Érica Askinis, gerente de RH do MMAA, e Ricardo Cicconelo, sócio administrativo: gestão de pessoas mais sofisticada para atender funcionários mais exigentes (Fabiano Accorsi)
Da Redação
Publicado em 29 de novembro de 2013 às 13h22.
São Paulo - Justiça tarda, mas não falha. A consolidação da área de gestão de pessoas no mundo jurídico, antes um movimento restrito a poucas bancas de advocacia, está atingindo um número maior de escritórios. O motivo é um velho conhecido do mundo empresarial: a retenção de talentos. Para segurar os melhores, os escritórios têm investido em programas de treinamentos e distribuição de bônus, forçando assim a criação de uma área de gestão de pessoas.
Segundo consultores e os próprios advogados, a sentença já foi dada: é preciso contratar profissionais de recursos humanos para poder crescer. “Não dá mais para se pautar somente no conhecimento técnico e jurídico”, diz Victor Martínez, CEO da consultoria de RH Thomas Brasil, que atende os três principais escritórios de advocacia de São Paulo. “É preciso gerenciar e apoiar seus advogados.”
Foi a essa conclusão que os sócios do escritório Manhães Moreira Advogados Associados (MMAA) chegaram ao contratar em agosto a gerente de recursos humanos Érica Askinis, uma profissional com passagens pela Lear do Brasil, de bancos automotivos, e pela Rockwell, de automação industrial. “O mercado jurídico está mudando e, ao mesmo tempo que é mais cobrado, o advogado também quer mais do seu empregador”, afirma Ricardo Cicconelo, sócio administrativo do escritório.
No caso do MMAA, essa exigência é bem acentuada. Com atuação em direito empresarial (90% de seus clientes são multinacionais), boa parte de seus advogados costuma chegar ao escritório após passagens por grandes companhias e está acostumada com uma gestão de pessoas mais sofisticada. “Devemos focar em desenvolvimento e retenção de talentos”, explica Cicconelo.
Para desenvolver seu principal projeto — de capacitação de advogados para a banca —, Érica terá participação nas reuniões de sócios, também uma tendência na profissionalização dos escritórios. Kristie Vasconcelos, gestora de RH do Veirano, tradicional escritório nascido no Rio de Janeiro, também tem assento no comitê gestor, o maior órgão de decisões da banca, importância similar dada a Claudia Meirelles, diretora de desenvolvimento humano e organizacional do TozziniFreire Advogados. Claudia participa do comitê de gestão ao lado dos demais diretores, do fundador e de dois sócios seniores.
RH de grande empresa
Um dos pioneiros em contar com uma área estruturada de RH, o TozziniFreire Advogados conhece bem os benefícios de entregar a gestão de pessoas a quem entende do assunto. Claudia Meirelles chegou ao escritório em 2005, vinda da Merck Sharp & Dohme. A experiência na indústria farmacêutica logo a fez perceber que o modelo de consultores de RH espalhados por áreas de negócios caberia muito bem no mundo jurídico para entender melhor as demandas e ganhar espaço e confiança com os advogados.
Essa foi só a primeira mexida na gestão de pessoas. A partir daí, Claudia levou para o Tozzini todas as ferramentas usadas pelos RHs das grandes corporações. A entrada de novos funcionários, por exemplo, antes baseada apenas na indicação dos advogados, ganhou peso. Hoje, o processo seletivo começa na sua área e prevê entrevistas por competências. “Continuamos aceitando indicações dos advogados, mas definimos critérios para que um profissional ingresse no escritório”, diz Claudia. Com a ferramenta de análise de perfil profissional, seu turnover caiu 13% entre 2005 e 2006.
Outras práticas de gestão foram adotadas. A intranet foi reformulada, passando a funcionar como uma poderosa ferramenta de comunicação interna. Foram criados também um programa de retenção com participação nos resultados no curto, médio e longo prazos, plano de carreira e uma política de formação continuada com subsídio à educação de até 75% das mensalidades dos cursos.
Nos últimos dois anos, o escritório formou 18 novos sócios — ao todo, eles são 66. Os funcionários também passaram a ser submetidos a duas avaliações por ano: uma de desempenho; outra, de resultados. “Isso faz com que a cultura do feedback seja muito presente aqui”, afirma Claudia.
A menina dos olhos do Tozzini, porém, é seu programa de inclusão social, iniciado em 2005. Há hoje 30 pessoas com deficiência trabalhando no escritório.
Mais formal e burocrático
O trabalho desenvolvido por Claudia, no entanto, foi valorizado à medida que trazia resultados. É preciso saber que há certas regras para entrar no mundo jurídico, e cavar um espaço para promover mudanças nem sempre é simples. “Meus primeiros seis meses foram duros, mas conforme o trabalho aparece você ganha credibilidade”, diz Claudia.
Via de regra, o profissional de RH que migra para esse mundo vai encontrar muitos desafios. Há vários sócios com quem ele deve lidar, o que pode tornar as decisões mais lentas e exigir grande habilidade de negociação.
“Quem quiser atuar numa banca de Direito precisa conhecer um pouco do mundo jurídico, entender que as decisões são colegiadas e a formalidade é maior do que nas demais empresas”, diz Flávia Melo, que em 2008 trocou o trabalho numa consultoria pela coordenação de RH do Demarest & Almeida Advogados. “O profissional pode ser um visionário, mas precisa ter paciência, não adianta chegar achando que vai mudar tudo do dia para a noite, o ritmo é diferente.”
Aos poucos a realidade corporativa entra no mundo jurídico do Demarest. Hoje, o escritório tem plano de carreira, faz avaliações de desempenho e, desde 2009, com a contratação de Marta Nogueira, coordenadora de administração de pessoal, deu início a um programa de mentoring. “Os sócios seniores orientam a carreira dos juniores, e os juniores, a dos advogados, em encontros bimestrais”, explica Marta.
Ela, Flávia e Claudia participam de um grupo criado em 2005 que reúne RHs das dez maiores bancas do país uma vez por mês, para trocar experiências, práticas e soluções. “O meio jurídico é um mundo à parte e é um desafio para o RH começar a fazer parte desse mundo”, diz Marta.