Carreira

O trainee em crise, após 30 anos de modismo

Agumas empresas começam a reavaliar seu programa de trainee e a questionar até que ponto vale a pena o investimento

Estagiários e trainees da Telefônica, em São Paulo: programa de formação de líderes agora dá oportunidade ao jovem que atua na empresa (Omar Paixão)

Estagiários e trainees da Telefônica, em São Paulo: programa de formação de líderes agora dá oportunidade ao jovem que atua na empresa (Omar Paixão)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 19h18.

São Paulo - Inspirados no modelo das empresas americanas, os programas de trainee se massificaram no Brasil a partir dos anos 80 e se tornaram uma das principais fontes de formação de jovens líderes nas grandes empresas.

No entanto, recentemente as companhias decidiram colocar na balança os custos e os benefícios da iniciativa. Isso porque, num mercado ávido por profissionais bem preparados e sem pudor em atrair pelo bolso, manter um programa de trainee custa caro e o retorno após seu término nem sempre acontece.

“Há empresas que investem fortunas nesses programas e veem o concorrente, que não desembolsou um tostão em desenvolvimento, fazer uma proposta tentadora e tirar o jovem que elas formaram”, diz o presidente de uma consultoria em São Paulo.

Não à toa, companhias que buscam especialistas em áreas técnicas ou que terão necessidade de preencher vagas de gerência apenas no longo prazo têm optado por um formato mais barato e eficiente: o estágio.

Segundo um levantamento da Catho, em 2012 foram abertas 64 312 vagas de estágio, ante 3 063 para trainees. A Cia. de Talentos também vem ma­pean­do a evolução dos dois modelos. De 2009 a 2012, o número de programas de estágio dobrou. O número de programas de trainees também cresceu, mas numa proporção menor – abaixo de 80%. 

O mercado não dá indícios de que os tradicionais programas de trainee vão desaparecer. Mas dá provas suficientes de que eles – se já não estão passando por uma transformação – devem mudar de cara nos próximos anos.

Algumas empresas já perceberam que o modelo antigo, embora ainda fundamental para o negócio, está ficando insustentável. Portanto, no lugar de abolir o programa, os empregadores optaram por redesenhá-lo, mexendo no formato, na duração e no próprio conceito.

Na Telefônica, por exemplo, a permanência dos jovens formados no programa de trainee se tornou questão de ordem no ano passado. A empresa investe, em média, cerca de 60 000 reais por participante do programa todos os anos – fora os salários, que giram em torno de 4 000 reais mensais. Os jovens profissionais têm tratamento de luxo.


Além de assistir a palestras com a diretoria e de participar de sessões de coaching individual, cada trainee ganha um curso de pós-graduação em gestão de negócios, totalmente custeado pela empresa. “É um investimento altíssimo. É nosso dever convertê-lo em resultado, o que, nesse caso, significa manter as pessoas em nossos quadros depois do fim do programa”, diz Tatiana Cordoni Pizza, coordenadora de trainee e estágio da Telefônica.

O problema é que o índice de retenção das últimas edições ainda estava longe dos sonhos da executiva. Cerca de 60% dos ex-trainees permaneciam na Telefônica nos anos imediatamente seguintes ao fim do treinamento.

Começou a chamar a atenção da área de recursos humanos o fato desse indicador ser bem mais baixo que o do programa de estágio, que tem uma média de 75% de retenção.

Foi dessa constatação que saiu a ideia para resolver o problema. A diretoria concluiu que por atuar no desenvolvimento dos estagiários desde muito cedo, ainda durante a graduação, sua fidelidade à empresa acaba sendo muito mais alta do que a dos jovens trainees. “Percebemos que, se tivéssemos mais estagiários participando do programa de trainee, a permanência ao fim do ciclo tenderia a crescer”, diz Tatiana. 

Chegou a vez dos estagiários

Para que isso fosse possível, a Telefônica precisou mudar o processo seletivo dos estagiários. Muitos deles não passavam ao status de trainee simplesmente porque não tinham as habilidades requeridas pelo programa. Até o ano passado, as contratações de estagiários ocorriam com base em indicações – a empresa não abria as vagas para o mercado.

Agora, a régua subiu. As duas “classes” de jovens profissionais também passaram a conviver mais tempo juntas – há cada vez mais treinamentos compartilhados entre eles. “Queremos ter os melhores estagiários, e que participar do programa de trainee seja seu primeiro grande objetivo profissional na empresa”, diz Tatiana.


A meta da Telefônica é elevar o índice de retenção dos trainees para 80%. O número ainda está no campo das expectativas – não há resultados concretos porque as primeiras mudanças começaram a acontecer apenas no ano passado. Mas o exemplo da Siemens leva a acreditar que essa mudança pode funcionar. 

Investimento certo

Na empresa, de origem alemã, o programa de trainee é aberto apenas para quem já é funcionário da companhia. Podem se candidatar os estagiários e também profissionais nos primeiros degraus da carreira, desde que estejam na Siemens há pelo menos um ano e, no máximo, há três.

“Nosso programa está focado em dar oportunidades a quem tem alto potencial, e só conseguimos perceber quem está nessa situação quando vemos essas pessoas em ação”, afirma Lena Medeiros, gerente de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos da Siemens.

Durante o ano de duração do programa, o trainee tem como desafio desenvolver um projeto com impacto nos negócios da companhia. Embora fique alocado em sua área de atuação, é comum que ao fim do período receba convites para assumir funções em outros departamentos da empresa.

O programa de trainee da companhia existe desde 1997 e, de todos os jovens profissionais que passaram por ele nesse período, pelo menos 70% continuam trabalhando na empresa até hoje. “A seleção interna é uma das principais razões de mantermos tanta gente. Há características impossíveis de observar em um recrutamento comum”, afirma Lena.

Com o mesmo objetivo de se tornar mais assertivo e fazer valer o investimento empregado nos jovens, o banco Santander também reformulou recentemente seu programa de trainees.

No ano passado, o programa perdeu a cara dos modelos tradicionais, em que um número limitado de aprovados circula por todas as áreas da empresa, antes de se definir a unidade em que ele atuará dado seu perfil de competências. Em vez dos usuais 20 felizardos (ou sobreviventes), a edição de 2012 selecionou nada menos que 400 trainees – neste ano, já entraram mais 50.


Todos foram direcionados à área de varejo, encaminhados para iniciar, ao fim do programa, uma carreira no atendimento a pessoas jurídicas nas agências do banco. “Era nessa área que tínhamos mais necessidade de gente e na qual podíamos oferecer um horizonte mais claro de crescimento de carreira a esses jovens”, diz Fatima Gouveia, superintendente de recursos humanos do Santander.

Com a mudança, Fatima quer evitar os dois maiores problemas com os quais acabava se deparando no modelo antigo: a evasão dos ex-trainees após dois ou três anos de programa e a lentidão no desenvolvimento de alguns quando alocados nos setores mais técnicos.

“Em áreas como a de crédito ou risco, percebíamos que profissionais contratados por outras vias, às vezes sem uma formação universitária de grife no currículo, tinham desempenho melhor do que os ex-trainees, a quem faltavam determinados conhecimentos porque eram muito jovens”, afirma Fatima. 

Menos rotatividade

Em parte por causa dos investimentos envolvidos, em parte pela filosofia do programa, há grandes empresas que simplesmente optam por não ter um programa de trainee. É o caso da gestora Pátria Investimentos. Por princípio, a empresa sempre preferiu ter estagiários. Todos os anos, são contratados 20.

A menos que não atinjam o nível de desenvolvimento que se espera deles, todos são efetivados ao fim do programa. Na visão dos sócios, quem encontra e molda um talento primeiro mais chances tem de ficar com ele no futuro.

“Quanto mais cedo conseguirmos expor um jovem profissional à nossa cultura, maiores as chances de enraizá-lo na empresa. Não conseguimos nos blindar, mas certamente diminuímos a rotatividade agindo desse jeito”, afirma Marcelo Nogueira, diretor financeiro da Pátria. 


Em outras empresas, o programa de trainee dificilmente casa com o perfil corporativo, como na seguradora Mongeral Aegon. A empresa tem um programa de estágios também com 20 vagas por ano. Há planos de formar trainees, mas não há data definida para iniciar o programa.

“Trainees costumam ser contratados com a meta de assumir cargos executivos no futuro próximo. Mas nós temos por princípio dar oportunidade de liderança a quem já trabalha conosco”, diz Carla Muniz, superintendente de recursos humanos da seguradora.

O programa de estágio, por sua vez, representa uma fonte de profissionais para áreas técnicas, em que a empresa tem muito mais demanda. Para consegui-los, Carla não precisa disputar os talentos das faculdades mais badaladas, como fazem as empresas que têm trainees.

“Temos demanda por atuários, por especialistas em seguros. Queremos estagiários com boa formação, mas não adianta buscar alunos só nas universidades de primeira linha para depois efetivá-los nessas funções técnicas, onde estão nossas vagas”, afirma. Em tempos de economia em marcha lenta, como os atuais, o segredo é dar o tiro certeiro e evitar o desperdício de recursos – seja com o estágio, seja com o trainee.

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