Cafu, ex-capitão da seleção brasileira em 2002, levando o Troféu da Copa do Mundo: "Naquele time de 2002, eu sabia que precisava tirar a vaidade do grupo para que todos se sentissem importantes. Só assim ganhamos a Copa do Mundo" (Alex Livesey / Equipe/Getty Images)
Repórter
Publicado em 5 de setembro de 2025 às 06h01.
“Por 9 vezes falaram na minha cara que eu jamais seria jogador de futebol, mas eu tinha certeza do que eu queria ser”, diz Marcos Evangelista de Morais, conhecido por Cafu, ex-capitão da Seleção Brasileira que foi pentacampeã em 2002, contra a Alemanha, no Japão.
A lembrança de Cafu hoje é mais do que uma memória: a dificuldade vivida se tornou um método para líderes.
Durante o evento “Leader Shift”, realizado pela Sólides para líderes, em Belo Horizonte, nesta semana, Cafu detalha como disciplina, preparo e uma liderança sem vaidade moldaram sua trajetória - e como esses princípios valem para líderes de qualquer carreira.
Cafu foi um dos palestrantes no “Leader Shift”, evento realizado pela Sólides para líderes, em BH: “Aprendi que disciplina é o que te mantém pronto quando a oportunidade aparece” (Sólides/Divulgação)
Cafu viveu boa parte da infância e adolescência no bairro Jardim Irene, zona Sul do ABC, em São Paulo. O sonho de ser jogador de futebol cresceu com ele e com a liberdade dos pais, mas não foi fácil entrar para um time de juniores.
Reprovado 9 vezes em peneiras de grandes times como São Paulo, Nacional, Palmeiras, Corinthians e Portuguesa, Cafu lembra que sempre quando chegava em casa, encontrava o pai no mesmo canto do sofá, e toda vez que ele falava "não fui aprovado", ele ouvia o mesmo conselho: “Filho, essas são barreiras que colocaram na sua vida e que só você pode superar”.
O frase do pai virou um mantra: Cafu voltava para a escolinha do Pedro Rocha Portela e lá treinava todos os dias. A tentativa nos clubes continuava também, às vezes até no mesmo clube.
"Só o São Paulo me negou 4 vezes. O técnico achava que me conhecia e eu tentava disfarçar para não ser negado na hora".
Até que depois de tantos "nãos", veio o "sim" do time de Itaquaquecetuba.
“Fiquei um ano e dois meses indo e voltando para Itaquaquecetuba todos os dias. Eram três horas para ir e três para voltar, mas eu não faltei a nenhum treino. Chegava cansado, muitas vezes dormia na sala de aula, mas não abri mão da escola e nem do meu sonho de ser jogador de futebol”, conta Cafu.Após um ano, o Itaquaquecetuba marcou um amistoso contra o time júnior do São Paulo.
“Aquela era uma grande oportunidade de nos destacar para um grande time, mas quando eu e meus colegas do Itaquá entramos no vestiário e vimos os jogadores do São Paulo chegando, eles pareciam gigantes perto da gente. Olhei para o meu colega e falei: ‘tem certeza que esses caras são juniores?’”.
No fundo do vestiário, o treinador do Itaquaquecetuba, João Alemão, viu o espanto do seu time e falou em voz alta uma frase que marcou a carreira de Cafu para sempre:
“O medo de perder tira a vontade de ganhar”, gritou o treinador. “Se estão com medo, nem entrem em campo”.
O resultado foi histórico: vitória do Itaquaquecetuba por 2 a 1, com um gol que teve a assistência de Cafu.
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Impressionados, os dirigentes do São Paulo selecionaram 3 jogadores do Itaquaquecetuba para testes no clube: Ademir, Gilmar e Cafuringa - apelido de Cafu na época, inspirado em um ex-jogador do Fluminense.
Nos treinos no CT do São Paulo, a dedicação de Cafu chamou atenção.
“Se os meninos faziam 10, eu fazia 20. Eu dobrava tudo e até corria com maratonistas no tempo livre, porque sabia que só assim eu ia superar as barreiras e estar pronto quando a oportunidade chegasse”, conta Cafu.
Em apenas 15 dias, Cafu e seus dois amigos foram aprovados na peneira e incorporados à equipe de base do São Paulo.
“Muita gente pede oportunidade, mas pouca gente se prepara para quando ela chega,” diz Cafu.
O ex-jogador também conta o momento que contou aos pais sobre ter superado a tal barreira.
“Pai, bastava o senhor dizer uma vez para eu desistir, que eu teria desistido, mas o senhor sempre repetiu que eram barreiras que só eu podia superar. Hoje, essas barreiras foram superadas: eu fui aprovado no São Paulo Futebol Clube!” conta Cafu, que lembra do abraço emocionado dos pais que choraram de alegria e tiveram que assinar o termo de responsabilidade, porque na época Cafu tinha apenas 16 anos.
“Se eu tivesse aceitado aqueles ‘nãos’, eu não teria conquistado o que conquistei”, afirma Cafu. “Não deixe que ninguém decida por vocês o que querem ser.”
Treino, alimentação, descanso, musculação, suplemento. A rotina moldou corpo e mente para a alta performance. A diferença entre jogador profissional e atleta profissional, diz Cafu, está na consistência do preparo - mesmo sem holofote.
“Aprendi que disciplina é o que te mantém pronto quando a oportunidade aparece”, diz Cafu.
Como o maior exemplo de disciplina e preparo, Cafu lembra do treino de 32 dias seguidos na Copa do Mundo de 1994. Ele conta que sabia que dificilmente jogaria, já que o titular da lateral direita era o Jorginho, mas mesmo assim manteve o mesmo ritmo de treinos durante mais de um mês, sem relaxar um dia sequer.
Na final contra a Itália, aos 16 minutos, Jorginho sentiu a coxa e precisou sair. Foi nesse momento que a oportunidade chegou.
“Quando o Parreira me perguntou se eu estava preparado para entrar em campo, eu disse: ‘Professor, tem 32 dias que eu estou pronto para entrar’”, afirma Cafu.
“Se preparem para serem os melhores naquilo que vocês fazem, porque sorte não é acaso: é estar preparado para quando a oportunidade aparece”, afirma.Há dois tipos de liderança, segundo o Cafu: a temida e a respeitada. “Eu escolhi ser a segunda - a que chega 40 minutos antes, e sai 40 minutos depois. A que protege o time e cobra com justiça”, diz.
Para isso, ele destaca dois conselhos importantes para quem quer ser um líder respeitado:
“Cheguei perto dele e disse: ‘Irmão, preciso de você. O gol já foi. Levanta a cabeça’,” conta Cafu que lembra que Lúcio quase foi eleito o melhor jogador daquele ano.
“O verdadeiro líder é o que extrai o melhor das pessoas que estão do seu lado”, diz Cafu. “Eu fazia questão de dizer para cada um: Marcos, não existe goleiro melhor que você; Cleberson, você é tão importante quanto o Ronaldo e o Rivaldo. Todo mundo precisava se sentir parte da conquista.”
Cafu traz como exemplo que a força do lobo está na matilha — e a força da matilha está em cada lobo.
“Não importa quem é o primeiro ou o último, o que importa é como vamos chegar. No time, assim como na vida, ninguém conquista nada sozinho. Resultado é coletivo; destaque é consequência”, diz Cafu.
Para Cafu, a vaidade tem sido o grande mal da humanidade e ele fez questão de tirar isso de campo. "Naquele time de 2002, eu sabia que precisava tirar a vaidade do grupo para que todos se sentissem importantes. Só assim ganhamos a Copa do Mundo.”
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Já se vão mais de duas décadas desde o último grito de campeão do mundo, mas, para Cafu, o segredo não está na fama do craque isolado, e sim na estratégia da matilha. É ter disciplina diária e coragem para encarar o jogo, sem medo de perder. Talvez esteja aí a chave para que o futebol brasileiro - e também os líderes fora do campo - voltem a ser ‘campeões’ naquilo que treinaram tanto para ser.