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Da Redação
Publicado em 11 de março de 2013 às 15h10.
São Paulo - O artigo a seguir, publicado no jornal The New York Times no mês passado, repercutiu nos principais jornais, revistas e sites de negócios do mundo. Seu autor é um executivo que fez carreira no banco de investimentos Goldman Sachs, considerado um ícone em Wall Street por, entre outras coisas, empregar os melhores profissionais do mercado financeiro.
O texto é contundente pois o autor aponta mudanças nas estratégias de negócios e gestão de pessoas, dois pilares do banco, e também porque demonstra a crise de valores de um líder que descobre que já não comunga dos mesmos princípios da organização. A diretoria do Goldman Sachs refutou as opiniões de Greg Smith.
"Hoje é meu último dia no Goldman Sachs. Após quase 12 anos na empresa — primeiro em um estágio de verão enquanto estudava em Stanford, depois em Nova York por dez anos, e agora em Londres —, acho que trabalhei aqui por tempo suficiente para entender a trajetória da cultura da companhia, seus funcionários e sua identidade.
E posso dizer honestamente que o ambiente agora é tóxico e destrutivo como eu nunca vi. Para simplificar o problema, os interesses do cliente continuam a ser deixados de lado pela forma como a empresa atua e raciocina sobre como ganhar dinheiro. O Goldman Sachs é um dos maiores e mais importantes bancos de investimentos do mundo e é relevante demais para a economia global para continuar agindo dessa forma.
A companhia se desviou tanto do ponto em que estava quando entrei — logo após terminar a faculdade — que já não posso, em sã consciência, dizer que me identifico com o que ela defende.
Pode parecer surpreendente para os céticos, mas a cultura sempre foi parte vital do sucesso do Goldman Sachs. Ela consistia em trabalho de equipe, integridade, espírito de humildade e sempre agir de forma correta com nossos clientes. A cultura era o segredo que fazia deste um lugar ótimo e que nos permitiu ganhar a confiança de nossos clientes ao longo de 143 anos.
Não se tratava apenas de ganhar dinheiro. Só isso não sustentaria uma empresa por tanto tempo. Tinha algo a ver com orgulho e confiança na organização. Entristece-me dizer que olho à minha volta e não vejo praticamente nenhum vestígio da cultura que me fez, por tantos anos, adorar trabalhar nessa companhia. Não tenho mais orgulho nem confiança. Mas nem sempre foi assim.
Por mais de uma década eu recrutei e fui mentor de candidatos durante todo o nosso estressante processo seletivo. Fui escolhido como uma das dez pessoas (de uma companhia de mais de 30.000 funcionários) para participar do nosso vídeo de recrutamento, exibido em todos os campi das faculdades que visitamos no mundo todo.
Em 2006 eu gerenciei o programa interno de estágio de verão sobre vendas e negociação em Nova York para os 80 universitários aprovados dentre os milhares de inscritos. Eu soube que era hora de ir embora quando percebi que não conseguia mais olhar para os estudantes nos olhos e dizer a eles que este era um ótimo lugar para trabalhar.
Quando forem escritos livros de história sobre o Goldman Sachs, podem retratar que o atual CEO [sigla em inglês para executivo-chefe, que responde aos acionistas da empresa], Lloyd C. Blankfein, e o presidente [responsável por executar a estratégia do CEO em conjunto com os acionistas], Gary D. Cohn, deixaram que a cultura da organização se perdesse. Eu realmente acredito que esse declínio da fibra moral da companhia representa a ameaça mais séria à sua sobrevivência no longo prazo.
Ao longo da minha carreira tive o privilégio de ser consultor de dois dos maiores hedge funds do planeta, de cinco dos maiores gestores de fundos dos Estados Unidos e de três dos mais notáveis fundos soberanos do Oriente Médio e da Ásia. Meus clientes tinham um patrimônio superior a 1 trilhão de dólares.
Sempre me orgulhei muito de aconselhá-lhos a fazer o que eu acreditava ser bom para eles, mesmo que isso trouxesse menos dinheiro para o banco. Mas essa visão está se tornando cada vez menos popular no Goldman Sachs. E esse é outro sinal de que era hora de sair.
Como chegamos até aqui?
A empresa mudou a forma como vê a liderança. Ela costumava estar relacionada a ideias, definindo exemplos das atitudes certas. Hoje, se você ganhar dinheiro suficiente para a companhia (e não for um assassino), será promovido a um cargo de liderança. Quais são as três formas rápidas de se tornar um líder?
1 "Malhe”"muito, que é o termo com o qual o banco Goldman define o trabalho de convencer seus clientes a investir em ações ou em outros produtos dos quais está tentando se livrar, porque não tem mais alto potencial de lucro.
2 "Mate os elefantes." Em outras palavras, negocie com seus clientes — alguns deles são sofisticados, outros não — para conseguir o que for necessário para gerar lucro máximo para o Goldman. 3) Sente-se em uma cadeira com a função de negociar qualquer produto sem liquidez. Pode me chamar de antiquado, mas não gosto de vender produtos inadequados.
Atualmente, muitos desses líderes têm zero por cento da cultura do banco. Eu participei de reuniões de derivativos financeiros nas quais não foi gasto sequer um minuto com perguntas sobre como poderíamos ajudar nossos clientes. Basicamente só falávamos sobre como poderíamos ganhar o máximo possível de dinheiro com eles.
Se você fosse um alienígena de Marte e presenciasse uma dessas reuniões, acreditaria que o sucesso ou o progresso de um cliente não tem, para nós, a menor importância. Fico doente ao ouvir como as pessoas falam de forma insensível sobre como explorar seus clientes.
Nos últimos 12 meses eu vi cinco diretores diferentes se referirem aos seus próprios clientes como "muppets" [idiotas, fantoches], às vezes por e-mails internos. E tudo isso mesmo após as inúmeras investigações da SEC [órgão que monitora o mercado de ações americano] e de todos os escândalos em que a empresa esteve envolvida recentemente? Ah, faça-me o favor! Integridade? Está se esvaindo.
Eu não fiquei sabendo de nenhum comportamento ilegal, mas as pessoas vão continuar a empurrar aos clientes produtos complexos, mentindo que oferecem "lucro certo", mesmo que haja investimentos mais simples ou mais diretamente alinhados com os objetivos dos clientes? Certamente. É o que fazem todos os dias.
Surpreende como a alta gerência ignora uma verdade tão básica: se os clientes não confiarem em você, deixarão de fazer negócios com você. Não importa quão esperto você é. Ultimamente, a pergunta mais comum que escuto de analistas juniores sobre derivativos é: "Quanto dinheiro nós ganhamos com esse cliente?".
Isso me incomoda cada vez que ouço a frase porque é um reflexo claro do comportamento que eles estão observando em seus líderes. Agora, imagine como será daqui a dez anos. Você não tem de ser um grande cientista para adivinhar que esse analista júnior sentado silenciosamente no canto da sala ouvindo os gestores falarem sobre "muppets", "arrancar os olhos" e "ver o lucro" não se tornará exatamente um profissional modelo no futuro.
No meu primeiro ano como analista, eu não sabia onde era o banheiro nem como amarrar meus cadarços. Fui ensinado a me preocupar em aprender como tudo funcionava, descobrir o que é derivativo, entender de finanças, conhecer nossos clientes e o que os motivava, aprender como eles definiam sucesso e o que nós poderíamos fazer para ajudá-los a conquistá-lo.
Meus momentos de maior orgulho na vida — receber uma bolsa de estudos integral para ir da África do Sul para a Universidade Stanford, ser selecionado como finalista nacional do Rhodes Scholar [bolsa de estudos para a Universidade de Oxford, na Inglaterra], ganhar uma medalha de bronze em tênis de mesa no Maccabiah Games, em Israel, conhecido como as Olimpíadas Judaicas — tudo conquistado com trabalho duro, sem atalhos. O Goldman Sachs está hoje mais concentrado nos atalhos, e não o suficiente em conquistas — o que já não me parece mais certo.
Espero que isso sirva de alerta para a diretoria. Façam do cliente o foco de seu negócio novamente. Sem clientes vocês não vão ganhar dinheiro. Na verdade, vocês não existirão. Eliminem os imorais, independentemente de quanto dinheiro eles ganhem para a empresa. E adquiram a cultura certa novamente, para que as pessoas queiram trabalhar aqui pelas razões corretas. Pessoas que se preocupam apenas em ganhar dinheiro não vão sustentar esta companhia — ou a confiança de seus clientes — por muito mais tempo. "
Greg Smith pediu demissão do cargo de diretor executivo do Goldman Sachs. Até o mês passado, Ele era chefe do departamento de derivativos financeiros da empresa para Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e África.