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OPINIÃO: A geopolítica entrou nos conselhos. É a era do corporate foreign policy

Em artigo, Manuel Muñiz, reitor internacional da IE University e presidente do Conselho da IE New York College, argumenta que é hora de as multinacionais criarem estruturas internas específicas para monitorar riscos geopolíticos

Xi Jinping, presidente da China, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos: rivalidade entre os países mudou o comércio global e as estratégias de muitas multinacionais (AFP)

Xi Jinping, presidente da China, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos: rivalidade entre os países mudou o comércio global e as estratégias de muitas multinacionais (AFP)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 13 de outubro de 2025 às 10h28.

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Manuel Muñiz, reitor internacional da IE University e presidente do conselho da IE New York College

Durante três décadas, as empresas operaram em um ambiente marcado pela expansão da globalização, relativa estabilidade dos mercados e redução das barreiras comerciais. Esse cenário deu origem a cadeias de suprimentos altamente otimizadas e à convicção de que os riscos políticos eram, em grande parte, uma questão de governos, não de empresas.

Hoje, essa percepção mudou radicalmente. A geopolítica e a geoeconomia se instalaram nos conselhos das companhias, tornando-se uma preocupação tão estratégica quanto as finanças ou a sustentabilidade.

Prova disso é que, segundo a última pesquisa global da PwC, 87% dos CEOs acreditam que as tensões geopolíticas terão um impacto relevante em seus negócios nos próximos cinco anos.

O retorno da política internacional como fator de instabilidade é visível em múltiplas frentes. A rivalidade entre Estados Unidos e China marca uma mudança de época, reorganizando o comércio global e obrigando empresas de todos os setores a avaliarem sua exposição a um desacoplamento que se estende do campo tecnológico ao financeiro.

Mas não se trata apenas de uma disputa entre potências. A invasão russa da Ucrânia alterou drasticamente os fluxos energéticos na Europa, obrigando a repensar investimentos e cadeias de suprimentos.

O conflito em Gaza adiciona incerteza aos mercados energéticos e logísticos do Oriente Médio. As tarifas dos Estados Unidos sobre o Brasil ou os apoios financeiros ao governo de Javier Milei na Argentina são, igualmente, lembretes de que a política internacional pode modificar subitamente o cenário competitivo das empresas.

Antecipar movimentos que podem mudar tudo

Esse ambiente levou muitas multinacionais a criar estruturas internas específicas para monitorar riscos geopolíticos. Já não se trata apenas de cumprir normas locais ou adaptar-se a mudanças fiscais.

Trata-se de antecipar movimentos que podem redefinir setores inteiros. O caso da Inditex é paradigmático, tendo criado uma unidade dedicada a avaliar a influência da geopolítica sobre sua cadeia de valor.

E não é um caso isolado. Mais de 40% das grandes empresas europeias já contam com departamentos especializados em risco geopolítico, segundo dados da EY — uma prática quase inexistente há apenas uma década. Esse passo reflete uma tendência que está se generalizando, onde os conselhos de administração percebem que os riscos internacionais não são um elemento marginal, mas um componente central da estratégia corporativa.

Neste novo contexto, os CEOs e conselhos enfrentam vários desafios. O primeiro é de informação. Tradicionalmente, os comitês de direção se baseavam em relatórios financeiros, estudos de mercado ou análises regulatórias.

Hoje, também precisam de avaliações geopolíticas de alta qualidade, como relatórios sobre conflitos potenciais, mudanças nos fluxos comerciais, riscos de sanções ou volatilidade nos preços da energia. Para muitas empresas, isso implicou contratar especialistas em relações internacionais ou estabelecer vínculos estáveis com centros de pensamento e consultorias especializadas.

O segundo desafio é de governança. A geopolítica não pode ser relegada a um anexo das reuniões dos conselhos. Deve ser tratada como um eixo transversal que afeta a expansão internacional, a gestão de fornecedores, a inovação tecnológica e as políticas de sustentabilidade.

Algumas empresas começaram a incluir a análise de riscos geopolíticos como parte dos indicadores-chave de desempenho (KPIs) que revisam periodicamente. Outras incorporaram esse tema nos comitês de risco ou nos processos de tomada de decisão de investimento.

O terceiro desafio é de cultura corporativa. Durante décadas, os executivos foram formados em escolas de negócios sob a premissa de que o comércio internacional se expandiria sem interrupções e que as tensões políticas seriam geridas pelos Estados.

Manuel Muñiz: "Estamos entrando em uma era de corporate foreign policy: as grandes empresas, por sua escala e influência, devem desenhar autênticas estratégias de política externa corporativa" (Divulgação/Divulgação)

A capacidade de ler a política internacional

Hoje, os líderes empresariais devem desenvolver novas competências: capacidade de ler a política internacional, entender as dinâmicas de poder entre países e incorporar essa visão às decisões estratégicas. Isso exige tanto formação interna quanto a criação de equipes multidisciplinares que combinem visão financeira, tecnológica e geopolítica.

Neste ponto, a prospectiva estratégica surge como uma ferramenta indispensável. Não se trata de adivinhar o futuro, mas de construir cenários plausíveis que permitam aos conselhos de administração ensaiar respostas antes que as crises ocorram.

Essa prática, comum em governos e forças armadas há décadas, está sendo transferida agora para o mundo empresarial. Algumas empresas já realizam exercícios de war gaming para avaliar o impacto de conflitos comerciais, crises energéticas ou rupturas nas cadeias de suprimentos. Outras elaboram mapas de riscos geoeconômicos com horizontes de cinco ou dez anos.

O valor desses exercícios não está em acertar com precisão, mas em preparar as organizações para reagir com rapidez e flexibilidade. Em um ambiente de incerteza radical, a prospectiva estratégica não é um luxo intelectual, mas um requisito de resiliência corporativa.

Mas o papel dos conselhos vai além da gestão de riscos. Estamos entrando em uma era de corporate foreign policy: as grandes empresas, por sua escala e influência, devem desenhar autênticas estratégias de política externa corporativa.

Não basta reagir a sanções ou guerras comerciais; trata-se de antecipar movimentos, estabelecer alianças estratégicas e tornar-se atores com capacidade de influenciar o desenho das cadeias globais e dos marcos regulatórios. As empresas que dominarem essa disciplina não apenas sobreviverão à turbulência, mas poderão orientar seu setor e ganhar vantagem na redefinição da globalização.

Adaptação não é opcional

A adaptação a essa realidade não é opcional. O contexto internacional já condiciona a disponibilidade de recursos críticos, a estabilidade energética e a resiliência das cadeias logísticas, definindo os limites de atuação das empresas globais.

Ignorar essa dimensão equivale a se expor a choques que ameaçam a competitividade e a sobrevivência. Nos próximos anos, a análise geopolítica será institucionalizada dentro das empresas, da mesma forma que a sustentabilidade passou de um tema periférico a ocupar o centro da agenda corporativa.

Os conselhos de administração já não podem se limitar a discutir resultados financeiros ou planos de crescimento. Devem também responder a perguntas como: quais são as implicações para nossa empresa do desacoplamento tecnológico entre Estados Unidos e China?

Quais riscos a crescente instabilidade na Europa Oriental e no Oriente Médio representa para nossas operações? Como a regulação internacional da inteligência artificial e das tecnologias emergentes afetará nossa competitividade nos próximos cinco anos?

Responder a essas questões não é apenas um exercício de prudência, mas de liderança. O futuro exigirá que os conselhos atuem não apenas como guardiões financeiros, mas como verdadeiros estrategistas globais. Nessa transformação se decidirá quais empresas liderarão a nova economia internacional e quais ficarão relegadas a um mundo que já não existe.

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