(Pedro Souza/Atlético/Divulgação)
Luísa Granato
Publicado em 13 de janeiro de 2022 às 06h00.
No último ano, um jovem do grupo de base do Atlético Mineiro realizou o impossível: ele saiu do grupo de atletas que seriam cortados e se tornou um goleador que levou seu time à vitória no campeonato sub-15 realizado no Nordeste.
Parece a trajetória de um herói de filme, mas foi um dos resultados de sucesso da implementação de uma ferramenta de inteligência artificial no treinamento dos jogadores entre 14 e 20 anos do Galo.
A Speck Champs, solução criada pela empresa Kukac sob medida para o clube, utiliza a tecnologia do Watson da IBM e foi reconhecida como um dos usos mais inovadores dessa tecnologia pela empresa. A empresa de Belo Horizonte, criada em 2016, é uma referência em soluções cognitivas personalizadas no Brasil e na América Latina
O CEO do Atlético Mineiro, Plínio Signorini, traz para o clube uma visão de gestor que quer garantir que seu investimento nos talentos trará o melhor retorno.
Como outros líderes modernos, ele decidiu que o uso de dados era o caminho do futuro. Antes mesmo de assumir a liderança do clube, ele já pesquisava soluções de inteligência artificial em contato com a Kukac.
“Fazemos um investimento alto, principalmente nos atletas de base. Se conseguirmos uma análise mais abrangente, diminui o risco de perda e traz eficiência para o investimento. Você usa melhor seus recursos no mais importante para o público: o futebol”, diz.
Ao chegar no comando do clube em 2018, ele já tinha a adoção da inteligência artificial dentro de seus planos. Tudo começou com a indagação: por que alguns jogadores de base brilhantes não conseguem avançar e jogar no profissional?
“Tinha algum fator adicional. Por mais que um clube trabalhe bem os aspectos físicos, havia alguma coisa que a gente deixava passar”, diz.
Esse ingrediente que faltava no treinamento dos atletas era a avaliação psicossocial junto aos testes físicos e de desempenho. Com essa ideia, ele entrou em contato com Roberto Francisco de Souza, CEO da Kukac e diretor comercial do Speck, com a questão: será que funciona?
Três anos após começarem os testes iniciais da inteligência artificial, eles concordam que é um sucesso.
O caso do jovem da história inicial, que não teve seu nome revelado para a reportagem, é uma prova. Seu desempenho estava sendo avaliado abaixo das expectativas, no entanto o resultado que o robô enviou para a diretoria era outra: ele era um talento subutilizado.
“Fisicamente não havia problema. E nós vimos pela avaliação que ele tinha correspondência grande com atacantes que escolhemos como referência para comparação. Então fomos ao treino conhecer o menino”, conta o CEO do clube.
E então veio a surpresa: o atleta com todas as características de um atacante estava sendo avaliado como um volante no meio-campo.
“Nós fizemos a modificação para centroavante. Logo que o colocamos, nas primeiras jogadas, ele fez dois gols. E nos primeiros jogos, como titular, ele foi goleador no campeonato”, diz.
A inteligência artificial transforma em ciência o que os melhores olheiros e técnicos conseguem fazer: perceber um potencial escondido nos jovens. A tecnologia ainda consegue fazer isso em grande escala.
O robô é treinado para reconhecer os gestos, a linguagem e forma de se expressar dos atletas. Esse aprendizado da máquina é feito com uso de teorias e pesquisas sobre psicologia e linguística.
Como bons resultados no ramo de inteligência artificial dependem da boa qualidade de dados oferecidos, o Speck Champs também foi alimentado com informações sobre os perfis de atletas mais cobiçados do mundo, grandes nomes como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.
A máquina encontra características relevantes nos atletas que vão determinam seu desempenho na carreira e em certa função.
Roberto Francisco explica que, da mesma forma que existem características comuns para advogados, por exemplo, serem bem-sucedidos, também existem características diferentes entre advogados de especialidades diferentes.
Todo atleta precisa ter neuroticismo, um dos cinco grandes traços de personalidade estudados pela psicologia. Na prática, é a habilidade de ouvir as vaias da torcida e seguir com o jogo.
“É um traço de quem lida bem com situações de estresse e pressão. Não importa a posição, se o atleta não tem esse traço, a possibilidade de fracasso é grande”, diz.
Depois dessa análise inicial, um segundo conjunto de características é avaliado para determinar a afinidade com diferentes posições em campo. Foi o que aconteceu com o jogador que brilhou ao sair da função de volante e passou a atuar como centroavante.
Existe também um terceiro grupo de comportamentos que devem ser levados em conta: os valores de cada clube. Muito parecido com o que se fala da cultura de empresas, seria a forma de agir que é indispensável para o conjunto.
“Um atleta pode ser o Messi e não se dar bem junto com os outros”, explica.
Todas as informações dadas pela inteligência artificial ainda precisam ser consideradas em contexto com outros fatores, como o desenvolvimento físico e técnico.
Afinal, é possível que um jovem talentoso com a bola possa ser treinado para criar resiliência contra as vaias da torcida. E alguém com o essencial neuroticismo pode ter nascido com dois pés esquerdos.
Juntar todos os dados de performance dos jogadores de base dentro da plataforma do Speck é o próximo passo para o clube. E Signorini tem planos mais ambiciosos:
“Eu quero saber se estou recebendo um futuro craque dentro do clube”, diz o CEO.
No futuro, o objetivo é ter uma base de dados com parâmetros concretos para a seleção de novos profissionais, com a possibilidade de construir a curva de crescimento da pessoa desde o início.
E, se empresas de todos os setores investem em times de análise de dados, o Galo também tem contratado cientistas de dados para integrar o robusto time por trás dos campos. Com o sucesso desse primeiro experimento no clube, o futebol pode ser mais uma opção de carreira para os profissionais de tecnologia.
Com o impacto da automação e novas tecnologia no mercado, o Fórum Econômico Mundial prevê que 50% da força de trabalho global vá precisar de algum nível de requalificação nos próximos anos. E a própria inteligência artificial poderia ser a solução para ajudar no aprendizado da mão de obra.
Para o CEO da Kukac, o uso de IA em recursos como o Speck Champs é uma forma de “empatar o jogo” nessa revolução tecnológica.
“Já estamos discutindo sobre como sobreviver à inteligência artificial. Ela já é usada por redes sociais com fins comerciais para entender e manipular o comportamento do público. Agora, você pode desenvolver algo que retorne essa informação para o indivíduo”, diz.
Além do esporte, a empresa já atua com soluções aplicadas à educação, trabalho, empreendedorismo e empregabilidade.
Em parceria com o Sebrae, eles atuam com um auxílio para entender os traços socioemocionais que interferem na capacidade de empreender dos alunos. Com os alunos de MBA da Fundação Dom Cabral, a ferramenta ajuda a identificar e potencializar características de liderança nos alunos.
Para os alunos da Falconi Frst, a empresa ajuda na identificação de habilidades do futuro. E ofecere uma plataforma de empregabilidade para o Senai.
Souza vê que um avanço necessário é o uso da inteligência artificial para a formulação de políticas públicas.
Com a ferramenta, os dados socioemocionais de alunos do ensino público poderiam ser analisados junto ao contextos socioeconômico para criar soluções para problemas recorrentes, como a evasão escolar.
“A questão em jogo para mim não é a evolução da tecnologia, mas nossa capacidade de lidar com a evolução. E o poder público tem ignorado isso. É essencial que ele se aproprie dessa capacidade o mais rápido possível e que também possa deter o uso inadequado”, afirma.
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