Salários: mulheres ganham cerca de 22,3% a menos que homens (CSA-Archive/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 9 de março de 2023 às 17h26.
Última atualização em 9 de março de 2023 às 17h51.
Por Jacqueline Resch*
O 8 de março, Dia da Mulher, foi marcado por um pacote de ações do atual governo com a finalidade de assegurar os direitos das mulheres, entre eles um Projeto de Lei do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com o Ministério da Mulher e Casa Civil, já assinado pelo presidente para garantir a equiparação salarial de homens e mulheres que exercem o mesmo trabalho.
Após a reação inicial de contentamento e comemoração, a pergunta que não calou: isso já não está previsto na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho?
O Plenário do Senado já não havia aprovado o projeto (PLC 130/2011) que determina pagamento de multa correspondente a até cinco vezes a diferença verificada em todo o período da contratação, observado prazo de prescrição contido na Constituição Federal? Sim, o tema está contemplado e a CLT é explícita:
"Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.” (BRASIL, 1952)
Avançando alguns anos no tempo, em 2022, também tivemos uma lei sobre o assunto que diz: “Art. 30. Às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador” (BRASIL, 2022). Ou seja, está na lei brasileira, que, com frequência, é descumprida.
A realidade revelada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que mulheres ganham cerca de 22.3% a menos do salário dos homens, apesar da população feminina ter um nível educacional mais alto. Nos cargos de liderança, o número aumenta para 38.1%, ou seja, uma diferença ainda maior em relação aos salários dos homens.
Então, porque isso acontece? Especialistas do Direito Trabalhista, entrevistados nos últimos dias na mídia nacional, explicam os vários motivos que levam os empregadores a não cumprir a lei: a fiscalização que deixa a desejar e a penalidade irrisória.
Isso faz com que as empresas infratoras só tenham algum tipo de prejuízo se a trabalhadora ajuizar uma ação. Nesse caso, entra a dificuldade de acesso à Justiça, aos desafios de provar que os trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é resultante de discriminação e, principalmente, o velho medo de ficar “queimada no mercado”, ainda que claramente o empregador tenha descumprido a legislação.
O projeto abre também a possibilidade de que a Justiça emita, em caráter de urgência, decisão para forçar a empresa a pagar o mesmo salário.
Já é um avanço! Leis, decretos e sanções são necessários, têm sua relevância e podem ajudar a mudar uma realidade, mas não são suficientes, precisamos de ações contínuas para mudar uma cultura e construir uma realidade na qual a equidade de gênero seja possível e incentivada para além dos discursos. O novo pacote de medidas não se restringe ao projeto para garantir a equiparação salarial e envolve cerca de 25 ações elaboradas por diversos ministérios.
Nos últimos anos, o mundo corporativo tem se dedicado à inclusão de grupos minorizados (mulheres, negros, PCDs, LGBTQIAPN+, indígenas etc.). Empresas mais conscientes do valor da diversidade estão implementando políticas e iniciativas para promover a igualdade de oportunidades e combater os preconceitos.
Não são muitas, considerando a realidade brasileira, mas essas têm sido referências na mídia especializada, fóruns e congressos dedicados à Gestão de Pessoas e ESG, na expectativa de alertar as demais para a relevância da questão.
Especificamente em relação a igualdade de gênero, algumas destas iniciativas são fundamentais para facilitar a dupla jornada da mulher, que ainda é vista em nossa sociedade como a grande responsável pelo trabalho doméstico e cuidado com os filhos e idosos.
Ações como creches no local de trabalho, adoção de auxílio-creche ou babá, políticas de trabalho flexíveis, com possibilidade de trabalho remoto ou híbrido, licença paternidade e maternidade ampliadas para equilibrar as responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres podem mudar a forma como mulheres se dedicam à vida profissional.
Outras iniciativas são igualmente importantes para transformar a realidade nos contextos de trabalho, como:
António Guterres, secretário das Nações Unidas, fez um importante chamado em 2020, alertando que o estatuto desigual das mulheres no trabalho alimenta a desigualdade em outras áreas de sua vida. Ele disse:
“Os empregos das mulheres têm menos probabilidade de incluir benefícios como seguro saúde e folgas remuneradas. Mesmo quando as mulheres têm direito a uma pensão, salários mais baixos se traduzem em pagamentos mais baixos quando se tornam idosas”. As leis de igualdade salarial não conseguiram corrigir isso. Precisamos ir mais além e trabalhar mais para encontrar soluções.
Precisamos, na terceira pessoa do plural, porque essa é uma necessidade de todos: governo, mundo empresarial e toda a sociedade. Dessa forma, nos movimentamos para transformar a realidade e tomar as rédeas da situação, para além das flores e chocolates no 8 de março.
*Jacqueline Resch é consultora e sócia-diretora da Resch RH. É graduada em psicologia pela PUC-Rio, tem MBA pela Coppead (UFRJ). Nos últimos seis anos vem se dedicando ao estudo do Diálogo, tendo obtido a Certificação em Práticas de Colaboração e Diálogo pelo Taos Institute (EUA) e cursado a pós-graduação em perspectiva e prática profissional generativa pela Universidade de Manizales (Colômbia).