Fábio Coelho, presidente do Google Brasil: “Um sussurro é um grito. Entendi que, como líder, cada palavra e gesto têm um impacto amplificado no ambiente” (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 5 de fevereiro de 2025 às 08h38.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2025 às 10h37.
O Google Brasil completa 20 anos neste ano, e boa parte dessa história foi escrita sob a liderança de Fábio Coelho, que está à frente da empresa há 14 anos.
A frase de Larry Page, cofundador do Google, guia Coelho até hoje. Um artigo que ele leu enquanto liderava uma equipe só de americanos nos Estados Unidos o ajudou a definir uma boa liderança em 4 pilares. Sua família o inspirou a chegar em um cargo de gestão de uma das maiores empresas do mundo. E a aproximação e apoio com novos parceiros, como startups, são algumas das suas grandes conquistas – e ele segue contando.
Em entrevista exclusiva à EXAME, Fábio Coelho, presidente do Google no Brasil, compartilhou detalhes sobre sua jornada profissional, sua filosofia de liderança e os desafios de manter a empresa relevante no Brasil em um setor que se transforma constantemente.
Nascido em Vitória, Espírito Santo, Coelho carrega em sua história um forte legado de dedicação e empatia, influências diretas de seus pais. Seu pai, José Jacques Coelho, engenheiro da Vale, teve uma carreira de destaque e, mesmo após a aposentadoria, fundou um negócio de energias alternativas aos 60 anos. “Meu pai era um homem de reputação impecável, sempre muito bem-quisto. Ele e minha mãe ajudaram a educar mais de 15 sobrinhos, trazendo a família para dentro de casa. Esse exemplo de generosidade e trabalho me marcou profundamente”, diz o CEO.
A influência paterna também esteve presente na escolha da primeira carreira de Coelho. Aos 16 anos, ele se mudou para o Rio de Janeiro para cursar engenharia. “Meu pai se formou aos 29 anos; eu, aos 21. Ele trabalhou em uma empresa pública, e eu no ramo privado, que exigia uma atualização constante e uma busca incessante por crescimento”, conta o executivo que passou por grandes empresas.
O primeiro emprego de Coelho foi como estagiário de engenharia. No entanto, ao longo dos anos, ele percebeu que seu interesse maior estava no entendimento de pessoas e dados. “Meu primeiro grande projeto no marketing foi o lançamento do Gatorade no Brasil, em 1993. Depois, fui para o Citibank, onde aprofundei meu conhecimento sobre comportamento do consumidor usando dados”, conta.
A carreira o levou a atuar por 10 anos na AT&T, nos Estados Unidos, onde foi presidente do negócio de internet da empresa por cinco anos. Durante esse período, teve contato constante com o Google, Yahoo e Microsoft. Essa experiência o colocou no radar do Google, que, ao saber de sua volta ao Brasil, o convidou para liderar a operação no país em 2011.
Antes de assumir a liderança do Google Brasil, Coelho teve a experiência de gerenciar uma equipe nos Estados Unidos, composta majoritariamente por americanos. Na AT&T, onde trabalhou por uma década, ele chegou a liderar uma equipe de mais de mil pessoas.
“No início, eram cerca de 250 pessoas, e nenhuma delas era brasileira. Foi um grande desafio me estabelecer como líder em um ambiente diferente. Muitas dessas pessoas deviam pensar o que levou a empresa a colocar um estrangeiro nessa cadeira? Foi aí que decidi ler muito sobre liderança”.
Foi neste período que Coelho aprendeu muito sobre gestão intercultural e a importância de criar confiança em um time diverso.
“Nesta época eu li um artigo que me marcou muito. Por que pessoas seguem pessoas? E foi aí que eu conheci os quatro pilares fundamentais que fazem com que pessoas sejam um bom líder”, diz o presidente.
O artigo que falava sobre os “Strengths Based Leadership” (Liderança Beseada em Pontos Fortes) explicava que uma boa liderança se baseia em quatro pilares fundamentais: confiança, esperança, estabilidade e compaixão.
“As pessoas seguem líderes que transmitem esses valores. A confiança é essencial para relações saudáveis, a esperança inspira crescimento, a compaixão fortalece o ambiente de trabalho e a estabilidade dá segurança nos momentos difíceis”, conta o presidente do Google no Brasil.
Uma vez líder, o holofote é inevitável. Muitas vezes, Coelho lembra que a expressão dele era interpretada como um sinal para a equipe. “Eu me preocupo se estou sorrindo ou se estou de cara fechada. Muitas vezes, minha expressão pode ser interpretada como um sinal para a equipe sobre o negócio. A forma como um líder se comporta impacta muitas pessoas, dentro e fora da empresa”, afirma.
Esse, inclusive, foi um ensinamento que ele aprendeu com apenas uma frase de Larry Page, cofundador do Google – que se tornou um guia de posicionamento até hoje. Quando Coelho foi promovido a vice-presidente do Google Inc., participou de um treinamento na Califórnia e recebeu uma lembrança especial: duas garrafas de vinho com o logotipo antigo do Google em relevo e um bilhete de Larry Page que dizia: 'A whisper is a shout' (‘um sussurro é um grito’).
“Essa frase de Larry Page me marcou muito e me guia ainda hoje, porque entendi que, como líder, cada palavra e gesto têm um impacto amplificado no ambiente de trabalho”, conta.
Desde que assumiu o comando da empresa, Coelho enfrentou o desafio de manter a cultura organizacional enquanto a empresa se expandia. “O maior desafio de qualquer organização é crescer mantendo os fundamentos de sua cultura. O Google passou por várias transformações: de uma empresa desktop-centric para mobile-centric e, agora, AI-centric. A chave é se reinventar constantemente”, afirma.
Outro ponto essencial foi o crescimento dos ecossistemas. Segundo o presidente, o Google não tem milhares de funcionários no Brasil, mas tem milhares de produtores de conteúdo, youtubers, desenvolvedores e pequenas empresas que se beneficiam da tecnologia. “Trabalhamos para manter esse ecossistema equilibrado”, diz Coelho.
No campo do empreendedorismo, o Campus do Google for Startups, em São Paulo, se tornou um dos maiores hubs de startups da América Latina. “Nos últimos oito anos, aceleramos mais de 450 startups, ajudando essas empresas a crescer e a gerar impacto econômico e social. Algumas dessas empresas se tornaram unicórnios e hoje têm presença global”, afirma Coelho.
Com uma agenda intensa, uma grande conquista de Coelho é ter um trabalho que admira, sem deixar de lado a vida pessoal. “Já trabalhei muito mais do que hoje e achava bonito ser workaholic. Hoje, vejo que não é sustentável. Faço questão de começar cedo e sair no horário. Nos fins de semana, surfo em Trancoso e valorizo os momentos de descanso”, conta.
Para ele, a chave está no conceito de Work-Life Blend, em que trabalho e vida pessoal se integram de maneira equilibrada. “Se preciso resolver algo pessoal durante o dia, eu resolvo. Se precisar trabalhar um pouco à noite, trabalho. O importante é ter disciplina para não se sobrecarregar”, afirma.
Ao falar sobre os atributos desejados em candidatos ao Google, Coelho enfatiza a importância de habilidades que vão além do conhecimento técnico. “Buscamos pessoas que saibam trabalhar bem em um ambiente de ambiguidade. Nem sempre existe uma resposta certa ou errada, e os profissionais mais bem-sucedidos são aqueles que conseguem lidar com a complexidade e tomar decisões baseadas em análise e colaboração”, explica.
Outro ponto fundamental é a capacidade de aprendizado constante. “A tecnologia está sempre mudando, e um candidato ideal é aquele que tem curiosidade intelectual e vontade de se atualizar continuamente. Não queremos apenas especialistas em um tema, mas pessoas com flexibilidade para aprender novos conceitos rapidamente”, afirma.
Coelho também ressalta a relevância das habilidades interpessoais. “Um bom candidato para o Google precisa ser colaborativo. Nosso ambiente exige que as pessoas trabalhem bem em equipe, saibam comunicar ideias de forma clara e estejam abertas a feedbacks”, diz.
Por fim, ele destaca a importância da resiliência e do pensamento inovador. “Valorizamos profissionais que encaram desafios com uma mentalidade positiva, que sabem aprender com os erros e buscar soluções criativas para problemas complexos”, afirma.
Para 2025, o foco do Google Brasil está em três frentes principais: avanço da inteligência artificial, expansão do mercado de nuvem e maior integração da TV conectada com o YouTube. “Estamos investindo na adoção da IA em empresas de todos os tamanhos, atualizando nossas plataformas e fortalecendo nosso centro de engenharia em São Paulo, que será inaugurado em 2026”, afirma o presidente.
Outro destaque é a atuação do Google em projetos de impacto social e sustentabilidade, diz Coelho. “Estamos investindo no uso da IA para prever mudanças climáticas, melhorar a eficiência energética e apoiar iniciativas como a COP30. A tecnologia pode ser uma grande aliada nessas questões”.
Há também um grande projeto do Google previsto para o início de 2026 no Brasil: o lançamento do Centro de Engenharia em São Paulo. Localizado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da USP, o centro contará com uma equipe de 300 a 400 engenheiros e será um dos mais avançados polos de inovação da empresa no país. “Esse centro é um passo estratégico na expansão da nossa capacidade de desenvolvimento local. Ele não apenas fortalecerá a presença do Google na região, mas também contribuirá significativamente para a formação de novos talentos e para a criação de soluções tecnológicas adaptadas às necessidades do Brasil”, afirma o CEO.
Depois de mais de uma década à frente do Google Brasil, Fábio Coelho continua motivado por meio desses projetos que geram impacto na sociedade. “Acredito que as pessoas devem avaliar suas carreiras e empresas com base em três fatores: aprendizado, ambiente e crescimento. Enquanto eu continuar aprendendo e vendo o impacto do nosso trabalho, estarei feliz no Google”.