(Isac Nóbrega/PR/Divulgação)
Luísa Granato
Publicado em 22 de fevereiro de 2021 às 15h53.
Última atualização em 22 de fevereiro de 2021 às 18h43.
Após a reviravolta de sua indicação para a presidência da Petrobras na semana anterior, o presidente Jair Bolsonaro começou esta segunda-feira com novas críticas ao atual CEO da estatal, Roberto Castello Branco. E a questão da vez foi o home office.
“O atual presidente da Petrobras está há 11 meses em casa, sem trabalhar, né?", disse Bolsonaro em conversa com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada.
O executivo está trabalhando remotamente por causa da pandemia do novo coronavírus, assim como 90% de seus 21 mil funcionários da área administrativa da Petrobras em todo o Brasil.
Para Bolsonaro, o modelo de trabalho atual de Castello Branco é “inadmissível”. Ele disse que o chefe “tem que estar na frente, bem como seus diretores".
Essas críticas trazem à tona o antigo preconceito (muitas vezes velado, por vezes escancarado) de que o trabalho em casa é o equivalente a uma folga.
Para especialistas de RH, o posicionamento de Bolsonaro mostra um traço marcante de um tipo de liderança que ficou antiquado nas empresas: o de comando e controle.
“A fala demonstra ainda modelos de liderança de supervisão direta, do olho no olho. Aquela em que as pessoas precisam ser vigiadas para garantir que estão trabalhando”, fala João Roncati, diretor da People+Strategy.
Durante a pandemia, diversas empresas que tinham a possibilidade de colocar ao menos parte de sua equipe em home office perceberam que, na verdade, as pessoas trabalham mais quando estão em casa.
Bruno Andrade, professor da escola de negócios Saint Paul dos programas de MBA, conta que boa parte das lideranças precisou passar por uma ruptura cultural com o começo da quarentena.
“A ruptura foi muito forte naquelas lideranças cujas características de comando e controle eram latentes. Os indicadores de estar vendo o que o funcionário está fazendo, que hora chega e vai embora, passaram a não existir mais”, fala ele.
Segundo ele, líderes que já faziam a festão da equipe orientada para a entrega final de resultados e a produtividade geral se adaptaram mais facialmente ao modelo de trabalho remoto.
“Do outro lado, existe a cultura de maior confiança. Se você entrega o trabalho previsto, não importa se você está no escritório”, diz Andrade.
O modelo remoto foi validado para as equipes, mas o mesmo é realidade para as lideranças? É realmente preocupante que o presidente da Petrobras esteja em home office por 11 meses, mesmo sendo do grupo de risco? Os especialistas defendem que o modelo também é válido para os gestores.
Segundo o diretor da People+Strategy, se a liderança remota não funcionasse, não seria possível existir um líder global para empresas multinacionais.
“Um presidente responsável pela América Latina precisaria ir a todos os países todos os dias para conferir se seus subordinados não estão de folga. É a ideia de um modelo obsoleto e anacrônico de liderança”, diz Roncati.
Para o professor, mesmo quando a pandemia diminuir e a volta aos escritórios se tornar mais flexível, não é necessariamente o gestor ou o CEO que deve ter a maior necessidade de retornar ao presencial.
“No formato presencial, seriam a princípio aqueles profissionais que precisam do físico, por causa de instrumentos ou atendimento, por exemplo", diz.
Desde agosto de 2020, a Petrobras já definiu que seu modelo de trabalho será híbrido, com os funcionários tendo autonomia para escolher quantos dias por semana vão trabalhar em casa ou no escritório.
Segundo pesquisa interna com 13.400 empregados, cerca de 86% classificou a experiência de teletrabalho como ótima ou boa e 82% tem interesse em adotar o teletrabalho em até três dias.
E 60% dos empregados disseram que a produtividade aumentou durante o período de quarentena e 34% viram uma manutenção da produtividade. Entre as vantagens, os funcionários apontaram o menor risco de exposição à Covid-19 (92%), ausência de deslocamento para o escritório (91%) e melhor qualidade de vida (64%).
“O modelo híbrido é o ideal. De longe, voltar ao presencial agora não seria o indicado por motivos sanitários, pelo custo e pela produtividade”, explica Roncati. “É um posicionamento inoportuno e que demonstra pouco conhecimento específico da organização. Vemos isso pela desvalorização das ações. O mercado está com a cabeça um pouco diferente”.
O professor concorda que o modelo híbrido veio para ficar nas empresas. "Um ponto importante: home office não é necessariamente o que aconteceu na pandemia. O que houve foi uma mudança brusca, sem planejar e pessoas em casa 100% do tempo. O home office antes pressupunha uma flexibilidade", comenta.