decidiu apostar no país europeu. Juntou os documentos necessários e tirou para toda a família o visto CPLP.
No entanto, apesar de estarem em conformidade com as leis de imigração, a família enfrenta hoje atrasos para receber o cartão cidadão, devido a demora no processo da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo).
“O primeiro visto concedido no Brasil é de 4 meses. Como chegamos em solo português em dezembro, a entrevista com o AIMA já deveria ter acontecido dentro dos 4 meses.”, diz o brasileiro que até agora não foi chamado para entrevista e, para garantir seus direitos, entrou com um processo contra a AIMA e ganhou.
“Apesar de não estar correndo nenhum tipo de risco de deportação, porque estou legal aqui, me sinto no limbo, em uma situação desconfortável por não ter o cartão cidadão, que me permite alguns direitos aqui como saúde pública, moradia e educação pública para a minha filha”, afirma Soares, que teve que investir em um plano de saúde, colocar a filha em uma escola particular e alugar casa de um conhecido.
Soares e sua esposa seguem trabalhando legalmente no país. Enquanto a esposa, que é advogada, trabalha em uma consultoria brasileira de forma remota, Soares decidiu empreender. Hoje é sócio da Next Border, uma startup em Portugal que, inclusive, terá como solução facilitar o processo de visto de imigrantes de vários países.
“Ainda estamos na fase de desenvolvimento e todo o processo terá o apoio da IA. Em alguns meses vamos realizar os testes com alguns clientes. Esperamos poder ajudar muitos imigrantes, assim como nós, com essa tecnologia, seja aqui em Portugal ou em outros países”, afirma o empresário.
Daniel Soares com a família em Portugal: “Apesar de não estar correndo nenhum tipo de risco de deportação, porque estou legal aqui, me sinto no limbo, em uma situação desconfortável por não ter o cartão cidadão, que me permite alguns direitos aqui como saúde pública, moradia e educação pública para a minha filha” (Arquivo pessoal/Divulgação)
Wilson Bicalho, advogado especializado em imigração, professor de Pós-Graduação em Direito Migratório, vive e trabalha em Lisboa, e também está sofrendo com a demora do sistema português.
“Por cuidar de perto dos processos de imigração dos meus clientes, vi a dificuldade com o sistema português e solicitei a renovação três meses antes de vencer o meu visto. Mesmo assim ainda não recebi o retorno do governo e estou com o cartão de residência atrasado desde maio”, diz o advogado.
Segundo ele, as novas regras podem afetar negativamente aqueles que buscam a cidadania portuguesa do Brasil, mas já está afetando também quem busca se manter legal no país europeu.
Rabelo e Soares chegaram antes do novo endurecimento das regras de Portugal que está em análise na Assembleia da República, mas se aprovado, poderão valer a partir deste mês para os novos imigrantes.
Segundo os advogados Marins e Bicalho, entre as principais mudanças da lei de imigração em Portugal, estão:
Para os imigrantes que já enfrentam dificuldades burocráticas, com a falta de prazos para a entrega dos vistos de residência, Marins orienta que, caso não haja cumprimento do prazo legal, a ação judicial seja considerada. “A recomendação é esperar os três meses legais, mas se o prazo não for cumprido, é possível entrar com recursos administrativos ou ações judiciais".
Para aqueles que estão no Brasil e planejam emigrar para Portugal, a única forma de obtenção de residência, caso a lei seja realmente aprovada, será por meio de visto de trabalho, visto de estudo ou contrato de trabalho assinado previamente, afirma a advogada.
"O processo vai ficar bem mais burocrático", diz a advogada Marins, ressaltando que a possibilidade de regularização por meio do CPLP está se extinguindo para quem ainda não iniciou o processo.
As mudanças com a lei da imigração em Portugal, segundo a advogada Marins, é um movimento que reflete uma crescente presença de blocos políticos de centro-direita.
“Essa tendência não é única de Portugal, sendo observada em vários países, incluindo os Estados Unidos e Itália”, afirma Marins.
Historicamente, os governos portugueses de esquerda mantiveram uma política de portas abertas para os imigrantes, sem uma estrutura capaz de controlar a migração de maneira eficaz, o que levou a uma série de desafios administrativos e sociais. "O problema não foi apenas a falta de planejamento, mas também uma gestão ineficaz do governo de esquerda que resultou em uma imigração descontrolada", afirma Marins.
Maria Lúcia Amaral, ministra da Administração Interna de Portugal, se posicionou recentemente sobre o número de imigrantes fugiu do controle nos últimos anos.
"Como é bem sabido, Portugal sofreu um dos maiores choques demográficos, com uma população estrangeira que quadruplicou desde 2017", afirmou a ministra.
Cerca de 280 mil autorizações de residência com vencimento até 30 de junho terão sua validade prorrogada até 15 de outubro de 2025. As novas restrições voltadas para os imigrantes, está em análise pelo governo e devem ser julgadas na próxima semana.