Diego Maradona: na Copa de 1986, levou a Argetina a se "vingar" da Inglaterra (David Cannon/Allsport/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 26 de novembro de 2020 às 18h32.
Última atualização em 26 de novembro de 2020 às 21h01.
Em meio às homenagens ao jogador argentino Diego Maradona, morto nesta quarta-feira aos 60 anos, a maioria se destacou por reforçar a imagem de um mito.
Uma charge compartilhada em redes sociais mostrava Maradona chegando aos céus e entregando sua mão a Deus, como se ele tivesse recebido ela emprestada durante a carreira (numa alusão ao gol de mão da Copa de 1986). Jornais internacionais chamaram o craque de “o mais mortal dos deuses” e a Argentina foi às ruas chorar em peso nesta quinta-feira. O brilho e o sucesso de um dos maiores jogadores do mundo, porém, não durou a vida toda.
Maradona teve destaque principalmente na década de 1980 e começo dos anos 1990. A partir daí, ele perdeu espaço nos times e teve problemas na sua imagem e enfrentou a depedência química.
Mesmo que sejam áreas diferentes, a carreira de um astro do esporte ou da música tem suas semelhanças com o mercado de trabalho tradicional e dos executivos. Há pontos de atenção para todo profissional.
Entre suas grandes qualidades, estava o talento, a velocidade e coragem. Essa coragem, porém, pode ser vista de formas diferentes.
De certa maneira, na vida de Maradona, ela virou vaidade e megalomania, na visão do especialista em carreira e médico psiquiatra Roberto Aylmer.
No caso de Maradona, a busca por mais euforia foi um dos motivos que podem tê-lo levado às drogas, na visão de Aylmer.
Após ajudar a Argentina a derrotar a seleção da Inglaterra na Copa do Mundo do México de 1986 e dos anos à frente de um estrondoso sucesso no time italiano Napoli, a carreira do craque entrou em declínio em 1994, após ser barrado em um exame antidoping por uso de cocaína.
Já para Rodrigo Vianna, CEO da Mappit, empresa do Talenses Group, que foi jogador de futebol amador e colecionador de objetos relacionado ao esporte, é possível olhar a vaidade de Maradona de certa forma positiva.
“Você pode vê-lo como alguém que se sente seguro. E isso é bom para o profissional. Na hora que o jogo tava pegando, era o cara que resolvia. Então, a autoconfiança tinha um lado positivo. É importante que o profissional tenha isso, mas olhando pelo lado ruim gera a vaidade.”
Apesar de reconhecer a autoconfiança de Maradona, e ressaltar aspectos positivos de sua personalidade como a capacidade de fazer uma “leitura” rápida do jogo, um talento que o permita estar sempre um passo à frente, o CEO da Mappit relaciona o decaimento da carreira de Maradona à falta de cuidado com o corpo, que inclui a dependência química.
Assim como a mente e o raciocínio são as ferramentas de um executivo, o corpo é a ferramente de um atleta. Sem cuidado, com uma vida fora do padrão, o desempenho é prejudicado. Na visão de Rodrigo, líderes que usam muito o raciocínio precisam cuidar da saúde mental. No ambiente corporativo, falar sobre saúde mental ainda é um tabu.
“Nós temos hoje jogadores que não têm nem de longe o talento do Maradona, mas têm o foco e se cuidam, treinam muito”.
Dopamina e adrenalina são dois hormônios despertados no reconhecimento e na conquista. O problema é que eles são viciantes.
O psiquiatra Roberto Aylmer faz uma relação entre a sede por reconhecimento de Maradona e a que muitos líderes têm no ambiente corporativo. Em outras palavras, é a famosa “mosca-azul”, que também ronda políticos.
“Na Argentina, ele tem o perdão público, é tratado como acima do bem e do mal, e isso é alimentar sua patologia.”
O perigo do sucesso na carreira está em entender quanto dele a estrutura de alguém aguenta.
“Muitos empresários, jogadores e líderes empresariais crescem e não têm fundamentalmente que crescem de maneira equivalente: valores, caráter, posições de vida. Então, quanto mais rápido eles crescem, mais rápido eles caem.”
A dica fundamental para os líderes é reconhecer que há essa sedução e há esse risco. Se não, na visão do psiquiatra, há a possibilidade de ser levado pela maré.
Apenas três em cada dez líderes terminam “bem” sua carreira, de acordo com o escritor americano Robert Clinton. Os dados, que são repetidos por especialistas em liderença como mantra, chamam a atenção.
Em geral, começar bem a carreira tem a ver com talento, dedicação e contexto. No entanto, o terminar bem tem mais a ver com sabedoria ao longo dela.
No caso de Maradona, Roberto Aylmer ressalta que ele teve dificuldades em terminar bem cada etapa de sua vida profissional, sem saber fechar os ciclos. O terminar bem não está relacionado apenas à aposentadoria ou à morte. Tem a ver com terminar bem cada etapa da vida.
“Maradona cometeu um erro muito clássico: não perceber que mudou o jogo, e aí não conseguir mudar a estratégia, que é uma coisa que muita gente não percebe. Ao forçar a visibilidade, ele acaba gerando uma caricatura de si mesmo. Ao invés de usar sua experiência para ser considerado uma pessoa sênior”, opina o psiquiatra.
No ambiente corporativo, a cena se repete, com líderes deixando de perceber que “prescreveram”.