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Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2014 às 10h23.
São Paulo - Está previsto para novembro o lançamento no Brasil do livro O Capital no Século XXI, do economista francês Thomas Piketty, da École d’Économie de Paris. Em quase 700 páginas, Piketty apresenta uma extensa pesquisa sobre a concentração da riqueza em países como Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos.
A conclusão é que, embora a pobreza tenha diminuído, a desigualdade social nesses países vem aumentando nas últimas décadas. E o mercado de trabalho tem sua parcela de responsabilidade nesse quadro. O economista francês critica, por exemplo, os salários astronômicos pagos a executivos de algumas corporações.
Na década de 50, os presidentes das maiores empresas americanas embolsavam 20 vezes mais do que a média da população. Hoje, ganham 200 vezes mais. Piketty não defende o retorno do comunismo. O que se discute é como fazer com que as riquezas geradas pelo livre mercado sejam mais bem distribuídas na sociedade.
Recentemente, o economista foi acusado de ter feito cálculos pouco criteriosos para chegar a suas conclusões, mas seu livro — cujos direitos já foram negociados para 27 países — deu início a um debate mundial. A VOCÊ S/A ouviu especialistas em gestão para saber que discussões a obra coloca para o mercado de trabalho brasileiro.
Inovação como ferramenta de distribuição das riquezas
Uma forma de aumentar a renda do trabalhador é investir em inovação. “No Brasil, deveríamos priorizar as indústrias de maior valor agregado. Na mineração, por exemplo, apenas retiramos o minério da terra, colocamos no navio e exportamos”, diz Marco Tulio Zanini, da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV-RJ).
O reflexo disso está na balança comercial brasileira: em 2013, 46,6% de nossas exportações foram commodities, ante 34,4% de produtos manufaturados, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “A inovação geraria empregos com salários maiores”, afirma Marco Tulio.
Medidas para reduzir a discrepância dos salários
Em países mais ricos, como o Japão, a diferença entre o salário de um executivo e o de um operário é menor do que no Brasil. Além disso, aqui há uma discrepância entre os rendimentos de homens e mulheres, mesmo quando desempenham a mesma função. Segundo o IBGE, em 2012 o salário deles era, em média, 25,3% maior do que o delas.
Para o professor Marco Tulio, da FGV, as empresas poderiam ajudar a melhorar esse quadro revisando suas políticas de remuneração e de incentivo à diversidade. “Assim, seria possível atacar, ao mesmo tempo, o problema da pobreza”, afirma Marco Tulio.
Custos trabalhistas menores e pagamentos melhores
Alguém que trabalha com carteira assinada no Brasil representa quase o dobro do que recebe para quem contrata. Para os especialistas, as leis trabalhistas precisam ser revistas. Menos impostos poderiam significar salários melhores para os empregados.
“Quando se fala em discutir a legislação trabalhista, há uma tentativa de opor trabalhadores de um lado e elite de outro. Isso impede que se celebre um acordo que seja justo para ambas as partes”, afirma Marco Tulio.
Relação entre produtividade e aumento da remuneração
Quando os salários crescem sem um aumento proporcional de produtividade, apenas acentuam as diferenças sociais. Isso tem acontecido no Brasil em anos recentes. No longo prazo, corre-se o risco de a conta não fechar e de a baixa produtividade afetar a geração e a manutenção dos empregos.
Isso poderia comprometer a distribuição de renda que vem acontecendo no Brasil desde a implantação do Plano Real. Fatores como má qualidade da educação e falta de investimento em infraestrutura impedem o aumento da produtividade. Mas práticas gerenciais também dificultam esse avanço.
Um exemplo é o excesso de centralização nas empresas brasileiras. “Quando se centraliza muito, não é possível remunerar por desempenho, porque as pessoas não têm espaço para tomar decisões”, diz Sérgio Lazzarini, do Insper, de São Paulo.
Estímulo à meritocracia
A meritocracia é a melhor face do capitalismo. Ela permite recompensar o esforço individual e favorece que pessoas vençam e formem patrimônio graças ao trabalho. Para Paulo Vicente Alves, professor de gestão empresarial da Fundação Dom Cabral, a legislação trabalhista brasileira é um obstáculo à meritocracia.
A lei atual já prevê a participação nos lucros, mas poderia ser mais explícita quanto à possibilidade de remuneração por desempenho, deixando as empresas menos vulneráveis à oposição dos sindicatos. “O protecionismo exagerado ao trabalhador acaba sendo um estímulo à baixa produtividade”, afirma Paulo.