Carreira

Pessoas e empresas em descompasso

O britânico Richard Barrett, um dos maiores especialistas do mundo em ética corporativa, explica por que é tão difícil encontrar propósitos de carreira

Richard Barrett: “Todo mundo tem um propósito na vida, e trabalhar com ele traz alegrias profundas” (Divulgação)

Richard Barrett: “Todo mundo tem um propósito na vida, e trabalhar com ele traz alegrias profundas” (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 11 de setembro de 2014 às 10h39.

São Paulo - Nascido em uma família pobre no norte da Inglaterra, Richard Barrett — autor do livro Criando uma Organização Dirigida por Valores (ProLíbera), fundador do Barrett Values Centre e excoordenador de valores do Banco Mundial — foi o primeiro de seus parentes a frequentar a universidade. Ele conta que, depois de ampliar seu nível cultural, não se sentia mais conectado aos princípios de sua família.

Com base na experiência pessoal, Barrett desenvolveu um modelo chamado de “sete níveis de consciência”, que permite compreender como pessoas, líderes e organizações evoluem durante as várias etapas da vida e como a incorporação de valores ganha importância ao longo do processo de desenvolvimento. Quanto mais evoluído o profissional estiver na carreira, mais importante se tornam os princípios.

Mas, segundo Richard, a maioria das pessoas não passa do primeiro estágio, o de sobrevivência, e enxerga o trabalho como fonte de subsistência, e não de satisfação. Em entrevista exclusiva à VOCÊ S/A, o autor discute o descompasso entre os valores das empresas e os dos profissionais.

VOCÊ S/A - O que é o modelo dos níveis de consciência?

Richard Barrett - São os sete estágios de desenvolvimento psicológico. Quando você é um bebê, vive no modo de sobrevivência e age para ter suas necessidades básicas atendidas. O segundo estágio é o de conformação, que dura até os 8 anos de idade, e é o momento em que aprende a se relacionar na estrutura familiar, para facilitar sua vida.

O terceiro é o da diferenciação, quando o jovem explora seus talentos para ser reconhecido como indivíduo. Aí vem o estágio de transformação e individuação. A pessoa, que até então incorporava a cultura e os valores da família e do país de origem, passa a buscar os próprios valores.

No quinto nível, o indivíduo trabalha alinhado à sua vocação e paixão para construir uma visão de futuro. No sexto, ele quer fazer a diferença no mundo e cooperar com os outros. E, no sétimo, o trabalho se torna gradativamente altruísta e gera bastante motivação nos profissionais.

VOCÊ S/A - Como esse modelo se encaixa no mercado de trabalho?

Richard Barrett - Os sete estágios se aplicam tanto às fases de carreira quanto a todos os tipos de empregador. O sucesso das instituições está condicionado à eficiência do trabalho dos funcionários e à capacidade dos líderes de inspirá-los. Empresas que se encontram nos estágios iniciais buscam o lucro e a estabilidade financeira.

As em transformação, no quarto nível, querem abandonar o modelo de liderança autoritário e incentivar os empregados a trabalhar de forma livre. Depois, buscam a sustentabilidade e a responsabilidade social.

VOCÊ S/A - Por que é tão difícil colocar os valores em prática?

Richard Barrett - Muitas vezes os valores estão excluí­dos da cultura corporativa e não fazem parte da cultura desejada. Isso depende do nível de consciência dos funcionários. A sustentabilidade, por exemplo, é um princípio do sexto nível. Se as pessoas com quem trabalha ainda não passaram do terceiro nível, nem sequer prestarão atenção nisso.

Quanto mais evoluídos na carreira, maior a preocupação com os valores. Mas grande parte da população não passa do estágio de sobrevivência. São pessoas que não frequentaram a universidade, que moraram sempre na mesma cidade e ainda vivem como os pais.

VOCÊ S/A - Como as empresas podem perceber se seus valores estão alinhados à realidade dos funcionários?

Richard Barrett - Há dois tipos de valor: os positivos e os limitadores. Culpa, competição e burocracia são limitadores, enquanto compromisso, honestidade e integridade são positivos. A presença forte de valores negativos na cultura corporativa é chamada de entropia cultural.

A maioria das companhias tem entropia cultural, mas, quando os valores negativos passam dos 30% em relação aos princípios positivos, há muita desmotivação.

VOCÊ S/A - De que maneira os líderes devem motivar funcionários em diferentes estágios de desenvolvimento?

Richard Barrett - Se uma empresa não tiver boas políticas para os empregados no segundo nível, como resolução de conflitos e comunicação aberta, os relacionamentos não vão ser bons. Se não fizer com que os funcionários do terceiro nível sejam reconhecidos, com processos justos de avaliação de desempenho, eles ficarão desmotivados.

Se não houver desafios e responsabilidades para funcionários do quarto nível, idem. Se não existir um senso de coesão, em que as pessoas compartilhem a missão da organização, os profissionais do quinto e do sexto nível não vão trabalhar juntos.

Se os valores e as práticas de sustentabilidade não forem consistentes, profissionais do sétimo nível vão se frustrar. O nível de consciência das organizações reflete o nível de consciência dos líderes.

VOCÊ S/A - Dá para encontrar significado nos níveis iniciais de consciência?

Richard Barrett - Há duas coisas: felicidade e significado. Quando o profissional opera nos níveis iniciais de consciência, procura felicidade e quer se sentir bem consigo mesmo. Mas, quando muda para os níveis mais altos, está buscando propósito. O significado traz alegria, mas pode haver muita tristeza envolvida também.

Algumas pessoas encontram satisfação ao trabalhar no departamento de acidentes de um hospital, embora as circunstâncias sejam tristes. O significado está conectado à alma. Todo mundo tem um propósito na vida, e trabalhar com ele traz alegrias profundas, menos perceptíveis.

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