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O inferno dos MBAs

Com a economia americana em crise, uma colocação no mercado de trabalho para os MBAs que estão lá fora fica ainda mais complicada

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Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2010 às 11h13.

POR Mariana Lemmann

Flávio Jardim Vargas, de 27 anos, é um brasileiro privilegiado. Teve acesso ao que há de melhor em termos de formação. Engenheiro mecatrônico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), ele está prestes a concluir o MBA (Master in Business Administration) na Universidade de Nova York, uma das mais prestigiosas dos Estados Unidos. Alguns anos atrás, ao se formar, Vargas provavelmente receberia várias ofertas de trabalho e teria dificuldade para escolher a mais interessante. Mas a bolha da economia realmente estourou por lá e mexeu com a dinâmica dos negócios local e mundialmente de forma implacável. O grande desafio que o mercado americano coloca hoje diante de MBAs recém-formados como Vargas é encontrar uma ocupação. No caso dos brasileiros, a situação é ainda mais crítica. Além de o recrutamento estar praticamente parado, as empresas que têm ido aos campi à procura de talentos não têm abertura para estrangeiros, e a maioria das companhias brasileiras não tem um processo formal de contratação de MBAs. Soma-se a isso o fato de que atualmente nos Estados Unidos só deixam os empregos os profissionais demitidos, um grupo que cresceu substancialmente nos últimos meses.

A empresa em que Vargas fez o estágio de verão, o summer job, atua na área de estratégia e ainda não fez ofertas para uma posição full time. Vargas queria levar a vaga na consultoria, destino predileto de grande parte dos MBAs, mas entrou em desvantagem no páreo por causa de sua falta de experiência nesse setor. "Tem pouco a ver com meu perfil profissional", acredita. "O fato é que, hoje, não ter passado por uma consultoria antes de concluir o MBA é algo que dificulta a reinserção no mercado."

Vargas não é exceção. No ano passado, de acordo com o jornal Financial Times, mais de 10% dos formandos em cursos de MBA estavam sem emprego três meses após a graduação. É quase o dobro de profissionais, 5,5%, que estavam na mesma situação no ano 2000. Os tempos são especialmente ruins para os interessados nos mercados de telecomunicações, tecnologia e consultoria. Aceitar a oferta de uma empresa de consultoria, aliás, tem sido um tiro no escuro para vários profissionais. As consultorias não querem deixar de marcar presença nas escolas de negócios, mas estão inchadas, um efeito da queda do turn over e da quantidade reduzida de projetos. A alternativa que nomes como McKinsey e Booz-Allen, entre outros, têm adotado é postergar as ofertas de trabalho, renegociando a proposta quando a data de admissão combinada se aproxima. Há casos em que o prazo de espera para o candidato é de até um ano e meio. O efeito disso é que, enquanto os profissionais contratados pelas consultorias nos últimos dois anos não colocarem de fato a mão na massa, elas continuarão com o número de ofertas drasticamente reduzido. Além disso, a grande maioria dos profissionais com experiência anterior em consultoria que foram para o MBA patrocinados pelas empresas em que trabalhavam deve fazer o caminho de volta, o que dificulta a penetração de profissionais como Vargas, sem experiência anterior nesse mercado.

É melhor o certo do que o duvidoso

Esse talvez tenha sido o motivo que fez o engenheiro paulistano Fabio Vidal Armaganijan preferir o certo ao duvidoso. Aluno do primeiro ano de Harvard, ele abriu mão de entrevistas com seis diferentes empresas de consultoria para ficar em outro setor. Deve fazer o summer job numa operadora logística no Brasil que ainda não tem o costume de ir aos campi contratar MBAs. Só levou a oferta porque já havia feito um contato prévio antes de partir para os EUA. "Há pouca oferta agora", diz. "As pessoas que têm conseguido summer job no Brasil têm feito isso por meio de contatos já estabelecidos ou por intermédio de ex-alunos de Harvard. Vai sobrar gente sem summer."

Quem quer insistir numa vaga em consultoria tem de jogar pesado. Claudio Jardim Vargas, engenheiro paulistano que cursa o primeiro ano do MBA na Universidade Colúmbia, usou 1 500 pontos, o total que a escola oferece, para garantir uma entrevista com a McKinsey. Para ter uma idéia, é possível conseguir uma entrevista em companhias menos concorridas com cerca de 300 pontos. O sistema funciona como uma bolsa de apostas criada para distribuir entrevistas entre os alunos que não foram chamados por seus currículos. Cada um tem o direito de apostar quanto desejar na empresa que mais chamar a sua atenção. "Está todo mundo entrevistando para tudo o que der", diz. Há aqueles que tentam forçar entrevistas de qualquer jeito. Claudio observou o seguinte, em repetidas vezes: bastam cinco minutos de atraso do aluno que está sendo esperado para que o outro candidato se apresente e ocupe o horário na cara-de-pau. "Hoje, ninguém sabe o que é aula", diz Claudio. "As pessoas se vestem com terno e gravata todos os dias na eventualidade de aparecer algo de última hora."

O drama é maior para os alunos que estão prestes a se formar. Dos nove brasileiros que estão a um passo da formatura na Universidade de NovaYork, cinco já têm oferta de trabalho, um deles está sendo patrocinado pela empresa e três ainda não conseguiram emprego. Claudio Vargas não precisa procurar muito longe para encontrar um exemplo dos obstáculos que os MBAs têm enfrentado. Ele é irmão de Flávio Vargas, citado no início dessa reportagem. Flávio ainda não recebeu oferta de trabalho full time, e o summer que fez no ano passado foi pouco produtivo. Ele cumpriu o estágio de verão numa consultoria em tecnologia que acabara de ser constituída. Ficou um mês por lá, quando o mais comum entre os MBAs é trabalhar dez semanas. Flávio já está considerando a área de asset management, em que trabalhava antes do MBA. As escolas não têm como manipular o mercado. No entanto, os departamentos de serviços de carreira estão fazendo de tudo para ajudar os alunos. "Nós estamos nos esforçando para atingir o maior número de empresas possível", diz Regina Resnick, que dirige o departamento de serviços de carreira da Universidade Colúmbia. Ela é uma das responsáveis pela organização de palestras sobre carreira. Os temas deste ano são um bom indicador das mudanças de mentalidade que o momento exige dos MBAs. Uma das mais recentes palestras foi sobre como identificar oportunidades escondidas no mercado de trabalho. No ano passado, na mesma época, o tema era como avaliar suas opções de trabalho.

Competição acirrada

A escassez de vagas para MBAs aumenta ainda mais a competição. "A concorrência está mais pesada do que nunca. As pessoas estão cada vez mais bem preparadas para as entrevistas", afirma Luiz Eduardo Costa, engenheiro carioca da turma do primeiro ano da Colúmbia. Costa está interessado em consultoria ou num grande banco, na área de sales and trade, setores que vivem um momento delicado. A Merrill Lynch, por exemplo, um dos maiores bancos de investimento americanos, anunciou no início deste ano um corte de 9 000 vagas. Junto com os 15 000 empregos eliminados no ano passado, a empresa reduziu 21% do seu quadro em todo o mundo. Esse cenário torna mais distante o sonho de grande parte dos MBAs brasileiros, grupo em que Costa se inclui. "Eu via com bons olhos a idéia de ficar trabalhando nos Estados Unidos por quatro ou cinco anos depois do curso", diz Costa, que reconhece que se sentiria mais seguro se tivesse ido para o MBA patrocinado pela empresa em que trabalhava antes, a Ericsson. Costa está preocupado em como financiar os custos do segundo ano de curso. "É preciso ter cuidado para não deixar a auto-estima abalada, pois temos recebido muitos nãos. Tem sido um processo de amadurecimento um tanto amargo, mas importante", diz. "Pode demorar um pouco, mas acredito que os frutos certamente serão positivos."

Mesmo com perspectivas limitadas em bancos e consultorias, tradicionais empregadores dos MBAs, há muita gente que continua pensando como Luiz Eduardo Costa, gente que vê a educação como uma maneira eficiente de valorizar o passe profissional. Prova disso é que nunca houve tanto interesse em cursos de MBA como agora. De acordo com Linda Meehan, diretora de admissões da Universidade Colúmbia, houve um aumento de 180% na quantidade de inscrições que a escola recebeu de agosto a novembro do ano passado em relação ao ano anterior. "Os candidatos estão cada vez mais fortes -- e ansiosos", diz. Apesar da desvalorização do real em relação ao dólar, os brasileiros parecem não ter abandonado a idéia de um MBA no exterior. "Nos últimos dez anos, o Brasil é um mercado que só cresce para a Colúmbia", afirma Linda. Na Universidade de Nova York, as inscrições cresceram 60% em relação ao ano anterior no primeiro prazo para entrega de applications. A velha máxima de que a melhor hora para fazer um MBA é o momento de crise não poderia se provar mais verdadeira quanto agora. No fim de fevereiro, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, sinalizou as boas novas. A previsão do Fed é que a economia americana tenha um crescimento de 2,5% a 3% em 2002. E, se a economia americana vai bem, melhor para os profissionais habilitados a pegar carona nela.

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