Kelly Fournou, gerente de RH da Chilli Beans: ao entrar no segmento de óculos de grau, a empresa precisou contratar profissionais com outra formação (Omar Paixão / VOCÊ RH)
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2014 às 10h17.
São Paulo - Ao decidir, em novembro de 2007, que a farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS) deveria se tornar uma companhia de medicamentos biotecnológicos de porte médio, seus executivos iniciaram uma das maiores transformações da história da organização.
A partir daquele momento, a empresa deixou de produzir tanto a linha de medicamentos que podem ser comercializados sem prescrição médica (OTC) quanto a dos que só são vendidos com receita, e investiu recursos e mão de obra para começar a produzir remédios para doenças mais graves, como aids e câncer.
Para garantir que todos os funcionários estivessem comprometidos com a nova fase, a empresa se apoiou totalmente em sua área de recursos humanos. Conscientemente, ela estava dando o passo certo para que sua história não entrasse nas estatísticas de fracasso das companhias que experimentam uma virada nos negócios.
De acordo com um estudo publicado pela Harvard Business Review em 2005, 70% das empresas não obtêm êxito em seus esforços de transformação organizacional. O principal motivo apontado pela pesquisa é o baixo empenho real das pessoas envolvidas no processo de mudança.
Falta alguém que as motive, que comunique as novas diretrizes e as conduza pelo novo caminho. Ou seja, um profissional que atenda pela sigla RH. “Um dos riscos de uma mudança empresarial é a execução”, diz Jean-Claude Ramirez, sócio da consultoria Bain & Company.
“A ideia pode ser boa e fazer sentido, mas, se não consigo identificar os indivíduos que a entendem e utilizá-los como embaixadores desse processo, a mudança não vai acontecer ou não será tão significativa.” No redirecionamento ou na ampliação de um negócio, o RH deve ser o embaixador principal que vai identificar outros embaixadores, garantindo que a empresa siga o novo caminho. Nesse processo, há quem, naturalmente, abrace a causa e os desafios e há aqueles que simplesmente dizem adeus.
De um total aproximado de 900 empregados no Brasil, a BMS sofreu uma redução de 10% a 15% em 2007. O curioso é que, com exceção do fechamento da fábrica de Santo Amaro, zona sul da capital paulista, que resultou num corte de cerca de 300 trabalhadores, todos os desligamentos foram iniciativas dos próprios funcionários.
“Procuravam-me e diziam que não se sentiam preparados ou não tinham interesse em trabalhar nesse negócio”, diz Aníbal Calbucci, diretor de recursos humanos da farmacêutica. No processo todo de transformação, Calbucci foi a ponte entre a empresa e os profissionais para assegurar que as informações fossem compartilhadas de forma correta.
“Toda vez que ocorre uma mudança, surge a dúvida ‘o que vai acontecer comigo?’”, diz ele. “O RH deve se antecipar em relação às expectativas, esclarecer os questionamentos e ajudar o pessoal a se transformar.”
Além de um trabalho árduo de comunicação, que buscava informar qual impacto a mudança do negócio teria no trabalho de cada um, Calbucci investiu em treinamento, tanto técnico quanto comportamental, especialmente para a força de vendas, que precisava entender a complexidade da nova mercadoria. “Levamos cinco anos aplicando treinamentos e cursos constantemente”, afirma.
O treinamento é parte obrigatória no ritual da mudança. Afinal, quando a estratégia do jogo muda, os jogadores precisam ser substituídos ou exaustivamente treinados. O Grupo RBS provou as duas coisas. Atuante no setor de comunicação, a RBS iniciou seu processo de mudança em 2008, quando expandiu os negócios para a área de tecnologia e desenvolvimento de softwares.
O impacto maior no dia a dia das equipes, porém, aconteceu no final de 2011, com a chegada de Deli Matsuo, vice-presidente de gestão de pessoas do grupo. “Cheguei com a missão de implementar um novo modelo de gestão que enfatizasse a contratação de profissionais com perfil transformador, mais inovador e com maior liberdade para criar”, afirma o executivo.
Primeiramente, foi feito um trabalho de sensibilização da população da RBS — uma série de reuniões para falar sobre a nova cultura e os motivos da mudança. O passo seguinte seria recrutar novos profissionais e desenvolver os que decidiram ficar (algumas pessoas preferiram se desligar, levando a média do turnover involuntário para 20% — que caiu para 15% em 2013).
Para dar conta do plano, Matsuo montou um processo de recrutamento mais analítico e focado em gente com alta capacidade cognitiva. “Estava menos preocupado se o candidato já tinha experiência na área, e muito mais interessado em analisar se tinha capacidade de se adaptar e abraçar o novo”, diz.
Era preciso, porém, treinar os entrevistadores da empresa para que mudassem a forma como estavam acostumados a fazer a avaliação e passassem a olhar mais os candidatos com base no perfil acadêmico e na trajetória profissional. Todo o processo de aprimoramento das técnicas de entrevista levou pouco mais de um ano e já demonstra resultados palpáveis: o índice de erro na contratação, que era de 40%, caiu para 5%.
Parte do sucesso é garantida pela ação do comitê composto pelo próprio VP de RH, dois líderes da diretoria executiva e um líder de recrutamento de cada unidade de negócio, além de convidados eventuais.
São eles quem dão a palavra final da contratação, mudança que, a princípio, teve alguma resistência. “Antes, o gerente da área tinha o poder de decidir quem iria empregar. Hoje, ele pode até indicar um candidato, mas a escolha definitiva cabe ao comitê”, afirma Matsuo.
Novo perfil, mesma cultura
Ao redirecionar seu negócio ou ampliar o escopo de atuação, é inevitável que o perfil do profissional passe por mudanças. Pode ser que você não precise mexer no time inteiro, mas parte da equipe vai precisar de uma atenção especial. A RBS começou a busca de um novo tipo de funcionário, alguém mais apto a mudanças e que trouxesse um comportamento mais flexível. Já a Chilli Beans precisou ir mais longe.
Conhecida pelos modelos de óculos e relógios modernos, a marca criada pelo empresário Caito Maia teve de contratar profissionais com outra formação para dar suporte a sua recente entrada no segmento de óculos de grau. A tarefa não foi tão simples como se pensava. A maioria dos candidatos oferecia a experiência prática, mas não a formação técnica exigida pela empresa.
“Tínhamos consciência de que as ópticas viriam para cima de nós, por isso queríamos fazer tudo certinho e recrutar só técnicos com diploma”, diz Kelly Fournou, gerente de RH da Chilli Beans. Passou-se um ano até Kelly pré-selecionar seis candidatos com o perfil desejado. Destes, no entanto, apenas dois ingressaram no time.
Diante da dificuldade, a empresa decidiu ela mesma certificar alguns funcionários na função. Até o momento, 50 técnicos passaram por treinamentos online personalizados da escola técnica OWP e, ainda este ano, mais 100 devem ser capacitados para atuar nos 586 pontos de venda que já oferecem o novo produto. Além da formação dos próprios funcionários, a Chilli Beans prevê contratar mais 20 técnicos ópticos até o final do ano.
Encontrar a formação necessária não foi a única dificuldade da empresa. Mais do que técnicos com certificação, a Chilli Beans precisava achar pessoas alinhadas à cultura da empresa. “As ópticas, normalmente, são ambientes mais sisudos, e seus profissionais acabam incorporando essa postura”, diz Kelly.
“O nosso presidente, no entanto, queria pessoas com o DNA da marca.” Como não existia esse perfil pronto no mercado, Kelly optou por selecionar aqueles que demonstravam um encantamento pela marca e a disposição de se adaptar.
O mesmo desafio vivido pela Alpargatas, quando decidiu estender sua marca Havaianas para uma linha de vestuário, em 2010. Ana Marcia Lopes, diretora de RH da Alpargatas, sabia que os novos empregados deveriam demonstrar o espírito descontraído já consolidado na sandália famosa.
“Precisei contratar pessoas com conhecimento específico em design, produção de peças e, sobretudo, com o DNA da marca”, diz Ana Marcia. A missão, no caso da Alpargatas, exigia ainda rapidez. O RH teve um prazo de apenas 15 dias para montar uma equipe de 15 profissionais para a primeira linha de roupas femininas e masculinas.
De acordo com Luis Henrique Stockler, da consultoria especializada em varejo ba}Stockler, valorizar a cultura ajuda a empresa a não se perder em meio a tantas mudanças. “Fatores políticos, econômicos, ambientais, sociais e tecnológicos alteram o processo interno de uma organização e até o direcionamento de seu negócio, mas não a cultura”, diz o consultor. “Essa deve ser conhecida por todos.”
Mostre o lado bom da mudança
Quando uma empresa se aventura em outro segmento, como a Alpargatas e a Chilli Beans, uma das oportunidades do RH é oferecer novas experiências e desafios para o time e movimentar a carreira na companhia.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com Edmara Dias Marques, que de consultora de trade marketing da Bombril passou para coordenadora de trade marketing na Bril Cosméticos, novo braço da companhia. “Quando surge uma vaga, abrimos para que todo mundo possa concorrer ao posto, desde que tenha, claro, as competências necessárias”, diz Katia Valença, gerente de recursos humanos da Bombril.
Em 2011, os acionistas da empresa conhecida pela esponja de aço de 1.001 utilidades realizaram um desejo antigo de entrar no setor de cosméticos, mais rentável que o de limpeza. Ao adquirir a Ecologie Cosméticos, a Bombril passou a contar com um catálogo de mais de 120 produtos para cuidados de cabelos, corpo e rosto. De quebra, “adquiriu” 52 empregados com a expertise necessária para ajudar na empreitada de competir no setor de beleza.
“Tivemos de fazer mudanças na estrutura organizacional do administrativo e do comercial. Também reavaliamos a distribuição dos vendedores”, diz Katia. A adaptação dos processos e o aculturamento dos novatos levou um ano. Nesse período, Katia fez mais alterações. As equipes de TI, financeiro e jurídico, por exemplo, passaram a atender aos pedidos da Bombril e da Bril Cosméticos.
“Antes de mudar, é bom fazer uma avaliação de competências e, depois, dar treinamento. O RH deve avaliar se os profissionais estão seguros o suficiente para obter desempenho nesse novo perfil de negócio”, recomenda Lyrian Faria, sócia-diretora da Dynamica, especializada em gestão de mudanças organizacionais.
Esse cuidado foi fundamental no processo de mudança da LowCost, empresa de outsourcing de cópias e impressão, que, desde o final de 2013, passou a investir também em gestão documental, processo tecnológico que reduz em até 37% o volume de cópias e impressões.
“Para se sentir seguro, o pessoal passou por treinamentos técnicos que totalizam 24 horas-aula, além de palestras informativas”, diz Jalba de Medeiros Paiva Junior, gerente de recursos humanos. A empresa também contratou uma consultoria e pagou cursos para certificar os profissionais.
Devidamente capacitados, vários empregados saíram da categoria de operador e passaram para a de analista de negócio. Novas áreas de negócio também apareceram, como a de projeto documental e a de guarda documental inteligente — o que levou a uma reestruturação do organograma e da política de cargos e salários.
O maior orgulho da LowCost, no entanto, é ter conduzido um processo de transformação sem um corte sequer. Ao contrário, a companhia, que tem 300 empregados, teve um crescimento de 20% na mão de obra. Sem a parceria entre a liderança e o RH, porém, seria difícil atingir esse resultado.
Francis Safi, presidente da empresa, e Paiva trabalharam juntos em todo o processo. Enquanto o primeiro fez uma reunião com todos os funcionários explicando a mudança, o segundo visitou cada unidade e atendeu a diversas ligações para sanar as dúvidas da equipe. Para Safi, esse trabalho fez com que os profissionais enxergassem, na mudança, oportunidades em vez de problemas.
Essa aliança é o que Jean-Claude Ramirez, da Bain & Company, considera o segredo para uma transição tranquila e saudável. O gestor de recursos humanos é quem vai ajudar a comunicar as novidades, adaptar ou criar processos e apoiar a organização e as pessoas ao longo do caminho.
“Ele deve ser um agente na mudança — e não da mudança. Acho um erro deixar toda a responsabilidade da transformação na mão da área de recursos humanos. Esse é um dever da liderança”, afirma Ramirez. Afinal, não adianta preparar o solo se quem está lá em cima não estiver semeando.