Carreira

Mais produtividade, para que a década não seja perdida

Para Fábio Giambiagi, um dos maiores especialistas brasileiros em finanças públicas e Previdência Social, as empresas e os profissionais deverão protagonizar as mudanças que tornarão os trabalhadores brasileiros mais produtivos

O economista carioca Fábio Giambiagi, do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (Ernani DAlmeida / VOCÊ S/A/VOCÊ S/A)

O economista carioca Fábio Giambiagi, do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (Ernani DAlmeida / VOCÊ S/A/VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 11 de agosto de 2014 às 19h52.

São Paulo - Um levantamento feito pelo Programa de Estudos do Futuro, da Fundação Instituto de Administração (FIA), com empresários, executivos, consultores e acadêmicos concluiu que a estrutura de renda da população brasileira se manterá inalterada até 2023, fazendo com que a parte da população brasileira concentrada na base da pirâmide, composta das classes C, D e E, represente 85% do total de habitantes.

O diagnóstico se deve à percepção de que não se vislumbram mudanças estruturais na educação e no perfil do emprego nem um aumento da produtividade na próxima década.

O problema é que a década em que estamos é considerada crucial para que o país realize as reformas e os investimentos que lhe permitirão continuar a crescer, já que, a partir de 2030, a população de dependentes — crianças e idosos — crescerá a um ritmo superior ao da população economicamente ativa.

VOCÊ S/A conversou sobre essas mudanças demográficas com o economista carioca Fábio Giambiagi, do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma das maiores autoridades em finanças públicas e Previdência Social no país.

VOCÊ S/A - Estima-se que a proporção de indivíduos entre zero e 14 anos diminuirá de 26% do total para apenas 13% em 2050, o que representará uma queda expressiva da população economicamente ativa. Nesse contexto, quais são os desafios do país?

Fábio Giambiagi - O maior desafio no longo prazo será o país se preparar para essa mudança dramática da pirâmide etária. Até 2030, o número de pessoas com idade produtiva (de 20 a 64 anos)crescerá a taxas superiores às dos grupos que elas sustentam — crianças, adolescentes e idosos.

Depois, essa população vai começar a cair. Dessa forma, a partir de 2030, todo o crescimento do Brasil vai depender do aumento da produtividade, porque o número de braços para trabalhar será menor.

VOCÊ S/A - E como a população pode aumentar sua produtividade até lá?

Fábio Giambiagi - As pessoas que vão tocar o país nos próximos anos, até 2030, já saíram da escola. Elas receberam, na média, uma educação precária e terão de lidar com um mundo muito competitivo. Vamos enfrentar uma competição crescente entre países, entre empresas e entre pessoas. Quem não estiver apto a enfrentar a concorrência ficará de fora ou sofrerá muito.

Por um lado, as empresas terão de aumentar seus investimentos em treinamento. Por outro, os próprios profissionais terão de buscar mais mecanismos de educação a distância para conseguir melhor qualificação enquanto trabalharem. São coisas para as quais as empresas precisam estar atentas. O nome do jogo nos próximos anos será competição.

VOCÊ S/A - Diante das mudanças na pirâmide demográfica brasileira, o que deve acontecer no mercado de trabalho nas próximas décadas para assegurar a viabilidade da Previdência Social?

Fábio Giambiagi - Será preciso esticar a permanência das pessoas no mercado de trabalho. Além de haver uma redução da fecundidade, os avanços da medicina têm provocado mudanças profundas na longevidade das pessoas. Por exemplo, uma mulher que tivesse 60 anos na década de 1930 no Brasil tinha a expectativa de viver mais 14 anos, até os 74.

Atualmente, a tábua de mortalidade do IBGE para as mulheres dessa idade aponta para uma expectativa de sobrevida de mais 23 anos. Na média, as brasileiras se aposentam aos 52 anos. É muito cedo em relação ao resto do mundo. Do ponto de vista do país, isso não faz sentido. Mas os governos têm se acovardado em relação a essa questão, com uma política de avestruz.

Por isso, essa questão tornou-se um entrave oneroso. Em 1994, quando conseguimos a estabilização da economia, tínhamos 300 000 mulheres aposentadas por tempo de contribuição. Hoje, são 1,2 milhão. Um crescimento muito maior do que o da população. Não haverá outra saída senão elevar a idade de aposentadoria, aumentar o tempo de contribuição e diminuir o diferencial entre os gêneros.

VOCÊ S/A - Como o governo pode se preparar para essas mudanças? A educação será o investimento crucial?

Fábio Giambiagi - Já deveríamos ter começado a adaptar as regras para a aposentadoria, o que não ocorreu. O investimento do governo em educação continuará a ser importante, como em qualquer país, mas a realidade é que dependeremos cada vez mais da produtividade de quem já saiu da escola.

No passado, quando a população crescia a taxas espantosas e jovens entravam no mercado de trabalho aos borbotões, podíamos esperar que, se fizéssemos o que tínhamos de fazer na educação, a leva de jovens que inundariam o mercado de trabalho dez ou 15 anos depois possibilitaria um salto de produtividade, dado o peso que as novas camadas teriam sobre a população adulta.

Agora, não mais. Eis aí um desafio enorme: tornar mais competitiva essa população que já saiu da escola.

VOCÊ S/A - Esta será uma década perdida para o crescimento econômico?

Fábio Giambiagi - Depende das políticas que forem adotadas pelos próximos governos. Corremos, sim, o risco de ter uma década perdida. Em minha avaliação, o governo precisa agir de três maneiras para que isso não aconteça. A primeira é deixar de fazer intervenções erradas, como tivemos nos últimos anos, em setores como energia e petróleo.

A segunda é voltar a ter uma política macroeconômica semelhante à que era realizada até 2011, com uma meta de inflação de 4,5%. E, por último, é necessário retomar uma agenda de reformas que foram interrompidas depois do primeiro governo Lula. Há a percepção de que dinheiro foi investido, mas há muita falta de confiança em relação ao futuro.

É preciso agir em duas frentes em matéria de reformas estruturais. Por um lado, abrindo mais a economia, para que o país fique mais exposto à competição internacional e a modernização se torne essencial na agenda das empresas. Por outro, controlando o gasto público, o que implica aprovar um teto de crescimento das despesas e retomar a agenda de reforma da Previdência Social.

VOCÊ S/A - Como estimular profissionais e empresas à produtividade?

Fábio Giambiagi - Isso passa pelos incentivos corretos. Envolve um esforço de catequese por parte das autoridades para que os cidadãos entendam que o papel do Estado paternalista tem limites. A sociedade brasileira ainda não tem plena consciência das transformações demográficas em curso e de suas projeções para o futuro mais longínquo.

Isso pode ser visto pela popularidade de propostas como o aumento do valor real das aposentadorias, que adiciona um desafio físico — lidar com o aumento futuro da relação inativos-ativos — e amplia os problemas fiscais em perspectiva. Além disso, essas mudanças exigem políticas para incentivar o investimento das empresas na melhor formação de seus empregados. Não existe uma cultura de superação e excelência, e o arranjo protecionista ainda é muito forte.

VOCÊ S/A - Diante disso, políticas assistenciais, como o Bolsa Família, ajudam ou atrapalham?

Fábio Giambiagi - Elas devem ser complementadas pelo famoso conceito de porta de saída. Devem ser encaradas como temporárias para os mais jovens, para compensar as deficiências de renda que carregam consigo pelo histórico familiar. Vejo essas políticas como um passo inicial, parte de um cardápio.

Os jovens deveriam receber esses incentivos como um crédito, aliados a treinamentos para impulsionar a trajetória profissional ou para que se tornem microempresários ou algo do gênero. Esse é um processo de amadurecimento do país e das pessoas.

VOCÊ S/A - O que os jovens trabalhadores que vão se aposentar nesse quadro de desequilíbrio da pirâmide etária podem esperar?

Fábio Giambiagi - Se entenderem que a renda que terão na terceira idade dependerá crucialmente de começar a poupar cedo, essa conscientização já será muito positiva. Para a carreira, devem estar cientes de que precisarão estudar muito. Quanto melhor a formação, maiores serão a remuneração e a possibilidade de se preparar para quando tiverem de sair do mercado de trabalho.

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