Carreira

O trainee que virou CEO: a história que você não conhece sobre o presidente da Nestlé Brasil

Em entrevista exclusiva à EXAME, Marcelo Melchior conta sua trajetória e os maiores desafios da terceira maior operação da Nestlé no mundo - que ele tenta resolver com disciplina, atitude e yoga diária

Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil: “O profissional brasileiro é versátil, porque vive em um mundo que sobe e desce, meio montanha-russa. Isso nos faz extremamente resilientes” (Leandro Fonseca /Exame)

Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil: “O profissional brasileiro é versátil, porque vive em um mundo que sobe e desce, meio montanha-russa. Isso nos faz extremamente resilientes” (Leandro Fonseca /Exame)

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 06h05.

Última atualização em 15 de setembro de 2025 às 10h42.

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De pedreiro, trainee e CEO de uma das maiores operações da Nestlé no mundo, Marcelo Melchior construiu sua trajetória sem roteiro mirabolante - e com uma regra de ouro: protagonismo e atitude.

“Somos o único responsável de nossa carreira”, diz, lembrando que trabalhou em diferentes funções para pagar os estudos. Ele chegou a ser ajudante de obra na Suíça e até salva-vidas, mas, para pagar a faculdade, ele foi por muito tempo professor em uma escola.

“Todas as características de liderança eu aprendi na escola, porque eu trabalhava com pessoas de 10 a 20 anos. Se você for duro demais, perde eles. Se for mole demais, não te respeitam", afirma Melchior em entrevista exclusiva ao podcast “De frente com CEO”, da EXAME.

Carioca, criado entre Brasil, Paraguai, Chile e Portugal, ele foi alfabetizado em espanhol, ele se formou em administração na Suíça e entrou na Nestlé como trainee na década de 80, no Brasil. Quase quatro décadas depois, Melchior lidera 30 mil funcionários no país e mantém a rotina de quem aprendeu cedo que consistência é vantagem competitiva.

“Aconteça o que acontecer, às 6 horas da tarde eu vou embora, porque às 6h30 eu tenho o meu professor de yoga que chega em casa,” afirma.

Disciplina e yoga para equilibrar

A prática diária de yoga, há cerca de 15 anos, funciona como freio emocional.

“Gosto de fazer yoga porque trabalha músculos, mas principalmente o mental e a respiração. Isso ajuda a fazer um colchão entre a rotina diária e a tua vida particular,” diz o CEO da Nestlé.

Ao marcar o fim do expediente com rigor, Melchior diz que protege o tempo pessoal e sustenta a performance.

Do chão de loja às reuniões de diretoria

No “chão de loja” Melchior aprendeu lições que não envelhecem. Como trainee, na década de 80, passou por vendas e operação, chegando a organizar gôndolas em supermercado em tempos de inflação, remarcando o preço de tudo todos os dias. Para ele, a essência do trabalho continua a mesma.

“Na venda o que muda é a tecnologia, o resto é tudo parecido na relação com os clientes.” Essa vivência prática embasou decisões futuras — inclusive em crises.

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Liderar na crise: descentralizar é chave

Desde abril de 2018 Melchior é CEO da Nestlé Brasil, depois de já ter liderado a operação da multinacional no México (2012 a 2016) e da América Central (2005 a 2009). No Brasil, segundo ele, um dos maiores desafios que já teve como CEO foi a greve dos caminhoneiros. Melchior conta que a saída foi adotar um comando simples e descentralizado.“Decidimos que não podíamos centralizar as decisões,” diz.

O recado às equipes coube em uma moldura clara. “Que nós sejamos a última empresa a parar e a primeira a rearrancar,” afirma o CEO que hoje conta que com autonomia, as fábricas encontraram soluções e mantiveram a operação de pé.

Outro grande desafio foi neste ano, com a alta recente de insumos essenciais que trouxe pressões inéditas para a operação.

“Nós tivemos uma inflação de matéria-prima muito elevada, principalmente em  cacau e café. Nunca tínhamos visto uma inflação assim,” diz o CEO. 

Ele explica que, diante desse cenário, a empresa precisou adotar diferentes estratégias: aumento de preços em alguns casos, ajustes de formatos e aposta em inovação.

“Nós tivemos que mitigar essa inflação com algum aumento de preço, mudança de formatos, inovações, etc. Mas isso colocou muita pressão.”

O grande risco, segundo ele, está no impacto sobre os volumes de produção. “Nós temos crescimento em valores, mas em volumes estamos decrescendo. E isso é importante, porque não podemos decrescer em volumes, senão nossas fábricas vão ficar ineficientes.”

Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil: “Nós tivemos uma inflação de matéria-prima muito elevada, principalmente em  cacau e café. Nunca tínhamos visto uma inflação assim" (Leandro Fonseca /Exame)

O que a Nestlé espera dos futuros funcionários vai além do diploma

A leitura de talento também mudou. Se no passado diploma, idioma e “nota” eram filtros, hoje a régua é outra.

“Hoje em dia a gente não vê nada disso. O que nós procuramos é ver temas de experiência de vida e atitude.”

Para ele, a companhia precisa ser espelho do Brasil que atende: “Você pode ser você mesmo, seja estudando fora ou tendo que equilibrar os estudos com o trabalho.”

Oportunidades muitas vezes não parem tão boas - mas podem ser

A Nestlé Brasil, segundo o presidente, é uma plataforma de exportação de talentos brasileiros no mundo inteiro.

“Nós temos uma política de expatriação que eu acho que é a melhor que existe no mercado”, afirma.

Ele mesmo já passou por mais de 10 países e conta que o crescimento de carreira ganhou velocidade quando ele topou o não óbvio. A segunda expatriação, no Peru, parecia pouco “glamourosa” à época — e virou um divisor de águas de sua história na companhia.

“Tem oportunidades que são gigantes, mas não aparecem no primeiro momento. O que a pessoa tem é que querer.” Ao aceitar a proposta, abriu repertório de gestão e ampliou responsabilidades. “Foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida.”

Brasil: uma escola de resiliência

Com oscilações no mercado, o Brasil, segundo Melchior, é uma escola única para quem sabe transformar turbulência em competência.

“O Brasil é um país espetacular, tem um montão de problemas, mas milhares de oportunidades. Isso faz o profissional brasileiro ser versátil, porque ele vive em um mundo que sobe e desce, meio montanha-russa. Isso nos faz extremamente resilientes.”

Curiosidade e atitude como bússola

Resiliência, porém, não opera sozinha. Melchior insiste em duas alavancas comportamentais para qualquer carreira: curiosidade e atitude.

“É preciso ser curioso para aprender coisas nova. Isso é fundamental para o desenvolvimento de qualquer profissional,” afirma o CEO.

Já a atitude, segundo ele, é o que transforma intenção em entrega. “Você coloca o teu intelecto, a tua vontade, a tua alma, o teu coração para que as coisas funcionem.”

Falar o que pensa (mesmo arriscando)

No topo da hierarquia, a comunicação vira dever profissional. “Temos a responsabilidade muito grande de falar o nosso ponto de vista.” Ele reconhece que é mais cômodo entrar em uma sala mudo e sair calado, mas, nesse caminho, se abdica de influência e autoria.

O conselho vale também para a própria trajetória: manifeste ambições, interesses e disponibilidade para novos desafios.

“Podemos falar: eu tenho uma ambição de fazer isso, eu estou interessado neste cargo. Se surgir uma oportunidade, um cargo X e tudo mais, você precisa mostrar interesse em fazer. Somos nós os responsáveis de também estar bem no ambiente de trabalho, passamos boa parte da vida trabalhando.”

Leia também: CEO da Scania América Latina revela o conselho número 1 para ser um líder de sucesso

Felicidade antes do sucesso

Para liderar a terceira maior operação da Nestlé no mundo, o autocuidado e limites são parte do trabalho, e não um luxo, segundo Melchior.

“Se você estiver bem, feliz, o sucesso é uma consequência disso.” Para ele, a história do pedreiro, que virou professor, trainee e logo depois CEO mostra que construir uma carreira exige curiosidade, coragem de falar e atitude para ser quem é - seja dentro e fora do ambiente de trabalho.

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