Carreira

A liberdade de criar e a de errar são a mesma coisa

Professor da Universidade de Pittsburgh, diz que as empresas, ao punir os tropeços de seus profissionais, matam a inovação e inibem a formação de líderes

Robert Atkin:  “Tudo o que o ambiente corporativo ensina é ser um bom gestor:  a fazer conforme o esperado, no prazo, no orçamento. Isso mata a habilidade de qualquer um ser um bom líder” (Fabiano Accorsi)

Robert Atkin: “Tudo o que o ambiente corporativo ensina é ser um bom gestor: a fazer conforme o esperado, no prazo, no orçamento. Isso mata a habilidade de qualquer um ser um bom líder” (Fabiano Accorsi)

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Da Redação

Publicado em 13 de dezembro de 2013 às 16h25.

São Paulo - Ninguém perdoa uma falha, principalmente no mundo corporativo. A pressão constante e crescente por resultado leva a entender que o lucro deve ser alcançado a qualquer custo. Afinal, só quem atinge a meta, lança o produto de sucesso ou corta os custos é premiado com bônus extravagantes. Aquele que erra é punido — ou pior, descartado.

O problema é que o medo de fracassar e a pressão por resultados, além de matar a inovação, levam os indivíduos a atropelar a ética. “Nos últimos anos, temos visto problemas éticos reais e desprezíveis”, diz Robert S. Atkin, professor de administração de empresas na Escola de Negócios da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, Estados Unidos.

O fato é que os erros são importantes no processo criativo e inovador (e a inovação, o olhar além, é uma habilidade essencial para os líderes dos negócios). Mas o próprio ambiente corporativo desestimula os tropeços — e incita as ações antiéticas.

Em uma conversa com a VOCÊ RH, o professor e engenheiro, que há anos estuda e ensina sobre ambiente corporativo e empreendedorismo, passeia entre vários exemplos: do caso Yahoo! a Steve Jobs; do Facebook a molho de tomate e, entre histórias de currículos falsos e gênios inovadores, ele dá dicas de como preparar um ambiente saudável e duradouro para os negócios — que dê liberdade para os líderes errarem (e criarem), sem que sejam rechaçados de sua carreira.

O que mudou no ambiente corporativo nos últimos anos?

Robert Atkin - Vemos uma pressão muitíssimo maior nos líderes, uma busca por redução de custos, mudanças nos hábitos dos consumidores e bônus e incentivos enormes, realmente exorbitantes. E muitos problemas éticos.

Que tipo de problemas éticos?

Robert Atkin -Por exemplo, o do Yahoo!, nos Estados Unidos, que descobriu que o presidente recém-contratado havia fabricado parte de seu currículo, adicionando uma formação que não tinha. Não se espera isso de um profissional, menos ainda de um CEO experiente. Tem gente que acha que um problema ético é apenas uma trapaça, mas tudo depende do que você chama de ética. O Facebook abriu o seu capital em maio e o lançamento das ações foi um sucesso.

Eu não sei para você, mas manejar 100 bilhões de dólares soa, para mim, motivador. Mas me parece que o banco de investimento responsável pelo processo não aconselhou os investidores como deveria, e o alto valor dos papéis mostrou-se insustentável e despencou. [Nota da redação: o preço das ações do Facebook teve uma queda de 50% desde a oferta pública inicial, quando cada uma valia 38 dólares.] É um problema ético? Eu acho que sim. Incentivar um preço mais alto é esperado, mas os consultores deveriam ter alertado que aquilo era exagerado e não se sustentaria.

As empresas proporcionam um ambiente favorável ao risco?

Robert Atkin -Tudo o que o ambiente corporativo ensina é ser um bom gestor: a fazer conforme o esperado, no prazo, no orçamento, ou seja, ensina a não correr riscos. Isso mata a habilidade de qualquer um ser um bom líder. E uma empresa precisa dos dois perfis. Se não tiver o gestor para fazer cuidadosamente as coisas no curto espaço de tempo, a companhia não existirá amanhã. Mas, se não tiver o líder para olhar o futuro, a empresa será a mesma, o mundo terá mudado, e ela morrerá.

A Microsoft perdeu duas ondas importantes. Perdeu o começo da internet, que foi mais bem aproveitado por empresas pequenas, como o Netscape. E perdeu o começo das mídias sociais e a internet nos celulares. A Microsoft é uma empresa ruim? Os funcionários são estúpidos? Não.

É uma companhia com excelentes gestores, que não correm riscos apropriados. Há outros exemplos além da tecnologia. Nos Estados Unidos há dois grupos gigantes, a Heinz e a Campbell, fabricantes de ketchup e molho de tomate. E quem trouxe para o mercado americano uma inovação com tomate, um molho de condimento para a cozinha mexicana do tipo tex-mex, foi uma pequena empresa.

Como incentivar um executivo a correr um risco consciente?

Robert Atkin -O que as empresas precisam fazer é permitir mais riscos no ambiente para que os jovens, principalmente, tenham sucesso ou não. E, se não o tiverem, precisam receber um extenso feedback sobre o que fizeram, o que perderam e como fariam isso melhor. E eles não podem criticá-los ou puni-los por terem fracassado. Ninguém consegue ser um bom líder se não entender o que é risco e o que é fracasso. Temos vários conceitos que ensinam o que é risco, mas não é fácil ser protagonista do fracasso.

Se fizermos um estudo dos empreendedores, vamos descobrir que muitos falham ou nunca chegam a ter uma empresa grande nem sucesso. Mas se todos temerem isso, nunca ninguém começará um novo negócio, nunca haverá novos produtos. Quantos produtos são lançados e falham? Se você não entende o fracasso, você não está pronto para a liderança. Só porque falhou não significa que a sua vida acabou.

O profissional de recursos humanos pode ajudar nesse processo?

Robert Atkin -O RH precisa achar uma maneira de a companhia permitir que pessoas inteligentes e espertas experimentem a falha, sem que isso signifique o fim de suas carreiras. Um jeito diferente de fazer isso é: quatro dias por semana, ou 90% do tempo, o funcionário trabalha nos processos da empresa; nos 10% restantes ele poderá dedicar ao seu próprio projeto.

Nesse período, ele vai criar outras coisas e se sentir à vontade para fracassar. A empresa não terá um grande lançamento nessa semana, nem nesse mês, mas o empregado ficará pensando no futuro. E não temerá o fracasso. A maior inovação não traz um produto final acabado, mas traz o começo de um. Isso, porém, só será viável se o presidente da organização apoiar a ideia.

Além de não temer o fracasso e correr riscos conscientes, quais habilidades um líder deve ter?

Robert Atkin -A verdadeira habilidade do líder consiste em distinguir no horizonte o que é realmente uma tendência do que é apenas barulho. E o último elemento é ter ética, compromisso com o indivíduo, com a sociedade, com as informações. O Google lança vários produtos bacanas. Todos adoramos o Google Mapas, mas sabemos que eles colhem informações sobre a localização das pessoas e traçam um perfil. Isso esbarra na privacidade dos indivíduos — e na ética. Um líder, em última instância, tem de ser ético. E não olhar apenas o resultado financeiro.

O que leva as pessoas a agir assim?

Robert Atkin -A falta de ética existe há muito tempo, porque é difícil fazer a coisa certa. E isso se agrava especialmente quando o “fazer a coisa certa” é produzir muito lucro. Nos dias de hoje, o lema é: pegue o quanto você puder, o mais rápido que puder, e mova-se para a próxima coisa. Não há problema algum em construir riqueza e fazer dinheiro. Mas as pessoas tornaram-se obsessivas com a ideia de ganhar rápido e mudar para a próxima máquina de dinheiro. Esse é o problema.

Muitos dos que fazem dinheiro atualmente pensam primeiro neles. E no restante da sociedade acho que não pensam nem um segundo. Aqui no Brasil vocês têm muitos empresários ricos. Quanto de dinheiro eles colocam na sociedade? Nós somos uma sociedade interesseira. Quando há um terremoto, nós doamos dinheiro, mas não temos ideia do que é feito com ele. Não temos noção de como as pessoas vivem no mundo. E, conforme a riqueza se concentra nas mãos de poucos, o egoísmo torna-se proporcional. E eu acho que as compensações exageradas levam os indivíduos a agir dessa maneira.

Isso é um problema do perfil de empresários que temos?

Robert Atkin -Empresários ou gestores não são necessariamente líderes. Há uma grande distinção entre eles. Os gestores pensam em um curto espaço de tempo e fazem os projetos conforme o modelo esperado, no prazo esperado, no orçamento esperado. Quando eles terminam um projeto, alguém lhes pergunta: “Foi feito? Sim.” “Foi dentro do orçamento? Sim.” “Foi no prazo? Sim.” Depois de várias vezes, as pessoas os veem como ótimos funcionários — e eles são promovidos. Então, eles farão exatamente a mesma coisa, porém, com mais recursos e em um nível maior. Já o líder deve olhar no longo prazo e buscar o risco prudente.

Não é caçar riscos, mas ter consciência de que errará algumas vezes. É o risco de algo realizável, que talvez não dê certo, porque ele fez algo que não foi feito antes. O importante é estar olhando o horizonte. Se você lê a biografia de Steve Jobs com atenção, você chega a uma série de conclusões, inclusive a de que ele era um cara difícil.

Por outro lado, a maioria das pessoas o enxerga como um líder de sucesso. Ele pegou uma empresa de computador que tinha um único produto, o Macintosh, e a transformou na primeira empresa de eletrônicos com os designs mais legais do mundo. Mesmo quem não gosta dos produtos conhece a companhia e sabe que o próximo lançamento bacana virá de lá. Inovação. Eu posso fazer isso, mas preciso perseguir uma estratégia de risco — mais risco do que o comum.

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