Carreira

Os estereótipos são um perigo no trabalho globalizado

O alemão Sebastian Reiche, especialista em multiculturalismo e professor da escola espanhola de negócios Iese, explica por que deve-se evitar generalizações ao conviver com profissionais estrangeiros

Sebastian Reiche, do Iese: a falta de compreensão pode causar grandes prejuízos (Divulgação)

Sebastian Reiche, do Iese: a falta de compreensão pode causar grandes prejuízos (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 11 de março de 2013 às 15h01.

São Paulo - Trabalhar com pessoas de outras nacionalidades tornou-se algo comum para os brasileiros. Nos últimos três anos, o Ministério do Trabalho concedeu cerca de 168 000 autorizações para estrangeiros exercerem atividades profissionais no país. São pessoas fugindo da crise nos Estados Unidos e na Europa, expatriados por multinacionais e empreendedores que veem o Brasil como nova promessa da economia mundial.

O profissional local também está tendo experiências no exterior, principalmente graças à expansão das múltis brasileiras, como Gerdau, Stefanini e JBS, que pretendem crescer nos países em que já atuam e abrir novos mercados, conforme aponta o ranking da transnacionais brasileiras, da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais.

Esses movimentos têm em comum uma multiplicação das interações entre profissionais brasileiros e estrangeiros. Nesses contatos, o fator cultural é fundamental para estabelecer relações eficientes. “Mal-entendidos acontecem até mesmo entre pessoas da mesma cultura e que falam a mesma língua”, diz o alemão Sebastian Reiche, especialista em multiculturalismo nas empresas e professor da escola espanhola de negócios Iese, que tem filial em São Paulo.

“Se nós adicionarmos culturas diferentes, tudo fica mais complexo.” Sebastian esteve no Brasil em setembro e deu entrevista à VOCÊ S/A. 

VOCÊ S/A - Por que as diferenças culturais se tornaram tão importantes no ambiente de trabalho?

Sebastian Reiche - Um problema de falta de compreensão ou uma interpretação errada podem causar grandes transtornos. Mal-entendidos acontecem até entre pessoas que falam a mesma língua e pertencem ao mesmo grupo social. Se adicionarmos diferenças culturais, tudo fica mais complexo.

O grande problema é que temos uma tendência a estereotipar as pessoas. São tantas as informações que, na tentativa de encontrar um modo mais fácil de compreendê-las, usamos o recurso de categorizar as coisas por meio de padrões que dominamos. Mas, quando lidamos com indivíduos de grupos culturais diferentes, algo comum no trabalho globalizado, não podemos confiar em nossos estereótipos. 

VOCÊ S/A - Por que os estereótipos são perigosos?

Sebastian Reiche - Porque a tendência, quando não compreendemos o comportamento de um estrangeiro, é estereotipar de maneira negativa. É preciso sensibilidade no julgamento. Um bom jeito de ilustrar isso são os diferentes jeitos de dizer “não”. Sabemos que em algumas culturas não se diz “não” diretamente. A pessoa pode falar para você “vai ser bastante difícil, mas eu vou tentar”, querendo dizer um “não” mais cordial. Mas, se for interpretado ao pé da letra, será entendido erroneamente. 


VOCÊ S/A - Quais riscos o profissional corre?

Sebastian Reiche - O problema da generalização é difícil de ser quantificado. Mas não é absurdo supor que um problema de compreensão durante uma reunião pode comprometer o resultado financeiro de uma empresa, embora seja algo difícil de ser medido. Aliás, é justamente por se focar em coisas mensuráveis que as empresas deixam de cuidar de coisas intangíveis, como cruzamento de culturas e relacionamento social entre funcionários. 

VOCÊ S/A - Por que a confiança é importante na relação entre profissionais de culturas diferentes?

Sebastian Reiche - O papel da confiança muda de acordo com o país. Em algumas culturas as pessoas são mais coletivistas, com uma relação mais voltada para os relacionamentos. Nessas, a confiança é mais importante na hora de tomar decisões profissionais. Já foi comprovada cientificamente a tendência de se confiar mais em conterrâneos. O que pode não favorecer transações internacionais, pois quanto mais distante o outro está menos confiamos. Uma relação estável com pessoas de países distantes demora mais para ser construída.

VOCÊ S/A - Dá para diminuir essa distância?

Sebastian Reiche - Primeiramente, temos de entender que as pessoas se comportam de maneira diferente em lugares diferentes. Esse é o primeiro passo para compreendermos e, assim, confiarmos em um parceiro de negócios. A tentativa de adaptação em um lugar culturalmente diferente é muito importante. Acenar que está disposto a se encaixar demonstra uma dose de respeito e comprometimento que tende a ser bastante valorizada. 

VOCÊ S/A - Como construir essa relação de confiança?

Sebastian Reiche - Construir uma relação de confiança obriga o profissional a se expor e a se deixar vulnerável. Diria que é uma atitude de humildade moderada. É preciso atenção. Ao se colocar nesta posição, as pessoas podem querer se aproveitar e exigir além da conta. Isso acarretaria a degradação da confiança. 


Outra coisa necessária é ponderar até onde ir nessa adaptação à cultura alheia. Deve-se mostrar respeito, porém, sem passar por cima de preferências pessoais. Você pode nunca se sentir confortável em uma cultura diferente e tudo bem. Tem de entender quais são as diferenças e por que elas existem, principalmente para evitar que estereótipos negativos sejam atribuídos a você.

VOCÊ S/A - O senhor cunhou o termo inglês inpatriate para designar o profissional que serve como intérprete entre a sede e a subsidiária. Por que ele é importante? 

Sebastian Reiche - Esses profissionais são agentes transmissores de conhecimento. Por meio deles, as multinacionais aprendem sobre um país onde operam. Eles compartilham com a matriz seu conhecimento local — por exemplo, como é lidar com fornecedores, como é a receptividade do mercado e quais são as peculiaridades daquele país. Eles também fazem o caminho inverso, levando a cultura deles com a da corporação. E, quando retornam ao país natal, podem ajudar colegas que nunca estiveram na sede. Eles vão conhecer os dois contextos e, assim, virá uma ponte entre as duas unidades, entre as duas culturas.

VOCÊ S/A - O senhor consegue identificar algum comportamento específico dos brasileiros? 

Sebastian Reiche - O Brasil é um país afetivo, as pessoas demonstram emoções nas relações interpessoais até mesmo no ambiente de trabalho. Bem diferente de países asiáticos, dos alemães e dos ingleses, só para citar exemplos que são mais neutros afetivamente. O brasileiro culturalmente também é mais coletivista, convive mais em grupo. É menos focado na conquista de um único indivíduo e percebe mais a realização da equipe. 

VOCÊ S/A - Há estereótipos negativos famosos, como impontualidade e excesso de hierarquia?

Sebastian Reiche - Os estereótipos vão dizer que nos países latinos todos se atrasam e por isso são menos eficientes, mas não é verdade. Trata-se de um problema de percepção de tempo, o que é diferente de falta de pontualidade. Os brasileiros fazem coisas simultaneamente. Em países como Estados Unidos e Alemanha, é mais comum organizar atividades sequencialmente: primeiro uma, depois outra, cada uma delimitada por um prazo.

Essa é uma diferença cultural de preferência para gerir o tempo. Para pessoas multitarefas, a percepção de tempo não é tão rígida, é mais fluida. Outra coisa é a importância dada ao status. Em culturas igualitárias europeias não se distingue o presidente de uma empresa pelo seu carro, por exemplo. Na América Latina, as hierarquias são bastante importantes, assim com a origem, a idade e a experiência dos profissionais.


VOCÊ S/A - É mais difícil trabalhar com os brasileiros?

Sebastian Reiche - O estrangeiro que vier trabalhar no Brasil terá de se adaptar porque esses exemplos são estereótipos, que normalmente estão agregados a valores negativos. Mas é falta de compreensão. Um executivo que vier de um país culturalmente igualitário vai esperar em uma reunião com a equipe que todos participem das decisões, que elas sejam tomadas em consenso.

Se tentar fazer isso no contexto brasileiro vai ser muito frustrante. Aqui se espera que o chefe mostre autoridade e tome a decisão. É o tipo de característica que vai exigir adaptação de quem vier para cá. Por outro lado, um brasileiro que quiser impressionar positivamente deve considerar expor suas opiniões. Os brasileiros têm uma vantagem, mas nem todos a enxergam, que é o fato da cultura local já ser heterogênea, uma mistura de várias heranças culturais.

VOCÊ S/A - Como percebemos nossa própria cultura?

Sebastian Reiche - Cultura é como um peixe no mar. A última coisa que ele nota é a água em volta dele. Não nascemos com a cultura, mas com o tempo ela se torna tão natural que paramos de reparar. O único momento que percebemos conscientemente isso é quando temos de lidar com alguém de outra origem. Nesse momento paramos para pensar por que os costumes são diferentes e como é feito em nossa própria cultura.

Essa é uma das justificativas da importância da experiência internacional. Buscar momentos em que pensamos conscientemente e nos expomos a uma cultura diferente é o melhor jeito de aprender como se portar. Sei que nem todos podem viajar para o exterior, mas é a forma mais eficiente de compreender essa diversidade cultural. As empresas estão buscando profissionais com uma visão mais globalizada do mundo, que nada mais é do que uma fácil adaptação e convívio com as diferenças culturais. 

Acompanhe tudo sobre:carreira-e-salariosEdição 173EntrevistasGlobalização

Mais de Carreira

O segredo para unir marketing e vendas (e tomar decisões que realmente funcionam)

Black Friday: EXAME libera maratona de aulas sobre inteligência artificial com 90% de desconto

Redes sociais: conheça 8 dicas para transformar o seu perfil no melhor cartão de visitas

Do esporte para o cacau: a trajetória ousada do CEO da Dengo Chocolates