Ambiente de trabalho: embora tendência seja pegar leve com funcionário esgotado, gestores correm risco de criar precedentes perigosos (Foto/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 29 de junho de 2018 às 15h59.
Última atualização em 29 de junho de 2018 às 16h42.
Imagine, ou talvez nem precise imaginar, você estar trabalhando e se sentindo muito cansado. Já está quase no final do prazo de entrega de um projeto importante e ficou até tarde no escritório todos os dias semanas a fio. Talvez devido ao cansaço, quando enviou um relatório de despesas de um almoço recente, acabou arredondando um pouco.
Agora imagine que ser o gerente que pegou esse erro. Qual a sua reação? Saber que o funcionário estava exausto influenciaria sua resposta?
Possivelmente sim, de acordo com a nova pesquisa realizada por Maryam Kouchaki, professora assistente de gestão e organizações da Kellogg School. Ela e seus coautores acreditam que julgamos os lapsos éticos dos funcionários com menos rigor quando percebemos que os trabalhadores erráticos estão cansados. Somos especialmente flexíveis com relação àqueles funcionários que estão cansados por motivos fora ao seu controle. Por exemplo, dormem muito tarde porque têm que cuidar de um membro da família, ou estão sobrecarregados no trabalho.
Em pesquisas anteriores, Kouchaki mostrou que é mais provável ocorrer comportamento antiético no trabalho quando os funcionários se encontram em um estado de “esgotamento do ego”, ou seja, quando estão desgastados devido à fadiga, desconforto físico ou exaustão por ter que fazerem escolhas constantes. Por exemplo, ela descobriu que estamos mais propensos a cometer erros morais na parte da tarde do que de manhã porque nossos recursos cognitivos são gradualmente drenados ao longo do dia.
“Nossos recursos autorregulatórios são limitados”, explica Kouchaki. “Quando você usa esses recursos, eles se esgotam e é preciso reabastecê-los para que possam ser usados novamente".
A pesquisa atual mostra o outro lado da moeda ao explorar como nossa compreensão do esgotamento do ego influencia a forma como percebemos tal má conduta nos outros.
Embora a tendência seja pegar leve com um funcionário esgotado, os gestores correm o risco de criar precedentes perigosos, diz Kouchaki. Se os funcionários são raramente punidos por falsificar seus relatórios de despesas simplesmente por estarem sobrecarregados de trabalho naquele momento, há pouco incentivo para usar da honestidade na próxima vez.
“Tratar esse comportamento de forma branda pode gerar consequências", explica ela.
É difícil de estudar comportamento antiético no trabalho em seu ambiente natural. Afinal, você não pode (e não deveria!) recrutar indivíduos experimentais para roubar seus empregadores.
Assim, Kouchaki e seus coautores Yujan Zhang, da Universidade Guizhou de Finanças e Economia, Kai Chi, da Universidade Nacional de Cingapura, e Junwei Zhang, da Universidade de Agricultura de Huazhong, na China, criaram quatro vídeos para entender melhor as reações dos observadores em relação ao comportamento antiético e ao esgotamento do ego.
Em dois vídeos, um funcionário entusiástico e descansado chamado José fala com seu gerente sobre uma importante fusão. Enfatiza que tem dormido bem, embora tenha no primeiro vídeo dito ter ficado acordado tarde trabalhando duro na fusão e, no segundo, ter ficado acordado assistindo esportes. No terceiro vídeo, um José nitidamente menos entusiasmado diz estar indo dormir muito tarde por estar trabalhando na fusão; no quarto, menciona ter ficado acordado até tarde para assistir as eliminatórias dos jogos de basquete. No final de todos os quatro vídeos, José arredonda uma despesa de almoço.
Cada participante assistiu a um dos quatro vídeos e depois respondeu a uma série de perguntas sobre o comportamento de José em uma escala de um a sete. Algumas perguntas mediram a opinião dos participantes a respeito da gravidade da transgressão de José (“Até que ponto você acha que o comportamento de José foi antiético?”) e a necessidade de punição (“Com que rigor José deveria ser punido?”). Outras investigaram a questão da intencionalidade (“Até que ponto José se envolveu conscientemente em fraude?”).
Os resultados mostraram que os trapaceiros podem até obter sucesso, se estiverem cansados.
Os participantes do estudo que viram um José visivelmente esgotado julgaram que ele estava se comportando de maneira menos intencional do que aqueles que viram um José descansado. Também proferiram uma punição menos rigorosa para ele. E o José que trabalhava demais foi punido de forma ainda mais branda do que o José que era fã de esportes e dormia tarde.
Os pesquisadores repetiram o mesmo experimento com um novo grupo de participantes. Esses indivíduos leram um dos quatro cenários semelhantes aos mostrados nos vídeos, com uma mudança significativa. No cenário final, em vez de ter ficado acordado até tarde para um projeto de trabalho, José diz estar cansado porque ficou acordado até tarde cuidando de seu filho recém-nascido que estava doente.
Essas mudanças fizeram pouca diferença nas percepções dos observadores, pois eles foram tolerantes nas duas versões do José cansado em comparação com as duas versões do José descansado. José, o pai dedicado, recebeu a maior clemência de todos. Notavelmente, os participantes também viram o mau comportamento de José como significativamente menos intencional, quando ficava acordado até tarde para cuidar do seu filho do que quando dormia menos depois de assistir esportes (classificando seu grau de intencionalidade em uma média de 4,62 contra 5,7 para um total de 7).
Para Kouchaki, a descoberta tem um apelo intuitivo. Em geral, “o comportamento antiético intencional é frequentemente visto como mais culpável”, diz ela. O mau comportamento não intencional, como quando uma criança acidentalmente rouba um doce de uma loja, é visto por uma ótica totalmente diferente, e raramente é punida.
A mesma força se aplica nesta pesquisa: vemos as pessoas cansadas e sobrecarregadas se comportando de forma menos deliberada e, portanto, é mais provável que sejamos mais tolerantes com elas.
“As pessoas levam em consideração a situação do funcionário ao fazer essas escolhas", diz ela.
Essa tolerância é compreensível, mas não necessariamente a torna boa, enfatiza Kouchaki. Os gestores devem considerar o contexto para o comportamento dos seus funcionários, mas ainda devem garantir que haja consequências para violações éticas, para que assim os funcionários aprendam com suas falhas morais, mesmo quando essas infrações sejam pequenas ou relativamente comuns.
Talvez a melhor forma de as organizações fazerem isso seja garantir, em primeiro lugar, que os funcionários não fiquem exaustos e esgotados.
Como líder, se presenciar ou suspeitar de deslizes éticos em sua organização, “você pode fazer mudanças estruturais para que as pessoas possam se desvincular do trabalho quando chegam em casa”, sugere Kouchaki, “em vez de ficarem de plantão e ansiosos o tempo todo".
Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management